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Procedimento e forma para a intimação do devedor para cumprimento voluntário da sentença – artigo 475-J da Lei 11.232/05

Com a entrada em vigor da Lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005, que promoveu uma completa reformulação na execução decorrente de obrigação de pagar quantia certa imposta em sentença proferida no processo de conhecimento, houve um rompimento do modelo tradicional do processo civil brasileiro, em que a parte tinha a necessidade de se valer de dois processos para forçar o devedor a cumprir uma só obrigação. Agora, com o que se denominou intitular de processo sincrético, inicia-se uma nova fase, e não mais um novo processo destinado a forçar o devedor a cumprir o julgado.

21/7/2006

 

Procedimento e forma para a intimação do devedor para cumprimento voluntário da sentença – artigo 475-J da Lei 11.232/05

 

Dorival Renato Pavan*                

Sumário:

 

1. Delimitação do tema. 2. Necessidade de requerimento do credor para ter início a fase de cumprimento da sentença. 3. Momento processual adequado para que tenha início a nova fase processual criada pela Lei 11.232/05. 4. Necessidade de intimação pessoal do devedor. 5. Conclusões. 6. Bibliografia.

1. Delimitação do tema

 

Com a entrada em vigor da Lei 11.232 (clique aqui), de 22 de dezembro de 2005, que promoveu uma completa reformulação na execução decorrente de obrigação de pagar quantia certa imposta em sentença proferida no processo de conhecimento, houve um rompimento do modelo tradicional do processo civil brasileiro, em que a parte tinha a necessidade de se valer de dois processos para forçar o devedor a cumprir uma só obrigação.  Agora, com o que se denominou intitular de processo sincrético1, inicia-se uma nova fase, e não mais um novo processo destinado a forçar o devedor a cumprir o julgado.

 

A lei promoveu uma mudança estrutural no sistema processual quando se estiver diante de sentença condenatória de pagamento de quantia certa (ou mesmo em outras modalidades de títulos executivos judiciais, descritos no artigo 475-N da Lei 11.232/05), com o claro objetivo de desburocratizar o processo de execução e conferir efetividade ao que restou decidido no que agora pode ser chamada de primeira fase (de conhecimento), com vistas a tutelar efetivamente o direito do credor, reconhecido na sentença.

 

Em se tratando de sentença condenatória impositiva das obrigações de fazer ou não fazer, ou de entrega de coisa, o cumprimento dar-se-á pelas disposições dos artigos 461 e 461-A do CPC e, subsidiariamente, pelas normas que regulam o processo de execução de título extrajudicial dessas mesmas espécies de obrigações, no que não for incompatível com o sistema da mandamentalidade ou executividade das sentenças daí oriundas. 

 

A essas espécies de obrigações apenas haverá aplicação das disposições da Lei 11.232/05 se houver a transformação da execução da obrigação específica em perdas e danos, apuráveis ainda segundo o sistema previsto no artigo 627 do CPC, por não ter sido possível obter o cumprimento específico, a despeito da aplicação de todas as técnicas executivas contidas nos artigos 461 e 461-A do mesmo diploma processual.  Feita a transformação da obrigação específica em obrigação de pagar quantia, após a apuração das perdas e danos, seguir-se-á então o modelo previsto na Lei 11.232/05.

 

Com a finalidade de sistematizar o instituto do cumprimento da sentença, houve necessidade de a lei redefinir determinados outros institutos processuais, como o próprio conceito de sentença, que agora não é mais visto sob o critério topológico (ato do juiz que extingue o processo quando do julgamento do mérito), mas sim ato do juiz que implica uma das situações previstas nos arts. 267 e 269 do CPC.  Vale dizer, tanto poderá ocorrer verdadeira extinção do processo, tal como ocorria anteriormente - quando o juiz estiver diante de uma das hipóteses do artigo 267 do CPC - como apenas pronunciará a resolução do mérito, ou seja, comporá o conflito de interesses, fazendo incidir a regra jurídica aplicável à espécie, declarando, constituindo, condenando ou mandando cumprir (sentenças executivas ou mandamentais).

 

O objeto desse artigo é, exclusivamente, promover uma exegese do artigo 475-J da lei sob enfoque, diante da ausência de maiores esclarecimentos, no texto do dispositivo, sobre o procedimento para intimação do devedor para cumprir o julgado, bem assim como a necessidade, ou não, de prévio requerimento do credor.

 

Basta anotar, à guisa de esclarecimento e dentro de uma visão macro do problema, que o dispositivo estabelece, grosso modo, que o devedor será intimado para cumprir a sentença que o condena ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, no prazo de quinze dias, sob pena de, não o fazendo, ser o montante da obrigação acrescido de 10% a título de multa, que reverterá para o próprio credor.  Se não efetuar o pagamento, além de ter o valor devido acrescido de 10%, será expedido mandado de penhora e avaliação, a requerimento do credor, que observará o disposto no artigo 614-II do CPC, ou seja, haverá de apresentar planilha do valor devido, demonstrando o valor do débito atualizado.

 

O dispositivo passa ao largo, entretanto, do procedimento para a intimação do devedor para cumprimento da sentença, impondo-se, por conseqüência, a respeito dele, algumas reflexões.  Assim, existirá, em primeiro lugar, necessidade de requerimento do credor para ter início o cumprimento da sentença?  Qual será o momento em que poderá ter início esse requerimento para cumprimento?  Como haverá de se proceder à intimação do devedor para cumprir o julgado, através de seu advogado ou pessoalmente? 

 

São, como se infere de plano, questões que irão pontilhar o dia-a-dia do operador do direito, indistintamente, trazendo enormes dificuldades práticas para todos quantos participam da relação processual, como sujeitos especiais ou secundários do processo.

 

Daí porque me proponho, nesse articulado, trazer certas considerações que poderão eventualmente auxiliar a todos quantos militam na área, acrescendo alguns elementos a tudo quanto já expus em livro de minha autoria sobre o tema2.

 

2. Necessidade de requerimento do credor para ter início a fase de cumprimento da sentença

 

O processo civil é fundado no princípio dispositivo, e dele não escapou nem mesmo o novo instituto trazido pela lei 11.232/05.

 

A mera consulta a um vocabulário jurídico indica que os princípios são “normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa. E, assim, princípios revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se fixam para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica. Desse modo, exprimem sentido mais relevante que o da própria norma ou regra jurídica. Mostram-se a própria razão fundamental de ser das coisas jurídicas, convertendo-se em perfeitos axiomas. Princípios jurídicos, sem dúvida, significam os pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito.  Indicam o alicerce do Direito”4. 

