I. Introdução
Quem labora no contencioso cível, não raro, observa que o atual código de processo civil trouxe uma excelente dinâmica ao cerne do litígio, justamente ao otimizar o tempo de duração do processo, buscar a transação em diversos momentos, bem como, flexibilidade no rito procedimental, fato que por si só gera economia processual e a busca da real e efetiva aplicação do direito, o que nós operadores do direito sempre buscamos. Ademais, outros exemplos podem ser trazidos quanto a inovação, ao justamente abordarmos processo eletrônico, carga dinâmica de provas e daí por diante.
Hoje, avalio que podemos tecer diversos elogios a doutrina processual, em que pese a lentidão observada em alguns momentos no Poder Judiciário, seja por déficit de profissionais ou, ainda, problemas estruturais em sentido lato. O ponto positivo é que, com o advento da forte fiscalização do CNJ – Conselho Nacional de Justiça, estamos observando uma revolução no dito poder, inclusive, na rapidez de atendimento aos consulentes.
Fato é que, com o advento do novo código e no mesmo sentido, notamos que algumas premissas do passado foram superadas (o que é positivo), como a não possibilidade até então do magistrado "interferir" no processo (atuava sempre na figura de neutralidade), o que é questionável ante real necessidade do mesmo provocar as partes e pontos controversos, justamente para seu esclarecimento e melhor definição judicial (sentença e demais decisões judiciais diversas). Sempre elencamos que o magistrado pode e deve ter uma postura ativa na solução do conflito, respeitando os limites impostos seja pela lei orgânica da magistratura, Código de Processo Civil e Constituição Federal. O magistrado não deve ser o protagonista da relação processual, mas tem por função buscar o melhor direito ao caso trazido a sua baila.
Não obstante, é permitido pela legislação processual doravante vigente que as partes possam estabelecer critérios ativos (ainda em fase administrativa / celebração do instrumento contratual) para eventual trâmite processual e seu respectivo desenrolar, o que traz uma responsabilidade a todos os envolvidos, bem como, ao respeitado Poder Judiciário, que deve atuar como fiscal efetivo e regulador do conteúdo transacionado eventualmente pelas partes e, levado ao judiciário para definição. Certos ditames podem ser transacionados no cerne processual, o que é positivo.
Esperamos do Judiciário no século XXI uma postura ativa, isto é, que force positivamente as partes e sociedade a promoverem a autocomposição, resolvendo os imbróglios com celeridade e qualidade. Via de regra, uma sociedade com menos ações judiciais, é uma sociedade com mais resoluções administrativas e equilíbrio. Para tanto, é necessário que o próprio judiciário seja maleável e forneça condições para as partes percorrerem o caminho processual desejado e que seja mais rápido ou assertivo, relativizando o feito, bem como, atuando na condição de fiscal da lei. Nem sempre um Judiciário atuante ao extremo é sinônimo de uma sociedade bem desenvolvida, carecendo de avaliar cada caso.
Em tal seara, trataremos no referido artigo sobre os limites impostos pelo Judiciário e Código de Processo Civil para a intervenção estatal na composição efetivada pelas partes ou trato efetivado anteriormente ao cerne judicial, pontos que podem ou não ser transacionados e modificados no decorrer do contexto judicial e, ainda, limites plausíveis para serem superados ou não em tal assunto.
É possível elencar que tais temas ainda são pouco explorados na doutrina e jurisprudência, cabendo sim uma análise crítica e técnica de tal temática, que fatalmente sobrecarregará o estimado judiciário.
II. Explanação
O Código de Processo Civil atual, vigente desde 2015, ainda sofre com a necessidade de consolidação de alguns temas em específico, em especial o assunto ora abordado do artigo 190 do diploma legal, que colacionamos:
"...Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.
Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade....".
Observe que, é licito as partes estipularem mudanças no procedimento do processo ou outros pontos que aparentemente possam facilitar o desenrolar da ação, entretanto, qual o limite para tanto, bem como, o ponto final para uma eventual intervenção processual do magistrado? Não está claro, no momento, todo o liame do que pode vir a ser transacionado, inclusive, se o juiz pode e deve intervir em determinada arbitrariedade que desequilibre a relação processual, pensando nos mais diversos aspectos. Ao nosso entendimento, cabe sim ao juiz tal intervenção, se o caso solicitar.
Desde que as partes sejam capazes, é possível efetuar transação sobre direitos disponíveis, inclusive, no liame processual, em paralelo. Não podemos, sem dúvidas, aceitar transação qualquer (abarcando esfera processual) quando lidamos com o estado das pessoas e temas estatais, dentre outros. Partimos do pressuposto de contrato correto, fidedigno e com entes envolvidos com ótima lisura de atos da vida civil. Em outras palavras, reforçamos o entendimento que os direitos fundamentais são indisponíveis, inclusive e não menos importante, na seara processual. Esse ponto é a ligação direta do que pode ou não ser convencionado para o ponto processual.
