A Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS iniciou, em 15/08/2017, a Consulta Pública 65, colocando em análise o Código de Infrações no Âmbito da Saúde Suplementar – CISS, com a revisão dos procedimentos a serem adotados pela ANS nas ações de fiscalização e aplicação de penalidades.
Entre 15/08/2017 e 29/09/2017, os atores interessados puderam fazer suas contribuições, identificando pontos de aperfeiçoamento à minuta de regulamento apresentada pela Agência. Em 31/10/2017, a ANS publicou um relatório em resposta às contribuições (Nota Técnica 14/2017/ASSNT/DIRAD/DIFIS/ANS), compilando e respondendo as sugestões enviadas.
O processo de revisão das regras de fiscalização e sanção da ANS insere-se no cenário atual de grandes desafios para os atores do setor de saúde suplementar. Como vem sendo noticiado, operadoras e usuários vêm sofrendo consequências com a crise econômica, com discussões quanto à qualidade e o dimensionamento dos serviços prestados aos usuários, bem como com o aumento da judicialização.
Diante, pois, da extrema relevância – tanto para os usuários, como para as operadoras – dos procedimentos para a fiscalização e sanção dos serviços de saúde suplementar, a participação social no processo de revisão dessas regras é essencial para assegurar a boa regulação setorial. A regulação construída a partir da interação com os players do setor regulado propicia mais eficiência e efetividade da atividade regulatória, conseguindo captar melhor seus impactos para o setor e, com isso, gerar maior responsividade dos atores fiscalizados.
Por um lado, a ANS assegurou esse espaço, por meio da realização de audiência e consulta públicas (nos termos, aliás, de sua legislação interna), permitindo que inúmeros atores fizessem suas contribuições à minuta de regulamento proposta. Foram mais de quatro mil contribuições, provenientes de operadoras, consumidores, prestadores de serviço, dentre outros.
Por outro lado, contudo, o prazo da consulta pública foi exíguo, diante da relevância e do potencial de impacto do tema. As respostas dadas pela ANS às contribuições recebidas também parecem simplificar bastante os fundamentos apresentados pelos participantes e, em uma análise quantitativa, a maior parte das contribuições não foi acolhida pela Agência.
Outro ponto de destaque é a ausência de estudo de impacto regulatório quanto às medidas propostas pela Agência na minuta de regulamento. O estudo de impacto regulatório contribui como subsídio essencial na tomada de decisões regulatórias, na medida em que analisa o setor regulado, seus problemas e tendências. No entanto, um estudo nesse sentido não foi produzido pela Agência para a elaboração da minuta de regulamento apresentada, o que dificulta a avaliação da repercussão das mudanças proposta no setor.
É importante salientar que o processo sancionatório deve ter sempre como finalidade última solucionar as demandas dos usuários de maneira eficaz e eficiente. O processo não é fim em si mesmo, mas meio para se apurar condutas, aplicar (se for o caso) a penalidade cabível e solucionar a demanda do usuário, observando os princípios do devido processo legal, da razoabilidade e da proporcionalidade. No entanto, esses objetivos não estão explícitos na reforma proposta pela ANS.
Ainda, a regulação setorial, ao estabelecer sanções, deve se preocupar em gerar benefícios ao usuário. Nesse sentido, penalizações somente deveriam ser aplicadas às operadoras de saúde de modo a incentivar comportamento adequado para o consumidor e para o mercado. Multas que não se revertem em benefício efetivo para os usuários, mas apenas promovem o arrecadamento fiscal pela Agência, em nada aprimoram a qualidade dos serviços prestados aos usuários.
Nesse sentido, as principais contribuições apresentadas pelo setor à proposta de regulamentação apresentada na consulta pública criticavam o processamento agregado de demandas; a falta de proporcionalidade entre as infrações e penalidades aplicáveis; e o tratamento conferido às Notificações de Intermediação Preliminar, índice que contabiliza as reclamações dos usuários, utilizado como agravante de pena, sem que haja manifestação da operadora e a devida apuração do fato.
Ao menos no que diz respeito ao agrupamento de demandas, a ANS parece concordar com as críticas apresentadas. No relatório de resposta às contribuições, a ANS, atendendo a manifestações recebidas, concluiu que o agrupamento de demandas prejudicaria o contraditório e a ampla defesa, além de representar dificuldades no que diz respeito às fases probatórias e recursais.
O escritório vem acompanhando a Consulta Pública desde o seu início, e aguarda o resultado final dessa importante mudança regulatória. Espera-se que o Código de Infrações no Âmbito da Saúde Suplementar – CISS proposto proporcione impactos positivos para todos os agentes atuantes na saúde suplementar, mediando e equilibrando os diversos interesses envolvidos.
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*Marina Fontão Zago e Roberta Helena Ramires Chiminazzo são sócias do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.