 

ANTÔNIO JANYR DALL’AGNOL5 bem demonstra a importância dos princípios quando se estuda o direito, a prelecionar que “o princípio – seja ele qual for – revela a linha de orientação a ser levada em conta pelo intérprete na solução dos casos concretos, e mesmo, em se tratando de princípios processuais, do modo como devem conduzir-se os operadores do processo”.

 

Assim, considerando-se que o artigo 2º do Código de Processo Civil traduz o princípio dispositivo no direito processual pátrio ao estabelecer que “nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado o requerer, nos casos e forma legais”, não existem dúvidas de que se o legislador quisesse que o devedor fosse instado pela simples intimação da sentença, ou do acórdão, para cumprir o julgado – fluindo a partir daí os 15 dias previstos no artigo 475-J – certamente que teria excepcionado a regra, o que aqui não ocorreu.  A linha de orientação a ser levada em conta pelo intérprete, no caso, não pode ser outra que não a de se exigir provocação da parte, porque essa é a regra geral consagrada do referido art. 2º do diploma processual civil brasileiro.

 

Registre-se que toda vez que o legislador nacional pretendeu que o juiz agisse de ofício, assim o fez expressamente. Por exemplo, são matérias que o juiz pode apreciar de ofício(porque já existe uma relação jurídica processual instaurada e em curso), aquelas constantes dos artigos 13, 113, 219, § 5º, 267, § 3º, 295 e 401, § 4º.  São, outrossim, matérias que o juiz pode determinar de ofício (que implica na inexistência de um prévio processo em curso, dando margem à instauração de um), aquelas constantes do artigo 989 (abertura de inventário); 1.129 (exibição de testamento); 1.142 (arrecadação de bens de herança jacente); 1.160 (arrecadação de herança de bens de ausentes); art. 1.113 (alienações judiciais) e, fora do CPC, o art. 878 da CLT (execução trabalhista).

 

Fosse intenção do legislador que editou a Lei 1.132/05 que a fase de cumprimento da sentença pudesse ter início tão-só com o cumpra-se o v. aresto, como defende o ilustre doutrinador Cássio Scarpinella Bueno5, certamente que haveria dispositivo com idêntico sentido no texto da lei e, como afirmei, não há.

 

Ao revés, existe dispositivo que me parece claro demais, a exigir requerimento do credor, como consta do artigo 475-B do CPC, introduzido pela Lei 11.232/05, que assim estabelece:

“ART. 475-B – Quando a determinação do valor da condenação depender apenas de cálculo aritmético, o credor requererá o cumprimento da sentença, na forma do art. 475-J desta lei, instruindo o pedido com a memória discriminada e atualizada do cálculo”.

Essa disposição, segundo penso, não é válida exclusivamente para a segunda parte do artigo 475-J, ou seja, quando estiver já vencido o prazo de reflexão do devedor para cumprimento voluntário da sentença ou do acórdão, já que ali também existe expressa menção à necessidade de um requerimento do credor para expedição de mandado de penhora e avaliação, requerimento esse a ser acompanhado da planilha a que se refere o artigo 614-II, do CPC.  É que o artigo 475-B refere-se ao cumprimento da sentença e este certamente tem início não com o requerimento para expedição de mandado de penhora e avaliação, mas de requerimento do credor demonstrando que pretende dar início à fase de cumprimento, passando a exigir do devedor o valor consignado na sentença, se líquida for, ou o valor resultante do procedimento de liquidação.

 

De mais a mais, a reforçar esse argumento, é de se ver que o artigo 475-0, inciso I, introduzido pela Lei 11.232/05, estabelece que quando for o caso de cabimento da execução provisória da sentença, esta far-se-á por iniciativa, conta e responsabilidade do exeqüente, eliminando toda e qualquer dúvida quanto à necessidade de existir requerimento do credor pleiteando a intimação do devedor para cumprir a sentença, no prazo de 15  dias, para que a multa prevista no artigo 475-J possa incidir. 

 

Embora essa multa seja um acréscimo ao quantum debeatur ex vi legis, consolida-se tão somente com o fato de ser o devedor instado a cumprir o julgado e isso não se dá ex oficio, diante da proibição do artigo 2º do CPC, princípio que deve servir de norte ao aplicador do direito, e sim tão somente mediante iniciativa reservada exclusivamente ao credor.

 

O professor Araken de Assis6 tem ensinamento peculiar e que bem demonstra a necessidade de requerimento, ou provocação do credor para a pretensão de cumprimento da sentença, ao apostrofar, com todo acerto, que “o requerimento da execução provisória constitui uma faculdade do vitorioso para a qual a lei não estabelece termo final. Acresce o culto doutrinador que “segundo o artigo 475-0-I, a execução provisória corre por “iniciativa” do exeqüente. Logo, incumbe ao vitorioso requerer a execução provisória. À diferença do sistema alemão, que admite como regra a execução provisória ex officio, o dispositivo nacional preserva a iniciativa da parte.  E fundado em boas e sólidas razões”.  E, adiante, de forma enfática, sustenta que “não cabe ao órgão judiciário, no direito brasileiro, substituir-se à iniciativa do vitorioso e adotar providências destinadas à realização do crédito”.

 

Assim, não consigo me afastar da idéia de que se a execução é, com efeito, uma faculdade reservada ao credor (tal qual é o próprio direito de ação, muito embora de ação aqui não se trate, mas de providência que irá dar margem ao nascedouro de outros atos processuais subseqüentes), seja essa faculdade substituída por um agir de ofício do juiz do feito.  Fosse intenção do legislador que a faculdade do credor agir fosse substituída pela do Estado-Juiz, certamente que assim teria disposto expressamente, como o fez, por exemplo, o artigo 878 da CLT7.

 

De outro tanto, pode ocorrer de o credor, por qualquer motivo, não querer extrair da sentença os efeitos úteis imediatos, optando por aguardar o trânsito em julgado, ou até mesmo se contente com a simples carga declaratória contida na sentença – de reconhecimento de seu direito – e não queira dar início ao cumprimento da sentença.  Ou ainda, como de igual forma preleciona Araken de Assis, na obra citada, p. 161, “talvez as investigações do exeqüente revelem a tendência de a execução se mostrar infrutífera, em virtude da inexistência de bens penhoráveis, e, nesta contingência, nada pode constrangê-lo a iniciar uma atividade de antemão inútil”.

