Até que ponto o sobreaviso disciplinado pelo artigo 224, § 2º da CLT seria aplicável aos empregados de hoje, onde as empresas e o mundo são “atropelados” pela modernidade tecnológica advinda dos aparelhos de comunicação?
Flávio Pires*
A Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, oriunda do Decreto-Lei nº 5.452 (clique aqui) de 1º de maio de 1943, foi promulgada pelo Governo de Getúlio Vargas numa época onde a tecnologia começava a ser descoberta. O dispositivo legal que trataremos neste artigo foi introduzido ao texto
Assim, através do Decreto-Lei nº 6.353 (clique aqui) de 20 de março de 1944 foi introduzido à CLT o artigo 244, que diz o seguinte, em textual:
“As estradas de ferro poderão ter empregados extramunerários, de sobreaviso e de prontidão, para executarem serviços imprevistos ou para substituições de outros empregados que faltem à escala organizada.” (Grifo Nosso)
Ateremos-nos no presente artigo a discorrer acerca do sobreaviso, este expressamente previsto no § 2º do caput do artigo acima transcrito, pois o tema é de bastante relevância e controvertido em nossa jurisprudência, ainda mais quando estamos diante da alternância tecnológica dos dias atuais, o que define um divisor para interpretação do referido § 2º do artigo 244 da CLT, abaixo transcrito, verbis:
“§ 2º - Considera-se de “sobreaviso” o empregado efetivo que permanecer em sua própria casa, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço. Cada escala de “sobreaviso” será, no máximo, de vinte e quatro horas. As horas de “sobreaviso”, para todos os efeitos, serão contadas à razão de 1/3 (um terço) do salário mensal.”
Neste contexto, é imperioso distinguir que o artigo 244 da CLT foi editado exclusivamente para os ferroviários, pois, como dito acima, naquela época os meios de comunicação eram escassos, portanto, se justificava o fato do empregador ter pessoal em reserva para qualquer imprevisto, visto que o trem era meio de transporte coletivo.
Assim, a real intenção do legislador ordinário foi propiciar que aquele antigo empregador pudesse dispor de empregados à sua disposição na própria ferrovia por 24 horas, impossibilitando-os de qualquer locomoção, pois deveriam aguardar serem convocados a qualquer tempo através dos telégrafos, com escopo de atenderem necessidades emergenciais. Em contrapartida, seriam beneficiados pelo recebimento de horas de sobreaviso à razão de 1/3 do salário normal.
Com a dinâmica diária das relações jurídicas de trabalho acabou-se por estender o beneficio do sobreaviso para as demais categorias profissionais, definindo a Jurisprudência que àqueles que ficam a disposição do empregador e privados de sua locomoção teriam direito a receber as horas de sobreaviso.
Contudo, a problemática que nos defrontamos nos atuais dias é discernimos até que ponto o empregado equipado dos mais modernos meios de comunicação efetivamente estaria à disposição do empregador ou ainda privado de sua locomoção e consequentemente faria jus ou não ao recebimento da hora de sobreaviso.
Cabe aqui a seguinte pergunta: Empregados que após cumprirem sua regular jornada de trabalho diária e que possuam bip, aparelho celular, rádio, pager, leptop, palm-top, messenger e mantenham contato com seu empregador continuariam à sua disposição? Teriam direito a hora de sobreaviso?
De pronto, cabe-nos destacar que a Orientação Jurisprudencial nº 49 da SDI-1 do C. TST, abaixo transcrita, nos dá um indicativo da pretensão exaurida daquela Corte Maior, contudo, não é suficientemente taxativa a impedir interpretações diversas, em textual:
Orientação nº 49 da SDI-1 do C. TST:
“Horas Extras. Uso de bip. Não caracterizado o “sobreaviso””. (Grifo Nosso)
Assim, transportando para os dias de hoje o dispositivo legal em comento, repita-se, editado na década de 40, parece-nos cristalino que para a caracterização de sobreaviso é imprescindível que o empregado fique impossibilitado de sua locomoção e em casa (não em outro lugar), sendo este o fio condutor para o deferimento ou não do direito a jornada de sobreaviso.
Ora, com a modernidade tecnológica que nos invade dia-a-dia, torna-se claro que aquele empregado que possui um rádio, ou um aparelho celular, ou um leptop e se comunica de qualquer lugar com seu empregador, fora do horário de trabalho, não estaria à sua disposição, eis que sua capacidade de ir e vir não ficaria prejudicada, portanto, não fazendo jus a percepção de horas de sobreaviso.
Em contrapartida, aquele empregado que após sua jornada de trabalho desloca-se para sua residência e lá permanece à disposição do empregador, ficando impedido de assumir compromissos particulares, perdendo sua capacidade de ir e vir teria direito ao recebimento de horas de sobreaviso, eis que caracterizada à perda de sua locomoção.
Assim, resumidamente, constatamos do tema em análise que o fator determinante a ser enfrentado diariamente pelo operador do Direito será confrontar o caso concreto com o referido dispositivo legal, atentando sempre para os modernos meios de comunicação que nos são ofertados dia-a-dia.
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*Advogado do escritório Siqueira Castro Advogados
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