Morreu Marielle. Em tempo de quaresma. De Oscar com grito em defesa das mulheres vítimas de assédio. Em tempos de Golpe político no Estado brasileiro, praticado contra uma mulher presidente. E de enfrentamento do judiciário presidido por uma mulher. Em tempos de filme com releitura da função de Maria Madalena e seu papel no cristianismo primitivo. Mas vive Marielle porque é chegado agora o tempo de ressurreição, insurreição e de transformação.
A sociedade brasileira está claramente dividia. Como estavam os judeus no tempo de Jesus. Havia aqueles que, gozando de privilégios na sociedade da época, recebiam favores do Império que dominava a terra. Estes queriam o silêncio, desejavam sufocar qualquer ato ou manifestação que lhes colocasse em risco os privilégios. Fariseus, Saduceus, Escribas e participantes do templo de Jerusalém.
Há uma ascensão do discurso obstrutor. Pessoas reagindo e sendo contra os “rolezinhos”, incomodados com pobres e negros viajando de avião, reclamando de cotas nas universidades públicas (porque não aceitam compensar os 500 anos de escravidão e racismo contra uma toda uma etnia no país). Pessoas se levantando contra os direitos humanos, a favor da pena de morte, querendo a prisão perpétua. Posturas de ódio e negadoras do diálogo. Mas com mais força se manifesta a voz daqueles que querem, onde o querer é uma exigência, a transformação.
Certa vez ouvi um padre falar, em tom de provocação, que Jesus se revelou primeiro a uma mulher porque as mulheres são faladeiras e logo divulgariam a notícia. Ainda naqueles dias, e já se vão mais de 30 anos, era muito presente, como sempre foi em mim, o conflito e a dificuldade para reconhecer a importância das mulheres. Nossa cultura é machista e sexista. Nascer e crescer nesta cultura e ao longo da vida adotar uma postura, atitude, superadora desta condição exige autoexame diário e renovação constante da atitude de respeito e promoção humana.
Mas aprender ajuda. Aprendi que a mulher foi feita da costela de Adão, para ficar claro que ela não está acima e nem abaixo do homem, mas lado a lado, no mesmo nível, com a mesma importância, com mesmos direitos e deveres, isso dito e registrado lá nos tempos patriarcais. Aprendi que foram as mulheres que garantiram o Jesus físico contribuindo para sua subsistência (Lc 8, 3) e aprendi que somente uma mulher tinha a dignidade suficiente para receber a notícia e não iria se calar diante de tão enorme acontecimento como a ressurreição de Jesus.
De uma lição aprendida: “o mérito de Kant, como já havia salientado Hegel, foi ter introduzido, do ponto de vista da fundamentação teórica, em definitivo, a ideia de liberdade no conceito de justiça, que nunca mais poderá ser dela separada, por já constituir um valor da nossa cultura” - Autor: Joaquim Calos Salgado - Ed. Proed. 1986).
A páscoa chegou. A liberdade chegou. A igualdade chegou.
E penso poder dizer que, em Jesus, Marielle Ressuscitou! E por isso: Marielle, presente!
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*Wagner Dias Ferreira é advogado e membro da comissão de direitos humanos da OAB/MG.