 

Assim, não me parece que o Código tenha objetivado que houvesse uma intimação imediata para cumprimento da sentença,  com o só fato de ser necessário sua intimação para fins de recurso, no mais das vezes porque o recurso a ser interposto tem efeito suspensivo ou, ainda, a sentença dependerá de liquidação ulterior, o que esvazia os fundamentos de tantos quantos se posicionam no sentido de que a intimação da sentença – feita na pessoa do advogado – dá início ao prazo para cumprimento.

 

Essa idéia não pode prevalecer, com todo o respeito, porque difere substancialmente a intimação da sentença para fins de recurso, o que é uma exigência da lei (v.g.artigos 234 e 506 do CPC), da intimação para cumprimento dela, que é providência que por isso mesmo se situa na esfera do poder de disponibilidade do credor e, portanto, um poder discricionário seu.  Potestatividade haverá apenas e tão somente quando demonstrar que pretende, efetivamente, obter o cumprimento do julgado, com todas as conseqüências daí oriundas.

 

O artigo 235 do CPC estabelece que “as intimações efetuam-se de ofício, em processos pendentes, salvo disposição em contrário”. Ainda que se pudesse considerar a fase de cumprimento da sentença como processo pendente (e penso que não deve ser este o tratamento a ser dado à matéria) em que a intimação seria, então, de ofício, existem duas disposições trazidas pela própria Lei 11.232/05 que contrariam esse sistema, a saber, os já mencionados artigos 475-B e 475-O, inciso I, tornando inaplicável o dispositivo. Se a execução provisória prevista neste último artigo (475-O-I) tem início por conta e iniciativa do credor, não pode ser diferente para fins de execução definitiva, em que a execução haverá de ser feita, de igual forma, por conta, iniciativa e responsabilidade do credor.

 

Basta ver, a confirmar esse raciocínio, que se a pretensão de cumprimento da sentença se passar de ofício, dificilmente poderá ser aplicado o artigo 5748 do CPC e só se poderá tributar o ocasionamento de danos ao devedor ao próprio Estado, o que é um contra-senso.

 

Mas se o cumprimento da sentença se der por iniciativa do credor, como deve ser, é dele a responsabilidade de ressarcimento ao devedor pelos “danos que este sofreu, quando a sentença, passada em julgado, declarar inexistente, no todo ou em parte, a obrigação, que deu lugar à execução”.  

           

E esse dispositivo, é conveniente lembrar, muito embora constante ainda do capítulo relativo às partes, na execução em geral, no livro do processo de execução (Livro II do CPC), não foi revogado, o que faz subsistir a responsabilidade do credor quando der início a uma execução, mesmo de título judicial, que possa vir a ocasionar danos ao devedor.

 

Cito como exemplo de hipótese que assim pode ocorrer aquela em que o processo de conhecimento correu à revelia do verdadeiro obrigado, e o cumprimento se faz em face dele, que não foi chamado para compor a relação processual no processo de conhecimento.  O risco, aí, é todo do credor, e por isso mesmo é sua a faculdade de pôr em marcha o aparato judiciário para compelir terceiro, que não figurou na relação processual jurídica originária no processo de conhecimento a cumprir o julgado, circunstância que poderá trazer a esse terceiro, a quem o processo de conhecimento era até então infenso, dano passível de ser indenizado, pelo simples fato de que estará sofrendo os atos processuais de constrição judicial, muitas vezes com perda da posse do bem penhorado, etc., passível de causar dano a ser indenizado pelo credor. Essa situação, é bom lembrar, legitima inclusive a impugnação de que trata o artigo 475-L, inciso I, introduzido pela própria lei 11.232/05, tratando-se da denominada querella nulitatis insanabilis, que pode não se sujeita inclusive à rescisória (v.g. o artigo 486 do CPC).

 

Outras situações ainda se verificam (por exemplo, artigo 475-L, VI), que podem demandar a necessidade de composição de danos por parte do credor, e por isto mesmo não se concebe que o cumprimento da sentença possa ter início com o simples ato de intimação dela, ainda mais na pessoa de seu advogado, como também já vem sendo ensaiado na doutrina.

                       

Por todas essas considerações é que não vislumbro outra possibilidade que não a de o cumprimento da sentença só poder ser iniciada a requerimento do credor. Pode ser simples petição, mero requerimento, não importa.

           

O que é fundamental é que haja a demonstração da vontade do credor de dar início ao cumprimento da sentença, ainda que de forma provisória (nos casos cabíveis) ou definitiva, depois do trânsito <_st13a_personname w:st="on" productid="em julgado. Não">em julgado. Não pode o juiz atuar de ofício neste momento processual, e muito menos valer a intimação da sentença (ou do próprio acórdão), feita para fins de recurso, como meio hábil para ter início o prazo previsto no artigo 475-J.

 

Embora a lei não mencione, e para que o devedor tome conhecimento expresso de quanto deve e do quanto está sendo compelido a pagar, inclusive para poder efetivamente cumprir o julgado ou insurgir-se contra a pretensão do credor através da impugnação, fundando-se no artigo 475-L, nº V, do CPC, é conveniente que o credor já anexe a esse requerimento ou simples petição, cópia da planilha do valor devido, na forma prevista no artigo 614-II do CPC. 

 

Do contrário, inclusive, causará embaraços e dificuldades para que o devedor possa, efetivamente, cumprir o julgado e, com isto, estará demonstrando o credor sua pretensão de efetivamente receber e não de dificultar o recebimento para ter a multa acrescida ao valor do débito.

 

3. Momento processual adequado para que tenha início a nova fase processual criada pela Lei 11.232/05

 

Fato que reforça o entendimento mostrado no capítulo anterior é o relativo ao momento processual adequado para que tenha início o cumprimento da sentença.

 

É sabido que a sentença comporta recurso de apelação. Se esta for recebida no efeito suspensivo e devolutivo, que é a regra constante do artigo 520 do CPC, não poderá ser ela objeto de cumprimento imediato.

 

Assim, a simples intimação da sentença pelo órgão oficial sobre a procedência do pedido formulado na inicial não pode servir de marco inicial para que o devedor seja instado a cumprir o julgado. Cumpre-se aqui apenas a exigência exarada dos artigos 236 e 506 do CPC, como já acentuei, e a única conseqüência processual aqui é a abertura do prazo para o manejamento do recurso cabível, se a parte o desejar.

