Tanto a doutrina quanto a jurisprudência não discutem a importância de se possibilitar ao Executado outras formas de garantia do crédito da Fazenda Pública, para que este tenha assegurado o seu direito de discutir, judicialmente, a certeza e a liquidez do título executivo.
O Código de Processo Civil de 1973 apenas admitiu, expressamente, a possibilidade de se substituir a penhora por seguro garantia após a inclusão do § 2º, art. 656 da lei 11.382/06. Esta posição foi mantida no Novo Código de Processo Civil e incluída, expressamente, na lei de execução fiscal – LEF (lei 6.830/80), alterada pela lei 13.043/14.
Entretanto, a figura do seguro garantia ganha maior relevância, na Execução Fiscal, em razão da garantia integral do débito ser um dos requisitos de admissibilidade dos Embargos à Execução, conforme determinação expressa do § 1º, do art. 16, deste diploma legal.
Noutras palavras, os princípios da ampla defesa, do contraditório e da inafastabilidade da jurisdição são limitados pela Lei, que obriga o executado a garantir, integralmente, o Juízo, para que possa discutir a legalidade do título executivo.
Apesar da presunção geral de que as Execuções Fiscais são ajuizadas apenas contra grandes sociedades empresárias, a verdade é que aproximadamente 1/4 destas execuções foram ajuizadas em 2010 contra pessoas físicas, conforme dados da "Justiça em Números" daquele ano.
Neste sentido, a exigência de garantia integral do débito fazia com que o direito da parte executada fosse suprimido, em caso de ausência de poderio financeiro. Impende repisar ser direito de qualquer parte, ao sentir ter seu direito violado, a busca pelo auxílio do Poder Judiciário.
Logo, a exigência de garantia integral do débito limita o exercício de um direito constitucional, causando graves prejuízos àquele que teve contra si a lavratura de um título executivo.
Feito este breve esclarecimento, destaca-se o prejuízo causado aos executados nas hipóteses em que o débito executado advém de multa administrativa por suposto descumprimento de normas regulamentares editadas por Agências Reguladoras, como, por exemplo, no caso da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
As multas aplicadas pela ANS encontram-se previstas, em sua maioria, na resolução normativa de 124/06, e possuem valores elevadíssimos, podendo ser aplicadas desde uma negativa de cobertura até eventual irregularidade em informações contábeis.
Nesta toada, imagine-se um caso em que a ANS conclui, equivocadamente, que determinada Operadora de Planos de Saúde - OPS tenha recusado cobertura prevista na legislação à um beneficiário. Nesta situação, o art. 77 da supracitada RN prevê a aplicação de multa no valor de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).
Se para este exemplo a OPS é uma das líderes do mercado, e não for verificado atenuante ou agravante, o valor cobrado ao fim pela ANS será de R$ 80.000,00 (!!!). Salienta-se que esta multa pode ser aplicada para a recusa de qualquer acesso ou procedimento previsto em lei, inclusive para simples exames laboratoriais.
Ora, considerando que o rol de procedimentos da ANS possui mais de 3 mil técnicas, as dúvidas dos beneficiários acerca da cobertura são comuns e legítimas, sendo direito do consumidor o questionamento perante a ANS se a recusa da OPS é válida.
Tendo as OPS milhares de consumidores e atuando em diversas regiões do país, a quantidade de processos administrativos é elevada, assim como a quantidade de multas aplicadas pela ANS.
Ocorre que, entendendo a OPS ter agido corretamente, possui esta o direito de buscar o auxílio do Judiciário para desconstituir o ato administrativo que dá embasamento ao título executivo. Entretanto, o requisito de admissibilidade dos embargos pode suprimir este direito, na medida em que o Executado se vê obrigado a se descapitalizar para a garantia de seu direito.
Neste cenário, a utilização de carta fiança ou seguro garantia surgiu como alternativa mais benéfica para o executado que possua interesse em discutir a legalidade de determinada exação aplicada.