No tema processual, brilhantes doutrinadores de Processo Civil já se manifestaram sobre o conteúdo, plausibilidade e possibilidade da composição de termos e atos processuais, como é o caso da excelente Profa. Dra. Teresa Arruda Alvim, que diz:
"…aspectos procedimentais variados podem, também, ser objeto de convenção: as partes podem estipular limites de manifestações, podem estipular a impossibilidade de existir esta ou aquela modalidade probatória, prazos mais exíguos que os legais...".
Ao nosso ver e buscando a melhor situação fática processual, é incontestável que o juiz tem por obrigação limitar ou direcionar o processo em paralelo a seara judicial, sempre norteando a relação jurídica pelo princípio da boa-fé, caso não esteja sendo respeitado pelas partes processuais. Sobre a boa fé processual, sempre é importante trazer o ensinamento da brilhante Profa. Dra. Maria Helena Diniz, que com primazia cita:
"... o princípio da boa-fé deve estar ligado "ao interesse social das relações jurídicas, uma vez que as partes devem agir com lealdade, retidão e probidade, durante as negociações preliminares, a formação, a execução e a extinção do contrato" (2014, p. 195)...".
Abarcando que a instrumentalização do acordo de vontades é interessante ao desenrolar processual, é crível que o espírito do contrato ou termo deve ser preservado, mantido e seguido pelas partes envolvidas (inclusive em embates judiciais), para equalizar a relação e trazer a paz social, justiça e igualdade (o que sempre buscamos, sem qualquer dúvida). Forçoso lembrar que, existindo ciência e retidão dos entes envolvidos ao escopo do contrato ou termo que delimita pontos processuais, é ímpar a real necessidade de equilibrar a balança contratual em consonância com o reportado no artigo 113 do Código Civil Brasileiro, que diz:
"...Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração...".
Sendo fidedigno o espírito contratual quanto as responsabilidades de cada parte e impossibilidade de interpretação negativa a qualquer dos entes relacionados, é factível sempre avaliar o documento processual ou imbróglio com a melhor liberalidade da interpretação sistemática e lógica possíveis, ou seja, responsabilizar cada parte por seus respectivos ônus ou bônus em eventual discordância de entendimentos gerando problemas diversos. Nesse ponto, cabe ao magistrado e respectivo judiciário novamente interceder ao notar incoerências ou desequilíbrios processuais, que não raro ocorrem. A liberdade concedida ao instrumento processual, portanto, será relativa e nunca absoluta, para justamente forçar a segurança jurídica no cerne judicial.
Não havendo acordo de entendimentos quanto ao espírito contratual e liame processual (que culminem em discordância do rito processual e outros tópicos análogos), a discussão deverá ser cravada e definida pelo Poder Judiciário (o que devemos sempre evitar, como sociedade). O respeitado Superior Tribunal de Justiça – STJ no julgamento do ARESP 262.823 Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 29/04/2015, acatou como válida a tese quanto efetivação da violação positiva do contrato, ao bem observamos o trecho do julgamento relacionado ao conflito de entendimento, vejamos:
"...Da boa-fé objetiva contratual derivam os chamados deveres anexos ou laterais, entre os quais o dever de informação, colaboração e cooperação. A inobservância desses deveres gera a violação positiva do contrato e sua consequente reparação civil, independente de culpa...".
Avalie que, caso as partes não elenquem pontos corretos e plausíveis para eventualmente serem discutidos em ação judicial, procedimentos e afim, poderão ser responsabilizados civilmente por tal ato, ou seja, é possível estabelecer métricas para condução de futuro embate judicial (ritos, prazos e demais pontos), entretanto, o Judiciário notará eventual tentativa cravada de usurpação de direitos e, com isso, responsabilizará ativamente a parte que promoveu tal má-fé, justamente para reparar os prejuízos causados, até mesmo, litigância de má- fé. Pelo exposto, nossa intenção doravante é reforçar a instrumentalização dos atos, segurança jurídica e fortalecimento da boa-fé e melhores práticas negociais. É correto as partes transacionarem pontos para desenrolar de qualquer ação judicial, todavia, com o princípio da boa-fé norteando tal relação. Cabe ao Judiciário avaliar o respeito ao ordenamento jurídico e equilíbrio da relação processual, ingressando nos autos tão logo perceba qualquer ponto controverso ou que irá gerar desencontros processuais.
Outrossim, cabe trazer posicionamento efetivo do STJ quanto a possibilidade de compor alguns atos ou procedimentos processuais e materiais distintos, conforme bem abordado no julgamento do recente AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 1.241.051 - SP (2018/0022556-8), que dentre outros aspectos interessantes, traz em seu bojo:
"...No entanto, podem as partes se compor em relação a essa opção, estabelecendo negócio processual na forma do aet. 190 do CPC. Não pode o juiz por vontade própria alterar o procedimento...".
A intenção do presente artigo, sem outra pretensão, é justamente trazer aos operadores do direito a conscientização quanto a possibilidade de compor alguns atos processuais ainda em certame contratual ou administrativo, esclarecendo os limites abarcados no Poder Judiciário. Esse dispositivo processual é excelente para trazermos agilidade no imbróglio processual, reforçando a presteza em atendimento do consulente que, sem dúvidas, carece de um Poder Judiciário efetivo e bem atuante, o que ocorre com frequência.
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*Douglas Belanda é advogado corporativo.