 

O simples fato de que é cabível apelação contra a sentença condenatória (ou ainda, em grau superior, os recursos internos no próprio Tribunal ou para os Tribunais Superiores, impedindo o trânsito em julgado) demonstra que a nova fase processual, de cumprimento da sentença, pode ter momento processual diferido para momento futuro e incerto – possivelmente apenas com o trânsito em julgado.

 

Logo, não vejo possibilidade de o devedor ser instado imediatamente ao cumprimento do julgado, tão logo a sentença ou o acórdão sejam prolatados, fato que reforça também o entendimento quanto à atuação ex officio do magistrado, em casos tais, como muitos apregoam.

 

Por isto é que defendo que quando a parte é intimada da sentença (ou acórdão) que a condenou ao pagamento de quantia certa, o que começará a fluir contra ela será o prazo para recurso e não para cumprimento do julgado, até mesmo porque este pode não ser, reafirmo mais uma vez, exeqüível de imediato.

 

Se o devedor deliberar cumprir o julgado, poderá simplesmente comparecer nos autos e depositar o valor devido, seguindo-se decisão sobre a suficiência do valor ofertado, ou insuficiência dele, caso em que a multa incidirá apenas sobre a diferença que for ali declarada.

 

Se, todavia deliberar recorrer, não poderá ter contra si correndo, ao mesmo tempo, o prazo para cumprir, quando tem direito ao recurso, que o ordenamento processual lhe assegura.

 

Daí porque, e sem maior divagação, o momento oportuno para que o devedor seja instado a cumprir o julgado, mediante requerimento puro e simples do credor, é (a) aquele em que a sentença ou acórdão fixe condenação em valor líquido e certo, não sujeito a recurso com efeito suspensivo, e que possa ser executado provisoriamente; (b) seja possível a execução provisória, em face da inexistência de recurso com efeito suspensivo; e (c) em se tratando de sentença ou o acórdão dependente de liquidação por artigos ou arbitramento, apenas depois da decisão que fixar o quantum debeatur, caso em que o recurso não terá efeito suspensivo, porque a lei é taxativa em dizer que nessa hipótese o recurso é o de agravo de instrumento (art. 475-H) a menos que seja conferido o efeito suspensivo previsto nos artigos 527-III e 558, do CPC.

 

4. Necessidade de intimação pessoal do devedor

 

Talvez a principal questão que irá proporcionar enorme divergência na jurisprudência dos Tribunais, até ser pacificada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, será a que está sendo agora tratada neste capítulo.

 

Já existem vozes de nomeada levantando a tese de que a intimação do devedor, para cumprimento da sentença, observados os parâmetros que a meu ver acima descritos se impõem, haverá de ser feita na pessoa do advogado do devedor.

 

Por exemplo, CARREIRA ALVIM9 defende que “se a sentença for líquida, o devedor deverá cumprí-la no prazo de quinze dias – contado também da intimação ao seu advogado – e, caso não o faça, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento, podendo o credor, com o demonstrativo do débito atualizado até a data do requerimento executório, requerer a expedição de mandado de penhora e avaliação”.

 

CÁSSIO SCARPINELLA BUENO10, de igual forma, sustenta que “assim, intimadas as partes, por intermédio de seus advogados, de que o “venerando acórdão” tem condições de ser cumprido, está formalmente aberto o prazo de 15 dias para que o “venerando acórdão” seja cumprido”.

 

GUILHERMO RIZZO AMARAL12 é outro emérito doutrinador que caminha no mesmo sentido, ao prelecionar, em análise ao artigo 475-J, que “o dispositivo também não indica a necessidade de intimação específica para cumprimento voluntário da sentença, fazendo referência apenas à “condenação” do devedor e seu eventual descumprimento. Todavia, uma vez transitada em julgado a sentença (ou acórdão), cremos ser desnecessária a intimação do devedor para cumprí-la, bastando a simples ocorrência do trânsito em julgado para que se inicie o prazo de 15 (quinze) dias para o cumprimento voluntário.

           

Os notáveis professores NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY12, à sua vez, não manifestam posicionamento diferente ao apostrofarem que “o devedor deve ser intimado para que, no prazo de quinze dias a contar d efetiva intimação, cumpra o julgado e efetue o pagamento da quantia devida. A intimação do devedor deve ser feita na pessoa de seu advogado, que é o modo determinado pela Reforma da L 11232/05 para a comunicação do devedor na liquidação da sentença e na execução para cumprimento da sentença”.

 

Divergindo, contudo da douta maioria, afirmei, em obra da minha autoria, antes mencionada, que essa intimação do devedor só pode ser a pessoal, não sendo possível que recaia na pessoa de seu advogado, “porque essa prerrogativa está reservada para o momento procedimental imediatamente seguinte, qual seja, aquela prevista no § 1º do artigo 475-J.

 

E concluí ainda, que “fundo minhas razões no argumento de que a intimação que se faz neste momento do processo é para obter um ato voluntário do devedor de disposição patrimonial, ou seja, de pagamento, de cumprimento da obrigação. Trata-se de uma providência processual que tem implicações no campo do direito material, qual seja, o cumprimento da obrigação. E essa espécie de intimação, pelas conseqüências no campo do direito material, não pode ficar à mercê da intimação do advogado, carreando-lhe inclusive uma pesada responsabilidade no plano profissional caso deixe de comunicar seu constituinte, por qualquer motivo. Imaginem a situação em que o advogado já teve dificuldades de comunicar ao seu cliente que sucumbiu na ação e, ainda, que está sendo instado para imediato cumprimento do julgado!!”13. 

 

Todos quantos até aqui escreveram sobre esse tema específico não se preocuparam ou não se detiveram em examinar aspectos importantes da problemática, em especial aqueles relativos à extensão dos poderes conferidos ao advogado através do mandato.  De outro lado, não se preocuparam, ainda, em fazer uma exegese adequada do artigo 475-J, com todo o respeito, que, se feita, leva a uma conclusão diametralmente oposta.

 

No plano exegético do artigo 475-J, pura e simplesmente, não há qualquer dificuldade em concluir que a intimação de que trata o artigo 475-J, em sua primeira parte, só pode ser pessoal e dirigida diretamente ao devedor.

 

Para melhor compreensão, colaciono o dispositivo sob enfoque, que tem a seguinte redação:

“ART. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.

