Migalhas de Peso

Empresa de dendê no Pará denunciada por trabalho degradante

Os trabalhadores são submetidos a condições sub-humanas de trabalho, como exposição constante a radiação solar, sem substituição e equipamentos de proteção ou qualquer abrigo.

5/4/2018

Localizada em vários municípios do Estado do Pará, a empresa Belém Bioenergia Brasil S.A é acusada de submeter trabalhadores rurais que atuam no plantio e colheita do dendê a condições desumanas e precárias com claros indícios de trabalho análogo ao escravo.

A empresa é tomadora de mão de obra e terceiriza os serviços, fazendo vários contratos com empresas menores, com o intuito de reduzir gastos, eximindo-se de compromissos trabalhistas, fiscais e sociais, contratando empresas reconhecidamente inidôneas, conforme é o entendimento do TRT da 8ª Região que ao julgar o RO 0001197-34.2015.5.08.0125, decidiu da seguinte forma:

"[...] Ficou comprovado que o reclamante exerceu atividades de cultivo de dendê, e, segundo consta no CNPJ da reclamada Bioenergia, sua atividade econômica principal é "Fabricação de óleos vegetais em bruto, exceto óleo de milho", enquanto que a da reclamada terceirizada é "Obras de Alvenaria" (conforme registro no sítio da receita federal). Ou seja, em nada se assemelha às atividades para a qual foi contratado o reclamante, embora haja, é certo, dentre as atividades secundárias desenvolvidas por essa empresa, o "Serviço de preparação de terreno, cultivo e colheita", o que, entretanto, por si só, não tem o condão de afastar a terceirização de atividade fim, pois o cultivo do dendê é essencial à atividade principal da segunda reclamada (Belém Bioenergia Brasil). Assim, ficou demonstrada a terceirização ilícita, porque os serviços prestados pelo reclamante estão ligados à atividade-fim da empresa, o que significa que a sua execução não poderia ser transferida para terceiro. Nesse sentido, o contrato celebrado entre as reclamadas objetivou intermediar a mão-de-obra, no intuito de evitar a formação do vínculo empregatício. [...]" (Grifo nosso). 1

A empresa além de não pagar corretamente as verbas trabalhista, adicional de produtividade, horas extras e de respeitar os intervalos com jornada extenuante de trabalho, ainda acomodam os trabalhadores precariamente em alojamento "indignos a qualquer ser vivo".

Os trabalhadores são submetidos a condições sub-humanas de trabalho, como exposição constante a radiação solar, sem substituição e equipamentos de proteção ou qualquer abrigo, além de serem forçados a buscar abrigo embaixo das copas das árvores, sujeitos a todo tipo de intempéries e perigos.

Os empregados, ainda não têm sequer banheiros para uso, sendo obrigados a fazer suas necessidades fisiológicas a céu aberto, atraindo animais peçonhentos, insetos, fungos e bactérias, deixando-os suscetíveis a todo tipo de doença, "tornando mais inóspito o ambiente em que supostamente era para o trabalhador produzir e ganhar o seu sustento e de sua família".

Todos esses fatos, aliados à ausência de condições mínimas de higiene e proteção à saúde dos trabalhadores, afetam o patrimônio imaterial do trabalhador, porque o expõe a condições degradantes e insalubres, sem o mínimo de cuidado para com sua saúde e dignidade.

"Quanto ao reclamante, deve-se considerar que apesar de não se poder quantificar os prejuízos morais causados, há como amenizá-los mediante indenização apta a proporcionar-lhe uma compensação pelos abalos sofridos, compatível com a função que exercia na empresa e com a gravidade das condutas praticadas. Quanto à reclamada, a indenização deve ser suficiente para cumprir com seu efeito pedagógico, no caso, de despertar zelo e respeito suficientes pela honra e dignidade do trabalhador, priorizando estes valores inestimáveis sobre a busca pelo lucro."2

O abandono patronal é tamanho, que a empresa arregimentou mão-de obra nos moldes do que se denomina de "escravidão contemporânea", onde os trabalhadores em situação de extrema pobreza são ludibriados com as pseudos-promessas com uma coação não só moral, mas também como física ao trabalho forçado em condições indignas.

