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Tiro de Trump contra o aço brasileiro fere as regras do comércio internacional

O que se vê agora é uma nova taxa aplicada a todos os tipos de aço, justamente quando as exportações, especialmente do Brasil, vinham crescendo ano a ano – tanto em volume quanto em produção, aumentando a competitividade.

22/3/2018

Em tom desafiador, o presidente Donald Trump está anunciando que “guerras comerciais são boas e fáceis de ganhar”. Esquece-se, contudo, que também são, na mesma medida, muito fáceis de perder, em um mundo pós-GATT 1947 e 1994, no qual foi criada a OMC e seus países membros aderiram a regras comerciais claras, objetivas e equilibradas. A lógica que prevalece no comércio internacional é a dos “checks and balances” (freios e contrapesos) e da “rule of law” (estado de direito), onde nenhum país é obrigado a se submeter às decisões arbitrárias de outro, nem amargar perdas econômicas sem a contrapartida compensatória.

Com mão autoritária, e sem respaldo em regras (domésticas e internacionais) capazes de sustentar tamanha arbitrariedade, o Presidente Trump elevou as taxas de importação em 25% para o aço e em 10% para o alumínio comprados de empresas estrangeiras.

A União Europeia contra-atacou ameaçando com medidas compensatórias, capazes de atingir os principais redutos eleitorais dos Republicanos, em especial, de Trump. A França se prepara para anunciar represálias. O Canadá, maior fornecedor de aço e alumínio para os EUA, acabou se beneficiando e ficou de fora, graças ao acordo NAFTA.

O resultado do descontentamento internacional foi sentido de imediato nas bolsas de valores dos EUA que terminaram a semana do anúncio das novas medidas em queda acentuada, frente à preocupação dos investidores com uma possível guerra comercial global. As perspectivas de retaliações por parte da Europa, China, Coreia do Sul e Rússia levaram os mercados globais em direção a uma perda semanal de 2,5%, com os investidores se voltando a ativos tradicionalmente mais seguros- como títulos do governo, ouro e o iene.

No Brasil, as ações das siderúrgicas Gerdau, Usiminas e CSN registraram quedas entre 3,5% e 7,5%, ao passo que, na véspera dos anúncios de Trump, somente a Gerdau teve alta de cerca de 3%. Usiminas também revelou recuo, CSN ficou mais perto da estabilidade, com pouca oscilação, e a mineradora Vale mostrou baixa de 3,3%.

O Brasil produz 35 milhões de toneladas de aço bruto. Cerca de 15 milhões, ou seja 1/3, são exportados para os EUA. A importância deste país é ainda maior para os produtos semimanufaturados, haja vista que os americanos compram 53% do total exportado pelo Brasil (segundo dados de janeiro de 2017). Sabe-se que 80% do aço exportado para os EUA é semiacabado, ou seja, é processado novamente por siderúrgicas americanas até chegar ao seu cliente final, como as montadoras, por exemplo. O Brasil não consegue exportar produtos finais porque já existe nos EUA uma medida antidumping contra o aço acabado brasileiro, pois as autoridades americanas consideram que o produto chega lá com preços anticompetitivos, razão pela qual são sobretaxados.

O que se vê agora é uma nova taxa aplicada a todos os tipos de aço, justamente quando as exportações, especialmente do Brasil, vinham crescendo ano a ano – tanto em volume quanto em produção, aumentando a competitividade brasileira.

Para tais medidas, Trump recorreu a “Section 232 Investigations: The Effect of Imports on the National Security”, isto é, a um dos capítulos da “The Trade Expansion Act”, de 1962 (já várias vezes emendado), que autoriza os secretários de estado e o próprio Presidente dos Estados Unidos, mediante comprovadas investigações e recomendações da Secretaria de Comércio, a recorrer a medidas de ajustes do comércio interno, quando em risco a “segurança nacional”. Portanto, para que os Estados Unidos possam lançar mão de medidas de restrição das importações, em qualquer setor da atividade empresarial, é imprescindível que esteja em risco a segurança do país – o que se comprova com sérias e transparentes investigações, nas quais as empresas estrangeiras têm direto de manifestação e defesa, e se justifica em recomendações circunstanciadas do órgão norte americano responsável.

Sabe-se, entretanto, que investigações não foram feitas nos EUA, durante as quais as empresas exportadoras tenham se manifestado. Tampouco foram apresentadas recomendações providas de embasamento em lei e regulamentos próprios. Do que se conclui, que a “Section 232” não é capaz de sustentar e fundamentar as medidas restritivas à exportação do aço para os Estados Unidos. Não ficou demonstrado, portanto, os efeitos da importação do aço na segurança nacional do país, ou seja, o nexo entre causa e efeito.

Diante disso, os países prejudicados têm medidas concretas para tomarem contra os Estados Unidos – que não ficam apenas no campo da retórica, dos embates diplomáticos e dos balões de ensaio.

Além dos recursos administrativos contra as autoridades responsáveis pelas medidas de restrição às importações, cabe, também, aos países prejudicados, recorrer aos tribunais internos nos Estados Unidos, tendo por base a violação das próprias leis americanas, dentre as quais, mas não apenas, a “Section 232” do “The Trade Expansion Act”, ademais das regras do comércio internacional. Tanto podem as empresas brasileiras proporem sozinhas suas ações judiciais, como podem se associar às empresas importadoras norte americanas que, com tais medidas, passarão a ter problemas sérios frente à escalada do preço no mercado local, e às possíveis retaliações dos países prejudicados que atingirão em cheio o consumidor americano.

Outra alternativa, já no plano internacional, é o Brasil, em nome das empresas prejudicadas, apresentar sua reclamação contra os Estados Unidos no órgão de Solução de Controvérsias da OMC, dando origem a um contencioso internacional no qual outros países como China, a União Europeia, dentre outos, podem se associar, e cuja decisão, mesmo que os Estados Unidos vire as costas à Organização, implica autorização a retaliações, inclusive aquelas “cruzadas” (em setores diferentes àquele que foi objeto da controvérsia), e a indenizações aplicadas contra os EUA. Os efeitos podem ser incalculáveis para os norte-americanos.

Enquanto isso, nada impede que o Brasil, de forma preliminar, peça, tanto ao Órgão de Solução de Controvérsias da OMC”, como às cortes domésticas no Estados Unidos, que as siderúrgicas brasileiras fiquem autorizadas a suspender a importação, sem riscos de violação de contratos internacionais, do carvão americano. Carvão este que move os fornos de nossas siderúrgicas e implicam cerca de US$1 bilhão por ano.

Como se vê, as medidas de Trump, e sua costumeira irresponsabilidade e descaso aos contratos firmados, estão mais para uma “guerra psicológica”, que ele, aliás, conhece bem, do que para verdadeira “guerra comercial”. Até porque se os oponentes lançarem mão das “armas”, são os norte-americanos de boa-fé, os consumidores, os empregados, os empresários que vão sentir os efeitos nefastos da arbitrariedade “trumpiana”, aqueles mesmos que votaram para eleger o Presidente – e provavelmente já amargam a maior e a pior de todas as desgraças: o arrependimento.

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*Maristela Basso é advogada sócia de Nelson Wilians & Advogados Associados e professora de Direito Internacional da Faculdade de Direito da USP.

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