 

§ 1º. Do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237) ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze dias”.

Os demais parágrafos do mesmo dispositivo não interessam ao objeto deste estudo, e por isto deixam de ser transcritos.

 

Antes de prosseguir na análise do tema, apenas acrescento que comungo do pensamento dos mesmos autores, antes mencionados, quando doutrinam que a multa de 10% é ex vi legis, no sentido de que uma vez fluído o prazo para pagamento, a multa incide de forma automática. 

 

Todavia, uma realidade é a multa incidir automaticamente findo o prazo previsto em lei e mantida a inércia do devedor, e outra realidade completamente distinta é a forma pela qual o devedor deve ser instado a cumprir o julgado, não me parecendo aqui que a lei tivesse reservado a possibilidade de que essa intimação ocorresse ao mesmo tempo em que se verificasse, também, a intimação da própria sentença ou do acórdão exeqüendo, por todos os fatos já anteriormente expendidos neste articulado.

 

Ora, quando a lei quis que a intimação ocorresse na pessoa do advogado, assim dispôs expressamente, como está dito claramente no § 1º do artigo 475-J, retro transcrito. Ou seja, a lei deixou claro e in claris cessat interpretatio que após ter sido expedido e cumprido o mandado de penhora e avaliação, na forma do caput, abrir-se-á o prazo de 15 dias para que ocorra o oferecimento da impugnação, intimação essa que, esta sim, pela sua natureza eminentemente processual, deve ser mesmo procedida na pessoa do advogado, o que já não é infenso ao nosso sistema.

 

Veja-se que quando a lei dispôs sobre a prática de um ato estritamente processual, como é o caso de oferecimento da impugnação, a intimação recairia na pessoa do advogado.  Todavia, a lei silenciou-se quanto à intimação para cumprimento da sentença, nenhuma referência fazendo quanto a ter de se realizar na pessoa do advogado, estando-se aí diante de um silêncio eloqüente, que não admite qualquer forma de interpretação extensiva, notadamente pela imbricação que tal espécie de intimação redunda na esfera patrimonial do devedor e que, no caso, é o acréscimo de uma multa de 10% sobre o valor devido, multa essa que em inúmeras situações pode ser de valor altíssimo, a depender do valor da própria condenação.

 

Outrossim, deve existir um tratamento diferente, em face até mesmo do silêncio da lei, no caput do artigo 475-J, no que se refere à intimação da sentença, que deve receber tratamento diferenciado para a hipótese de comunicação do ato processual sentencial, o que se faz para fins de recurso e que recai, assim, na pessoa do advogado, em face de outra hipótese – esta prevista no dispositivo sob enfoque – de ser o devedor instado a cumprir o julgado, o que pode ocorrer – e normalmente ocorrerá – em momento processual distinto, a depender de diversos fatores, como a liquidez da obrigação, a inexistência de recurso com efeito suspensivo, a faculdade do credor de pretender executar provisoriamente o julgado, o próprio trânsito em julgado, a responsabilidade pessoal do credor exeqüente em face dos atos de execução praticados (art. 574), como já exposto nos capítulos precedentes.

 

Saindo do plano meramente exegético do artigo 475-J, existe um outro fator fundamental e que merece reflexão mais aprofundada da doutrina,  a saber, a extensão dos poderes contidos no mandato que a parte outorga ao seu advogado.

 

Esse mandato – salvo se contiver cláusula especial em tal sentido – é para o foro em geral e para a prática de atos processuais em geral, como é o caso da oferta da impugnação (daí porque é legítima a disposição da lei de que a intimação prevista no § 1º do art. 475-J recaia mesmo na pessoa do advogado).

 

O artigo 38 do Código de Processo Civil estabelece que “a procuração geral para o foro, conferida por instrumento público, ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, salvo para receber citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre que se funda a ação, receber, dar quitação e firmar compromisso”.  Essa regra vem reafirmada no artigo 5º, § 2º, da Lei 8.906, de 4.7.94 – Estatuto do Advogado – que estabelece que “a procuração para o foro em geral habilita o advogado a praticar todos os atos judiciais, em qualquer juízo ou instância, salvo os que exijam poderes especiais”.  

 

Ora, a procuração geral para o foro, então, habilita o advogado tão-somente a praticar os atos do processo, como são os atos destinados a ofertar impugnação à contestação, impugnar o rol de testemunhas, recorrer, contra-arrazoar e, agora, oferecer impugnação à pretensão de cumprimento da sentença (art. 475-J, § 1º).  Não pode haver extravasamento dos limites impostos na lei processual para permitir a intimação do advogado sobre a pretensão do credor de querer dar início à pretensão executiva (vedado que está ao juiz agir ex officio, como se viu também acima), porque essa intimação, se feita, redundará na possibilidade de acréscimo patrimonial sobre o valor devido, como se fora um sobre acréscimo ao valor da condenação, sem que o advogado tenha poderes para tanto.  A lei, claramente, não lhe confere tal prerrogativa e, por isto, não pode haver qualquer interpretação extensiva diante do silêncio eloqüente do caput do artigo 475-J do CPC.  E essa questão me parece fundamental.

 

Penso ainda que a se permitir a intimação da parte vencida, na pessoa de seu advogado, será dispensar poderes especiais que a lei exige constem da procuração, como é o caso, por exemplo, a confissão ou reconhecimento da procedência do pedido ou mesmo a própria renúncia ao direito sobre que se funda a ação.  Se para tais atos, que deságuam na responsabilidade patrimonial do outorgante, o artigo 38 do CPC exigiu poderes especiais, tal não pode ser aqui diferente, sob pena de quebra do sistema.  Doravante, apenas se do instrumento de mandato constar poderes especiais para o advogado receber a intimação para cumprimento da sentença, na forma do artigo 475-J, é que poderá ocorrer a intimação na pessoa do advogado.  Do contrário, essa intimação haverá de ser pessoal do próprio vencido, notadamente porque o vencido poderá não ser, na ação, necessariamente o réu, mas o próprio autor, diante da improcedência do pedido (caso em que arcará com as verbas da sucumbência), da reconvenção, da declaração incidental, etc.

