Associações de Classe: modos de usar para evitar conflitos com a Lei de Defesa da Concorrência
Leonardo Peres da Rocha e Silva*
I. - Introdução
Providências recentemente adotadas pela SDE e pelo CADE indicam que continua grande a preocupação das autoridades de defesa da concorrência com as funções e os limites de atuação das associações de classe, que já foram chamadas de "ninhos de cartéis". Ao mesmo tempo em que reconhecem a importância das associações de classe, o CADE, a SDE e a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (SEAE) dão mostras de que permanecerão investigando detidamente e punindo com rigor as condutas que possam diminuir de forma ilegal a concorrência nos mercados de atuação dos seus associados.
Como a Lei de Defesa da Concorrência não estabelece com exatidão todas as práticas que podem ser punidas por serem consideradas anticompetitivas, parece importante chamar atenção para as condutas das associações de classe que estão mais (ou menos) sujeitas a investigações dos órgãos de defesa da concorrência, com base, principalmente, em decisões do CADE e em estudo preparado pelo Office of Fair Trading (OFT), do Reino Unido.
Não se pretende neste artigo fazer uma análise exaustiva das decisões do CADE nem da jurisprudência internacional a respeito da atuação das associações de classe. Pretende-se, tão somente, fazer uma relação dos principais dispositivos da Lei de Defesa da Concorrência com as práticas mais comuns das associações de classe e algumas decisões do CADE. O escopo é justamente auxiliar as associações de classe a evitarem práticas que podem ser sujeitas a sanções pesadas se forem consideradas infrações à ordem econômica.
II. - A Aplicação da Lei de Defesa da Concorrência às Condutas das Associações de Classe
Principais Dispositivos e Conceitos da Lei nº 8.884/94
A Lei de Defesa da Concorrência é aplicável não só às pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, mas também "a quaisquer associações de entidades ou pessoas, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica". Nesse sentido, as condutas das associações de classe que são consideradas infrações à ordem econômica são passíveis de multa de 6.000 (seis mil) a 6.000.000 (seis milhões) de Ufir e de outras penalidades, inclusive na esfera penal.
São consideradas infrações à ordem econômica aqueles atos que tenham por objeto ou possam produzir os efeitos de (i) limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência; (ii) dominar mercado relevante de bens ou serviços; (iii) aumentar arbitrariamente os lucros; e (iv) exercer de forma abusiva posição dominante. Entre tais atos está o de obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes, que pode ocorrer de várias formas.
Em função dos termos da Lei de Defesa da Concorrência, não há a necessidade de um processo de tomada de decisão formal por parte dos membros da associação para que seja caracterizada a infração à ordem econômica. A participação de todos os membros também não é requisito para que a conduta adotada pela associação seja considerada ilegal.
Contudo, para que um associado também seja considerado infrator juntamente com a associação, é preciso que seja demonstrada a participação dele na prática anticoncorrencial. Assim, é recomendável aos associados que não concordem com determinado ato da associação ou tenham dúvida sobre a sua repercussão que deixem claro a sua discordância, mediante, por exemplo, o registro em ata de protesto, quando possível.
Normalmente, a natureza da afiliação da associação é considerada aspecto importante para avaliar se a prática é anticoncorrencial ou não. Naturalmente, a grande quantidade de membros e a participação elevada destes no mercado relevante considerado fará com que a possibilidade do dano seja ainda maior e permitirá que o CADE defina se houve ou não exercício abusivo de posição dominante da associação.
Decisões Importantes do CADE sobre Atuação de Associações
Desde 1993, o CADE vem aplicando multas contra associações de médicos pela imposição de tabelas de honorários, mesmo quando tais tabelas são usadas apenas para orientação dos associados, sem ameaça de punição pela falta de uso, em função do entendimento de que se trata de influência ilegal na adoção de conduta comercial uniforme.
Cabe, portanto, tentar identificar quais os limites de atuação e as funções institucionais das associações, sob o prisma da Lei de Defesa da Concorrência. É o que se fará a seguir.