Não bastasse tudo isso, a empresa ainda adota o "ponto britânico", que se trata na verdade de anotação uniforme nos horários de trabalho dos empregados, por mais que os trabalhadores se empenhassem para o comprometimento dos horários de entrada e saída, a obediência destes horários registrados nos pontos seria quase impossível, logo tais folhas de ponto não registram o verdadeiro horário laboral dos trabalhadores, conforme podemos atestar no entendimento jurisprudencial do Acórdão TRT-8ª/1ª T/RO 0001092-57.2015.5.08.0125, julgado na sala de sessões da Primeira Turma do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da Oitava Região, em 07 de junho de 2016:

"Os cartões de ponto registram horários uniformes (fls. 107-115), inclusive quanto aos intervalos para refeição e descanso (11:30 às 12h30), invalidando-os como prova documental."3

O Ministério do Trabalho e Emprego, na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Estado do Pará, através do Sistema Federal de Inspeção do Trabalho, emitiu vários autos de infrações dentre os quais atestaram que:

Em fiscalização mista (Art. 30, § 3º do decreto 4552/02), iniciada em 06.10.2015 e em curso até a presente data, nas propriedades rurais da empresa Belém Bioenergia Brasil S/A, situadas no município de Tailândia (PA), que contava na ocasião com 258 (duzentos e cinquenta e oito) empregados, durante os procedimentos de inspeção nos abrigos disponibilizados para que os empregados tomassem suas refeições, verificamos que o local era completamente aberto, ou seja, não possuía fechamento externo (entelamento), de forma a garantir o isolamento durante as refeições, possibilitando o ingresso no local de insetos, como moscas e maribondos e animais domésticos, como cães e gatos. Da mesma forma, verificamos ainda que a empresa instalou lavatórios, às proximidades, para que os trabalhadores pudessem higienizar suas mãos antes das refeições, porém não disponibilizou sabonete, sabão ou outro produto similar para que estes pudessem completar a higienização das mãos. Tais situações, além de expor o empregado a riscos a sua integridade física, contrariam os dispositivos legais vigentes sobretudo as Normas Regulamentadoras no Ministério do Trabalho e Emprego. (AUTO DE INFRAÇÃO Nº 20.830.159-3).

Em fiscalização mista (Art. 30, § 3º do decreto 4552/02), iniciada em 06.10.2015 e em curso até a presente data, nas propriedades rurais da empresa Belém Bioenergia Brasil S/A, situadas no município de Tailândia (PA), que contava na ocasião com 258 (duzentos e cinquenta e oito) empregados, durante os procedimentos de inspeção local verificamos que o empregador mantinha seus empregados desempenhando suas atividades à céu aberto, sem disponibilizar qualquer tipo de abrigo, ainda que provisório, para a proteção dos trabalhadores contra a insolação excessiva e chuva, enquanto executam suas atividades, deixando, dessa forma, de promover melhorias nas condições de trabalho para preservar a saúde destes. Como agravante, a indisponibilização de abrigo para proteção contra intempéries, principalmente a radiação solar, faz com que os empregados procurem abrigo na própria vegetação local, sob copa de árvores e arbustos, expondo-se a acidentes do trabalho em decorrência da exposição à insetos e animais peçonhentos, caracterizando violação a dispositivo normativo preceituado nas normas de segurança e saúde do trabalho. (AUTO DE INFRAÇÃO Nº 20.830.156-9).

A empresa Belém Bioenergia Brasil S.A consta entre os maiores litigantes no ano de 2015 a 2017, no âmbito do Tribunal de Justiça do Trabalho da 8ª Região, que abrange os Estados do Pará e Amapá, tal dado é feito pelo Conselho Superior de Justiça do Trabalho que revela as 10 empresas com maior quantidade de processos em tramitação no TST e em âmbito regional.

Assim, dada várias as reclamatórias trabalhistas ajuizadas contra a empresa Belém Bioenergia Brasil S.A que por muitas vezes não comprovam a obediência às normas de saúde e segurança no trabalho, como também as mínimas garantias reconhecidas no ordenamento jurídico, tem a matéria conhecida pelo TRT8ª, o que nos leva não somente a observar a finalidade da indenização em relação ao trabalhador como tentar resgatar um pouco da sua dignidade.

___________________

1 TRT8ª REGIÃO. ACÓRDÃO TRT/1ª T/RO 0001197-34.2015.5.08.0125. Relatora: Rosita de
Nazaré Sidrim Nassar. Data do Julgamento: 05 de julho de 2016. Disponível em:
https://www.trt8.jus.br/. Acesso em 28 de março de 2018.

2 TRT8ª REGIÃO. ACÓRDÃO TRT-8ª/1ª T/RO 0001092-57.2015.5.08.0125. Relatora:
Desembargadora Ida Selene Duarte Sirotheau Correa Braga. Data do julgamento: 07 de junho
de 2016. Disponível em: https://www.trt8.jus.br/. Acesso: 28 de março de 2018.

3 TRT8ª REGIÃO. ACÓRDÃO TRT-8ª/1ª T/RO 0001092-57.2015.5.08.0125. Relatora:
Desembargadora Ida Selene Duarte Sirotheau Correa Braga. Data do julgamento: 07 de junho
de 2016. Disponível em: https://www.trt8.jus.br/. Acesso: 28 de março de 2018.

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*Raquel Doria de Souza é advogada do escritório Mendes e Mendes Advocacia & Consultoria.

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