 

Os próprios professores NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, ao comentarem o artigo 38 do Código de Processo Civil, na mesma obra antes mencionada, p. 212, salientam que “para praticar os atos mencionados na segunda parte da norma comentada, o advogado necessita de poderes especiais, pois não basta os da cláusula ad judicia. Como importa em restrição de direito, o rol dessas exceções é taxativo (numerus clausus), não comportando ampliação.  Toda norma restritiva de direitos interpreta-se de modo estrito.  Não se pode interpretar ampliativamente norma que restringe direitos, como é o caso do CPC 38.  Para a prática de qualquer ato de disposição de direito (renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação, reconhecer juridicamente o pedido, confessar, transigir, receber citação, desistir da ação, desistir do recurso interposto etc.), o advogado precisa estar munido de poderes especiais, além daqueles constantes da cláusula ad judicia”.

 

É induvidoso que a norma constante do artigo 475-J, por impor o acréscimo de uma multa sobre o próprio valor da condenação, ou seja, ampliando o valor do débito fixado em sentença, a ser cumprido pelo próprio devedor, com bens de sua propriedade (e não os do advogado, é óbvio), é norma que implica em restrição de direitos, direitos do vencido na ação de conhecimento e que por isso mesmo necessita de poderes especiais ao seu advogado para que possa ser em seu nome intimado.  Do contrário, reafirmo mais uma vez, essa intimação deve ser pessoal, e não existe outra forma para que a vontade da lei seja cumprida. 

 

Ressalto que muito embora a intimação a que se refere o artigo 475-J não seja citação, em face das profundas modificações trazidas pela Lei 11.232/05 ao sistema processual, com a criação de fases processuais distintas em uma mesma base procedimental, que terá continuidade após a sentença do processo de conhecimento, agora para obter cumprimento do julgado, trata-se de ato que em tudo se equipara à citação.  Apenas não o é no nomem juris, mas com conseqüências processuais no campo do direito material, porque irá permitir-se, a partir daí, ferir o patrimônio do devedor para comportar-se tal como o título executivo judicial determina que se comporte.  Se de um lado não há mais citação para pagamento em 24 horas e nomeação de bens, tem-se, de outro lado, a possibilidade de expressivo aumento no valor devido, ao qual não deve estar infenso o devedor, pessoalmente, que haverá de ser por isso pessoalmente instado a cumprir o julgado, sabedor de que se assim não o fizer, sofrerá de forma automática a sanção imposta na lei.

 

Por isso haverá de ser intimado pessoalmente para que tenha início um período de reflexão quanto a cumprir o julgado ou permanecer no estado de resistência, ofertando a impugnação de que trata o artigo 475-L, e apenas ele, pessoalmente, haverá de refletir sobre as conseqüências de manter-se resistente, e não através de seu advogado, que para tanto não recebeu poderes, que haverão de ser, como penso, especiais.

 

Outrossim, não se está aqui diante do que a doutrina denomina da existência de poderes deduzidos no mandato, qual seja, na explicação de Planiol, lembrada por DE PLÁCIDO E SILVA14, “um ato não previsto na procuração pode, no entanto, ser reputado como compreendido nela, desde que se mostre a conseqüência necessária de um poder dado ao mandatário. ...O Poder deduzido é um poder conseqüente e resultante do poder conferido ou do expresso no mandato. Deve, por isso, a dedução estar em harmonia ou se deve ater às expressões dos próprios poderes declarados, pois que deles não se pode afastar. O poder deduzido, portanto, é o poder que decorre da própria autoridade do poder conferido, ou que dele se infere, pelo qual se autoriza o mandatário a praticar todo ato conseqüente do poder declarado ou que se mostre necessário para o fiel desempenho do próprio mister contido no mandato”.

 

Poder deduzido da procuração ad judicia é, como já afirmei anteriormente, o de contraditar as testemunhas, o de ofertar impugnação à contestação, o de se manifestar sobre documentos juntados, o de recorrer das decisões interlocutórias ou da própria sentença, ou ainda do acórdão, o de apresentar memoriais, fazer debates orais, enfim, conseqüências naturais da capacidade postulatória que se outorga ao advogado, que atua amplamente no processo para representar processualmente o seu constituinte e a respeito dos quais não necessita de poderes especiais.  Jamais, contudo, para representar o constituinte quanto a ser instado, através de sua pessoa, para cumprir o ato sentencial, sob a sanção da multa que se opera de forma automática vencido o prazo, com aumento da responsabilidade obrigacional e patrimonial do mandante e não do mandatário.

 

Daí porque conclui o mesmo DE PLÁCIDO E SILVA que mesmo em face do poder deduzido “o poder para a prática de certo ato não compreende a prática de outro, desde que este não se encontre compreendido no poder conferido ou não se apresente conseqüente do mesmo”.

 

Nada indica na reforma processual – embora marcada nitidamente pela característica de emprestar efetividade à fase de execução da sentença – que a intimação do vencido, na pessoa do advogado, seja poder conseqüente contido dos termos gerais da cláusula ad judicia, para em nome dele refletir sobre a possibilidade de cumprir o julgado e, pior, adotar as medidas necessárias para efetivamente cumprir o decisum, que se refere à obtenção de dinheiro para pagamento no prazo da lei, nem sempre disponível de imediato, dependendo, no mais das vezes, da adoção de certas medidas de empréstimo ou de disposição patrimonial que apenas o vencido, parte na ação, deverá empreender.

 

Some-se a isso as dificuldades inerentes ao atendimento de tal desiderato (que, friso, não está na lei e nem dela decorre), quais sejam, o contato com o constituinte para comunicação da intimação e da fluência do prazo, que pode ocorrer passados já muitos dias ou até mesmo depois do vencimento ou escoamento de todo prazo conferido por lei, sem que a parte tivesse, efetivamente, ciência de que chegou o momento processual de cumprir o julgado.  E esse momento processual, reafirmo aqui mais uma vez, não nasce com a sentença, mas de quando tornar-se ela apta a produzir efeitos naturais, que se dá em momento distinto da própria intimação para recurso puro e simples da decisão condenatória.

 

Sendo a obrigação do advogado mandatário, portanto, apenas de natureza estritamente processual, sem qualquer reflexo no campo do direito material do mandante, e pelas próprias conseqüências que podem advir para o devedor – a multa prevista no artigo 475-J, caput – a intimação a que se refere esse dispositivo só poderá ser a pessoal, por mandado, carta precatória, carta rogatória, ou mesmo pelo correio (modalidade preferível), por aplicação analógica e subsidiária do artigo 238 do CPC (permitido pelas disposições dos artigos 475-R e 598 do mesmo codex), ou até mesmo por edital, se for desconhecido, incerto ou ignorado o local onde reside.