III. - FUNÇÕES E LIMITES DE ATUAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES DE CLASSE
Entre as principais funções das associações de classe estão:
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representar os interesses de membros em relação a leis e regulamentos e aspectos políticos que podem afetá-los;
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discutir e apresentar ao governo propostas a serem defendidas nas negociações relativas a assinatura de acordos internacionais;
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promover e proteger os interesses de membros na mídia;
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coletar e disseminar estatísticas, bem como informações sobre legislação; e
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promover a prestação de consultoria jurídica, contábil, ambiental e sobre treinamento de pessoal, por exemplo.
Tais atividades dificilmente são consideradas infrações à ordem econômica na medida em que normalmente não têm por objeto nem podem produzir os efeitos de (i) limitar a livre concorrência ou a livre iniciativa; (ii) dominar mercado relevante de bens ou serviços; (iii) aumentar arbitrariamente os lucros; e (iv) exercer de forma abusiva posição dominante.
Contudo, outras práticas comuns a associações de classe podem ser consideradas infrações à ordem econômica e, portanto, punidas pelo CADE, dependendo de suas características e das circunstâncias dos setores econômicos envolvidos. Entre as práticas que órgãos de defesa da concorrência podem considerar suspeitas estão: (i) as trocas de informações; (ii) as restrições relacionadas a atividades publicitárias; (iii) a adoção de códigos de conduta; (iv) a imposição de requisitos para filiação; e (v) a certificação de produtos e serviços e a adoção de padrões técnicos.
Trocas de Informações
As decisões proferidas pelo CADE indicam que a grande preocupação das autoridades de defesa da concorrência está relacionada com as trocas de informações que:
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sejam relacionadas a preços de produtos e serviços, inclusive descontos, custos, taxas, datas para trocas de preços e quantidades; e
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sirvam para retirar as incertezas existentes em mercados em que a competição é intensa.
Se as trocas das informações vão ou não ser consideradas infração à ordem econômica pelo CADE depende das circunstâncias de cada caso, das características do mercado e da associação, do tipo de informação e da forma como a informação é trocada.
Em tese, existe maior probabilidade de trocas de informações serem consideradas ilegais quando (i) o número de operadores no mercado é pequeno, já que, em um oligopólio, a transparência de dados pode remover o que resta de movimento pró-competitivo; (ii) a troca é freqüente; e (iii) as informações são sensíveis e/ou confidenciais. Isso porque tais características facilitam a adoção de conduta comercial uniforme entre os associados, mediante o uso da informação trocada.
A troca de informações específicas sobre preços entre concorrentes pode reduzir as incertezas no mercado e facilitar a coordenação de condutas no mercado, gerando investigações para apurar a sua legalidade.
Por outro lado, a troca de dados estatísticos, de pesquisa de mercados e de estudos sobre as indústrias dificilmente pode ser considerada prática anticoncorrencial, se não for possível desagregar as informações trocadas e identificar os participantes, ou se a troca não for relacionada a dados recentes, atuais ou futuros.
Ao examinar uma consulta apresentada pela Associação Brasileira da Indústria Farmacêutica – ABIFARMA, por exemplo, o CADE permitiu a disponibilização do preço máximo ao consumidor (PMC) e do preço do fabricante (PF) no site da entidade, somente enquanto estiver em vigor uma portaria que determina a obrigatoriedade dos varejistas de manter à disposição dos consumidores as listas contendo os PMC’s.
Na ocasião, o CADE salientou que "uma futura constatação de que qualquer um dos segmentos da cadeia farmacêutica esteja se utilizando do PF e/ou do PMC como instrumento de viabilização de conduta anti-concorrencial será considerada como infração à ordem econômica, sendo passível de punição de acordo com a Lei nº 8.884/94."
Resta claro, portanto, que as trocas de informações facilitadas por associações serão normalmente passíveis de investigações e eventuais condenações, por parte dos órgãos de defesa da concorrência, dependendo do caso.