Conforme já exposto em outro artigo1, a resposta final do poder judiciário leva, em média, 6 (seis) anos para ser proferida. Não há razoabilidade em exigir que o Executado deposite elevada quantia em Juízo, quando a resposta do Judiciário demora 6 (seis) anos para ser proferida e o valor permanecerá "parado" até o trânsito em julgado dos embargos à execução.
No caso em questão, tal situação causa prejuízo ao próprio mercado de saúde suplementar, na medida em que o valor das garantias judiciais poderia estar sendo aplicado em melhorias no atendimento aos beneficiários.
Dessarte, havendo a possibilidade da OPS apresentar uma garantia suficiente, legal e idônea sem precisar abrir mão do valor integral do débito, esta modalidade deve ser garantida pelo próprio Poder Judiciário.
Garantido o crédito fazendário, questiona-se acerca do efeito suspensivo dos Embargos à Execução.
A Lei de Execução Fiscal não prevê, expressamente, a possibilidade de suspensão do curso da execução fiscal, sendo aplicável, subsidiariamente, o Código de Processo Civil - CPC Neste sentido, a Primeira Turma do STJ definiu as condições para que fosse deferido o efeito suspensivo nos Embargos à Execução: a garantia do juízo, o risco de dano irreparável e a fundamentação jurídica relevante.
Pelo exposto, defende-se a regularidade da garantia da execução mediante seguro garantia como forma de proteção do princípio da inafastabilidade da jurisdição. Trazendo o assunto seguro garantia para o objeto deste artigo (anulatória de débito não fiscal), destaca-se certo desconhecimento do mercado acerca da possibilidade de utilização da apólice como forma de garantia do débito em discussão.
Essa dúvida é extremamente pertinente, em razão da LEF também apresentar como requisito de admissibilidade da Ação Anulatória do ato declarativo da dívida o depósito preparatório do valor do débito, monetariamente corrigido e acrescido dos juros e multa de mora e demais encargos (art. 38).
Neste artigo a lei 13.043/14, não incluiu a possibilidade de seguro garantia, razão pela qual a dúvida do mercado é legítima. Contudo, a jurisprudência tem entendido pela aplicação do inciso II, do art. 9º, e do § 2º, do art. 835, do CPC, que equipara o seguro garantia à penhora.
Num outro giro os tribunais têm aplicado, equivocadamente, o entendimento manifestado pelo STJ, ao julgar o recurso repetitivo 1.156.668/DF, em que foi indeferido o pedido de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, por ter o STJ entendido não haver equiparação entre a fiança bancária e o depósito integral do tributo.
De início, o entendimento foi proferido em razão da disposição existente no art. 151, II, do CTN, que prevê apenas como forma de suspensão da exigibilidade do crédito tributário o seu depósito integral.
Com a devida vênia, convém destacar que o CTN não é aplicável às multas administrativas aplicadas por agências reguladoras, uma vez que não são considerados débitos fiscais. Entretanto, ainda que se admita a aplicação do CTN às multas administrativas, merece destaque que a suspensão da exigibilidade do crédito fazendário pode ser proferida em medida liminar ou tutela antecipada, na forma do inciso V, art. 151, do CTN.
Ato contínuo parece carecer de razoabilidade a jurisprudência admitir a suspensão da exigibilidade do débito, em Execução Fiscal, desde que assegurada mediante garantia idônea e suficiente, além de estarem presentes o risco de dano irreparável e a fundamentação jurídica relevante, enquanto que, para o deferimento da suspensão da exigibilidade do débito, em anulatória, admita-se apenas o depósito integral em dinheiro.
Não há prejuízo à Fazenda Pública o deferimento da medida em Ação Anulatória, pois o crédito já se encontra garantido em juízo por apólice expedida por Seguradora regularmente inscrita na SUSEP, não havendo dúvidas de que, em caso de não pagamento pela OPS, após sentença de improcedência definitiva, a Seguradora tem a obrigação de quitar o crédito da fazenda.
O deferimento da suspensão da exigibilidade do débito, nas Ações Anulatórias, estando preenchidos os requisitos da LEF, respeita a lógica dos princípios que norteiam este diploma, como a valoração do crédito público e a primazia do crédito público sobre o privado.