 

A dúvida final que poderá surgir será o eventual entendimento direcionado no sentido que essa intimação seja feita preferencialmente por mandado, diante do que consta no artigo 222, “d”, do CPC.

 

Não se trata, à toda evidência, de ato citatório, mas a ele equiparado quanto aos seus efeitos, da citação que anteriormente se procedia na execução, de sorte que se o juiz entender que a intimação do vencido haverá de ser feita por mandado, assim poderá agir, embora penso que com excesso de zelo, já que o artigo 475-J trata de intimação e o artigo 238 do CPC disciplina, exatamente, a forma como deve ser feita a intimação pessoal, a saber, preferencialmente pelo correio.

           

Recomenda a prudência que essa intimação pessoal do vencido, se feita pelo correio, se dê com aviso de recebimento, e que cópia do ofício fique nos autos, certificada pelo escrivão.  Esse ofício deverá conter os elementos da ação, o nome das partes, o número do processo, o valor da obrigação a ser cumprida (a ser apresentada pelo credor na forma do artigo 614-II do CPC) e, principalmente, dois outros elementos importantes, sob pena de nulidade do ato: a menção ao prazo de quinze dias para cumprimento voluntário da obrigação, mediante pagamento do valor devido e, notadamente, a conseqüência jurídica se houver recusa no cumprimento da sentença, qual seja, a aplicação da multa de 10% sobre o valor devido, a partir daí.

 

A outra dúvida que me parece razoável é se o aviso de recebimento haverá de ser assinado pelo próprio devedor, ou se será válida quando for assinado por outrem, que não o devedor, no endereço constante dos autos como sendo o da sua residência, para onde a correspondência haverá de ser endereçada.

 

Em se tratando de pessoa jurídica, prevalece a teoria da aparência, valendo a intimação se o AR for assinado por pessoa que tenha poderes de representação da empresa, como o gerente, o diretor, etc.

 

Todavia, se for pessoa física, não bastará, a meu ver, a intimação dirigida ao endereço do devedor, sendo ali simplesmente entregue.  Será necessário que o devedor, do próprio punho, subscreva o aviso de recebimento.  Se houver recusa, certificada pelos Correios, o ato será válido e terá atingido ao seu fim, porque o devedor não pode ser prestigiado em decorrência de sua própria torpeza.

 

Se for desconhecido no local, e não fez a comunicação da mudança do endereço em juízo, reputo que será válida a intimação dirigida para o endereço informado nos autos, aplicando-se aqui, de forma subsidiária, a norma contida no artigo 39, inciso II, parágrafo único, parte final, do CPC.

 

5. Conclusões

 

Procedidas estas considerações, a guisa de conclusão pode-se afirmar:

 

a) – existe necessidade de requerimento do credor para ter início a fase de cumprimento da sentença, requerimento esse que pode ser simples petição.

 

Embora a lei não mencione, e para que o devedor tome conhecimento expresso de quanto deve e do quanto está sendo compelido a pagar,  inclusive para poder efetivamente cumprir o julgado ou insurgir-se contra a pretensão do credor através da impugnação, fundando-se no artigo 475-L, nº V, do CPC, é conveniente que o credor já anexe a esse requerimento ou simples petição, cópia da planilha do valor devido, na forma prevista no artigo 614-II do CPC.  Do contrário, inclusive, causará embaraços e dificuldades para que o devedor possa, efetivamente, cumprir o julgado e, com isto, estará demonstrando o credor sua pretensão de efetivamente receber e não de dificultar o recebimento para ter a multa acrescida ao valor do débito.

 

Posteriormente, se o devedor não cumprir o julgado, apresentará nova planilha, agora atualizada e com o acréscimo da multa de 10% que passa a ser automaticamente devida, indicando bens à penhora.

 

Esse requerimento deverá ser formulado pelo credor, por ser uma faculdade sua e em atenção ao princípio dispositivo, vedado que está ao juiz, no caso, agir de ofício. O requerimento deverá existir, outrossim, como decorrência da incidência das disposições contidas nos artigos 475-B e 475-O, inciso I, introduzidos pela própria lei 11.232/05.

 

b) – a pretensão de obter cumprimento da sentença não nasce com a mera intimação do vencido sobre o teor da sentença condenatória, ou do acórdão. Nasce, na realidade, quando o credor puder extrair os efeitos úteis da condenação, o que irá ocorrer provisoriamente, se o recurso não for recebido no efeito suspensivo, ou definitivamente, com o trânsito em julgado da sentença ou acórdão condenatório.

 

A intimação do teor da sentença condenatória, ou do acórdão, esta sim a ser feita na pessoa do advogado do vencido, abre prazo exclusivamente para manejamento do recurso cabível.  Nunca, todavia, de forma automática, para cumprimento da sentença, que pode não ser imediatamente exeqüível, posto estar submetida a recurso com efeito suspensivo, ou for sentença ilíquida, dependendo de prévio acertamento do valor devido, no procedimento de liquidação.

 

c) – a validade dos atos processuais ulteriores à sentença condenatória no processo de conhecimento está condicionada à intimação pessoal do devedor para cumprimento do julgado.

 

Trata-se de ato voluntário do devedor, que irá refletir quanto à conveniência e oportunidade de cumprimento da sentença, e por ser ato processual que implica em restrição ao direito do vencido, com implicações no campo do direito material, a saber, o acréscimo patrimonial da multa de 10% sobre o valor inicial fixado em sentença, não pode ser procedida na pessoa do advogado, mas sim do próprio devedor.

 

Os poderes conferidos no artigo 38 do CPC e 5º, § 2º, da Lei 8.904/94 (clique aqui) – Estatuto do Advogado – habilita o advogado a praticar, tão-somente, os atos do processo, como são os atos destinados a, por exemplo, oferta impugnação à contestação, impugnar o rol de testemunhas, recorrer, contra-arrazoar recurso interposto pela outra parte, ofertar memoriais, debates orais, e ainda oferecer impugnação à pretensão de cumprimento da sentença (art. 475-J, § 1º), dentre outros atos de idêntica carga e natureza.

 

Não abrangem tais poderes, contudo, tampouco são conseqüência natural dos poderes da cláusula ad judicia, a possibilidade de ser feita a intimação para cumprimento da sentença na pessoa do advogado.  Não existe poder deduzido decorrente da procuração quando não está compreendido e nem é conseqüente dos poderes constantes da cláusula geral de foro.