Atividades Publicitárias
A discussão, adoção e divulgação de regras para garantir que a publicidade dos produtos e serviços dos associados seja legal, honesta e decente dificilmente podem gerar efeitos danosos ao mercado.
Contudo, regras para proibir, impedir ou dificultar membros de atuar de forma mais competitiva, procurando vender mais, propagar os preços, ou preços abaixo de um mínimo ou nível recomendado podem, em tese, dependendo das circunstâncias do mercado, ser consideradas ilegais na medida em que podem ter efeitos deletérios em tal mercado. Devem, portanto, ser evitadas pelas associações.
Códigos de Conduta
As regras de melhores práticas, na forma de códigos de conduta de associados, podem ser considerados infrações à ordem econômica pelo CADE, dependendo das condições do mercado envolvido, principalmente se tais códigos de conduta (i) limitarem a capacidade dos membros de competirem; e (ii) envolverem dispositivos sobre preços ou tratarem de alguma forma de divisão de mercados.
Requisitos para Filiação
Para que não sejam questionados, os requisitos para a entrada de associados devem ser transparentes, proporcionais, não discriminatórios e baseados em critérios objetivos. Isso porque as condições para filiação podem ser consideradas danosas ao mercado se o efeito da exclusão de determinados membros colocá-los em desvantagem comparativa e, portanto, tiverem como objetivo ou puderem gerar o efeito de limitar a livre concorrência.
Da mesma forma, procedimentos para excluir membros das associações também podem gerar efeitos deletérios e serem considerados ilegais, principalmente se não houver critérios razoáveis e objetivos, ou se não houver possibilidade de recurso no caso de recusa de filiação ou expulsão.
Certificação de Produtos e Serviços e Padrões Técnicos
Critérios não razoáveis e não objetivos para certificação de condições/características de produtos e serviços de membros também podem ser considerados práticas anticoncorrenciais pelas autoridades brasileiras, dependendo das circunstâncias do mercado.
Se os associados têm que aceitar (i) obrigações adicionais relacionadas aos produtos e serviços que eles podem comprar ou vender, ou (ii) restrições relacionadas a preços e tipo/forma/volume de comercialização, o esquema de certificação pode ser investigado por SDE/SEAE/CADE se tiver como objetivo ou puder gerar o efeito de limitar a livre concorrência.
Nesse mesmo sentido, a imposição de padrões técnicos também pode ser considerada infração à ordem econômica se houver elevação não razoável das barreiras à entrada de novos competidores, limitando a livre concorrência.
IV. - COMENTÁRIOS FINAIS
Em suma, apesar de a Constituição Federal de 1988 garantir o direito das associações de agirem em defesa dos interesses de seus membros, é preciso que sejam observados certos limites impostos pela Lei de Defesa da Concorrência. Dada a possibilidade de investigação, entendemos que as associações de classe devem evitar:
(a) trocas de informações que sejam relacionadas a preços de produtos e serviços e sirvam para retirar as incertezas do mercado;
(b) regras referentes a publicidade que tenham por escopo proibir, impedir ou dificultar membros de atuar de forma mais competitiva, procurando vender mais;
(c) códigos de conduta que limitem a capacidade dos membros de competir e envolvam dispositivos sobre preços ou tratem de alguma forma de divisão de mercados;
(d) requisitos para a entrada de associados que sejam obscuros, desproporcionais, discriminatórios e baseados em critérios subjetivos; e
(e) critérios não razoáveis e não objetivos para padrões técnicos e certificação de condições/características de produtos e serviços de membros.
Com esses cuidados, acredita-se que as associações conseguirão desempenhar suas importantes funções sem sofrer investigações da SDE e SEAE e punições do CADE, que estão preocupadas com as condutas que, de fato, se relacionem à direção e controle de mercados e, portanto, limitem a livre concorrência.
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* Advogado do escritório Pinheiro Neto Advogados
* Este Memorando foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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