Até então, nos Emirados Árabes, os procedimentos arbitrais eram regidos por algumas seções do Código de Processo Civil dos Emirados Árabes (Lei Federal 11/92, precisamente em seus artigos 203 a 218). Conforme informação constante no site do governo dos Emirados1, em complementação a tais dispositivos legais, eram aplicadas as regras da câmara arbitral onde o procedimento se realizasse.
A primeira medida no país que estimulou a arbitragem foi tomada pelo governo de Dubai que, em 2004, estabeleceu zonas de livre comércio, como o Centro Financeiro Internacional de Dubai – DIFC. Esse centro financeiro possui uma jurisdição independente dentro do país, operando segundo seu próprio ordenamento jurídico, o qual é baseado no sistema de common-law2. Dentro do Centro Financeiro, foi criado um centro de resolução de disputas, o qual formalizou parceria com a London Court of International Arbitration em 2015, formando, assim, o Centro de Arbitragem DIFC-LCIA3. As disputas submetidas a esse centro são solucionadas sob as normas de arbitragem da UNCITRAL.
Outra zona comercial semelhante é o Global Market de Abu Dhabi, situado na ilha Al Maryah. Em 2016, o Ministro da Justiça dos Emirados Árabes acordou, junto aos representante das câmaras arbitrais do Global Market, que seriam tomadas todas as medidas necessárias no sentido de assegurar a execução, perante os tribunais federais do país, das sentenças arbitrais dele advindas.
No sentido de regulamentar o instituto da arbitragem, o primeiro passo tomado pelos Emirados Árabes se deu em 2006, quando o país se tornou signatário da Convenção de Nova York. Essa convenção é um tratado internacional que assegura, de maneira recíproca, a execução de sentenças arbitrais em todos os países signatários.
Desde então, os Emirados Árabes vêm tentando promulgar uma lei de arbitragem específica. Foram feitas duas tentativas, primeiramente em 2008, e, mais tarde, em 2014. O texto da lei de 2008 recebeu críticas diversas, e foi considerada, no geral, como sendo pró-arbitragem. Como exemplo, trazia disposição de que os tribunais estatais somente teriam jurisdição para apreciar medidas de urgência somente no caso de o Tribunal Arbitral não ter recursos para fazê-lo4. Ao mesmo tempo, a redação trazia menção a vários dispositivos do Código de Processo Civil. A lei, no entanto, nunca foi promulgada, pois não foi possível obter sua aprovação.
O texto da lei de arbitragem redigido em 2014, por sua vez, foi baseado no modelo da UNCITRAL. Apesar disso, também apresentava diversos trechos baseados no Código de Processo Civil. Por essa razão, foi alvo de diversas críticas, no sentido de que ele não trazia inovações ou melhorias em relação às leis já existentes. Outra crítica levantada foi a de que a redação não forneceu informações claras acerca das condições para participação de terceiros alheios à convenção de arbitragem no procedimento arbitral. Esse é um problema relevante no sentido de que, eventualmente, a parte requerida poderá responder ao requerimento de arbitragem alegando sua ilegitimidade por não ter assinado a respectiva convenção, levando à necessidade de apreciação do tema pelo Tribunal Arbitral, o que pode atrasar a solução final da disputa. Em situação ainda mais grave, uma sentença arbitral poderia ser anulada pelo mesmo motivo. Assim, tal redação também não logrou aprovação.
Por fim, a terceira redação, formulada alguns meses após o Global Market de Abu Dhabi ter publicado novo regulamento para as arbitragens realizadas dentro de sua zona comercial, foi aprovada. Tal redação foi baseada na lei modelo da UNCITRAL e apresentou maior conformidade com normas e princípios arbitrais internacionais, diminuindo consideravelmente a intensidade das correlações com o ordenamento jurídico doméstico5. Ostenta poucas semelhanças à legislação nacional e determina, ainda, que os procedimentos arbitrais no país não devem conflitar com a ordem pública e com os bons costumes.
Essa mudança representa um empreendimento de esforços dos Emirados em fortalecerem sua posição como centro econômico internacional, amparado por normas arbitrais modernas. O jornal Al Bayan, de Dubai, informou que a nova legislação enfatiza o estímulo ao desenvolvimento econômico, à atração de investidores e à estabilidade econômica do país6. Todos esses aspectos são evidentemente fortalecidos face a uma regulamentação que conceda maior segurança à realização de procedimentos arbitrais na solução de disputas de caráteres diversos.
__________
1 Disponível em: (clique aqui). Acesso em: 21/03/2018.
2 Disponível em: (clique aqui). Acesso em 16/03/2018.
3 Disponível em: (clique aqui). Acesso em 22/03/2018
4 Disponível em: (clique aqui). Acesso em 20/03/2018.
5 Disponível em: (clique aqui). Acesso em 16/03/2018.
6 Disponível em: (clique aqui). Acesso em: 18/03/2018.
__________
*Flávia Câmara e Castro é advogada do escritório GVM - Guimarães & Vieira de Mello Advogados, atuando em Contencioso Civil e Arbitragem. Possui experiência na AIA – Association for International Arbitration (Bruxelas). Membro do GACI (Grupo de Estudos em Arbitragem e Contratos Internacionais).