 

O advogado não pode ser intimado em nome de seu constituinte – que inclusive pode ser o próprio autor da ação, vencido, ou vencido em reconvenção – para em nome dele receber o pesado ônus de ter por iniciado um prazo fatal, findo o qual haverá severa restrição patrimonial de seu constituinte, ou seja, com imbricação no campo do direito material, que implica em ato de disposição patrimonial, o que só pode ser suportado, então, pelo próprio vencido, originando-se daí a necessidade de sua intimação pessoal, a qual poderá ser feita, inclusive, pelo correio, mas com aviso de recebimento e entrega em mão própria.

 

São estas, em resumo, as conclusões, esperando que a classe jurídica possa refletir mais demoradamente sobre o tema, com acréscimo de outros adminículos certamente valorosos que poderão contribuir para uma mudança de rumo, sem que haja comprometimento da efetividade tão esperada pelo legislador reformista.

 

A segurança jurídica não pode ser afetada pela tão propalada efetividade processual.  Cabe ao doutrinador buscar a compatibilização do sistema e do binômio segurança-efetividade, até mesmo como conseqüência da aplicação do princípio constitucional da razoabilidade ou da proporcionalidade, estando aqui aberto novo e fértil campo para uma discussão doutrinária que venha trazer frutos para que os desideratos do legislador sejam plenamente atingíveis, que é o que todos, induvidosamente, desejamos.

 

6. Bibliografia

 

AMARAL, Guilherme Rizzo. A Nova Execução. Comentários à Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005. Coordenador Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Editora Forense. Rio de Janeiro. 2006.

 

ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentença, Editora Forense, 2006.

 

BUENO, Cássio Scarpinella. A Nova Etapa da Reforma do Código de Processo Civil. Volume 1, Editora Saraiva, SP, Edição de 2006.

 

CARREIRA ALVIM, J. E. Alterações do Código de Processo Civil. Editora Ímpetus. Rio de Janeiro. 2ª. edição,  2006.

 

_______________ e Luciana Gontijo Carreira Alvim Cabral.  Cumprimento da Sentença. Editora Juruá. 2006.

 

CAMPO, Hélio Marçal. O princípio dispositivo em direito probatório.  Editora Livraria do Advogado. Porto Alegre, 1994.

 

NEGRÃO, Theotônio e José Roberto F. Gouvêa, Código de Processo Civil e legislação processual Civil em vigor, 38ª. ed., 2006, Editora Saraiva.

 

PAVAN, Dorival Renato. Comentários às Leis nºs 11.187 e 11.232, de 2005. O novo regime do agravo. O cumprimento da sentença e a lei processual civil no tempo.  Editora Pillares, 2006, São Paulo.

 

SANTOS, Ernani Fidélis. As Reformas de 2005 do Código de Processo Civil. Execução dos Títulos Judiciais e agravo de instrumento. Editora Saraiva, São Paulo, 2006.

 

SILVA, De Plácido e.  Tratado do mandato e prática das procurações. Editora Forense, Rio de Janeiro, 3ª. ed., 1963. Vol. I.

______________________

 

1Sincretismo quer dizer a acomodação ou convivência de realidades diferentes e que, no caso, são a convivência, em um só processo, dos processos de conhecimento e execução, de realidades completamente distintas.

 

2“Comentários às Leis nºs 11.187 e 11.232, de 2005, O Novo Regime do Agravo. O Cumprimento da Sentença e a Lei Processual Civil no Tempo”, Editora Pillares, São Paulo, 2006.

 

3Vocabulário Jurídico, De Plácido e Silva, atualizadores Nagib Slaib Filho e Gláucia Carvalho, Editora Forense, 24ª. Ed., 2004, p. 1095, no verbete “Princípios”.

 

4O Princípio Dispositivo no Pensamento de Mauro Cappelletti. Ajuris. Porto Alegre, XVI, n. 46, julho de 1989, apud Hélio Márcio Campos, O Princípio Dispositivo <_st13a_personname w:st="on" productid="em Direito Probatório">em Direito Probatório, Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre, 1994, p. 65.

 

5A Nova Etapa da Reforma do Código de Processo Civil. Comentários sistemáticos às Leis n. 11.187, de 19.10.2005, e 11.232, de 22.12.2005, Editora Saraiva, volume 1, 2006, p. 78.  O douto professor ali sustenta que “intimadas as partes, por intermédio de seus advogados, de que o “venerando acórdão” tem condições de ser cumprido, está formalmente aberto o prazo de 15 dias para que o “venerando acórdão” seja cumprido”.

 

6Cumprimento da Sentença.  Editora Forense. Rio de Janeiro. 2006, p. 161/162

 

7Artigo 878 da CLT: “A execução poderá ser promovida por qualquer interessado, ou ex officio, pelo próprio juiz ou presidente ou tribunal competente, nos termos do artigo anterior”.

 

8ART. 574. O credor ressarcirá ao devedor os danos que este sofreu, quando a sentença, passada em julgado, declarar inexistente, no todo ou em parte, a obrigação, que deu lugar à execução”.

 

19Alterações do Código de Processo Civil, Editora Ímpetus, 2ª. ed., Rio de Janeiro, 2006, p. 175.  O mesmo posicionamento foi por ele defendido na obra “Cumprimento da Sentença”, Comentários à nova execução da sentença e outras alterações introduzidas no Código de Processo Civil, Editora Juruá, 2006, Curitiba, p. 67.

 

10Cássio Scarpinella Bueno, ob. cit., p. 78.

 

11“A Nova Execução”, Comentários à Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005, colaborador que escreveu sobre a coordenação de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2006, p. 112.

 

12Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo,2006, p. 641.

 

13Dorival Renato Pavan, ob. cit., p. 132/133.

 

14Tratado do Mandato e Prática das Procurações, Editora Forense, Rio de Janeiro, 3ª. ed., 1963, vol. I, p. 363/367.

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*Juiz de Direito do Estado de Mato Grosso do Sul há 21 anos. É professor de Direito Processual Civil na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e na Fundação Escola Superior do Ministério Público daquele Estado.  Atualmente é Juiz Auxiliar da Vice-Presidência do Tribunal de Justiça Sul-Mato-grossense, cujo órgão é o encarregado de fazer o juízo de admissibilidade dos recursos extraordinário e especial. 

 





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