Por fim, a utilização da Ação Anulatória também afasta da figura do executado os efeitos da mora, a inclusão do débito no CADIN e a cobrança judicial dos valores, sendo a segunda de grande prejuízo para as relações comerciais das OPS.
Assim, se o devedor possui o interesse em discutir a cobrança, judicialmente, antecipando-se, inclusive, ao ajuizamento de execução fiscal, apresentando garantia idônea para o débito, parece um contrassenso afastar a suspensão da exigibilidade do débito, possibilitando o ajuizamento de execução fiscal.
Isto porque além de desrespeitar o princípio da celeridade, abarrota ainda mais o Judiciário, permitindo o ajuizamento de demanda de cobrança, para um débito que já se encontra em discussão, perante outro Juízo, e com o valor integral do crédito garantido.
Além disto, a execução fiscal ajuizada permaneceria suspensa, até o trânsito em julgado da anulatória, para posterior levantamento da garantia e pagamento de custas, eis que os honorários advocatícios já foram incluídos na CDA, conforme disposto no decreto-lei 1.025/69, não podendo haver nova condenação neste sentido (súmula 168/TFR).
A Jurisprudência tem reconhecido a legalidade da suspensão da exigibilidade do débito, mediante apólice de seguro garantia:
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO. MULTA ADMINISTRATIVA. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO. SEGURO GARANTIA OFERTADO. CRÉDITO DE NATUREZA NÃO TRIBUTÁRIA. GARANTIA DO JUÍZO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO PROVIDO EM PARTE. (Agravo de Instrumento de nº 0017596-70.2016.4.01.0000, Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Relator: Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, Data da Publicação: 05/09/2016)
Para que se defira a antecipação dos efeitos da tutela de urgência pretendida na inicial, é imprescindível a presença concomitante dos requisitos do art. 300 do CPC/15, quais sejam, a presença de prova inequívoca que evidencie a probabilidade do direito e que haja fundado perigo de dano irreparável, ou de difícil reparação, ou ainda, o risco ao resultado útil do processo.
Reputo presentes os pressupostos para o deferimento da medida vindicada.
Com efeito, a conclusão acerca da procedência dos argumentos declinados na exordial em torno da nulidade da multa aplicada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) demanda exame aprofundado do processo administrativo que teve curso naquela agência, bem assim ampla dilação probatória.
Isto não significa, no entanto, que não se revele razoável o deferimento da tutela de urgência requerida, para que seja ordenado à ré que se abstenha de praticar qualquer ato tendente à execução de sanção pecuniária infligida à autora, mediante a apresentação do Seguro Garantia.
(...) Em sendo assim, malgrado a impossibilidade de aferição da verossimilhança das alegações da autora nesse momento processual, impende se considerar que a eventual inclusão do nome da autora nos registros do Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal, CADIN, pode se consubstanciar em um entrave às atividades empresarias da requerente.
Ante o exposto, defiro a tutela de urgência para determinar que a ANS suspenda os efeitos da decisão administrativa que aplicou sanção à autora – UNIMED SEGUROS SAÚDE S.A., no CNPJ sob o n. 04.487.255/0001-81 –, no bojo do Processo Administrativo n. 25789.075556/2015-55, decorrente da Notificação de Infração n. 03006/2016, emitida em 23/03/2016, bem como se abstenha de inscrever o nome da requerente no CADIN pelo débito ora discutido e não obste a emissão de certidão positiva de débito com efeito de negativa, estritamente em relação ao objeto em discussão nestes autos, até ulterior deliberação deste Juízo. (Processo de nº 0173338-50.2017.4.02.5101, Marcelo Barbi Gonçalves da 6ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, Data da Publicação: 06/10/2017).”
Finalmente, conclui-se que a apólice de seguro garantia é uma forma eficaz e oportuna para o devedor, a fim de que este tenha garantido o seu direito de discutir a legalidade do débito não-fiscal aplicado pelas Agências Reguladoras, sendo esta admitida ainda para deferimento da suspensão da exigibilidade do débito.
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Elias Antônio Leal dos Santos é sócio do escritório Conde & Advogados.