A referida lei consolidou as premissas trazidas pela Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – CDPC, representando notável avanço para a proteção da dignidade da pessoa portadora de ausência ou disfunção de uma estrutura psíquica, fisiológica ou anatômica. As inovações buscam e retratam a evolução pela inclusão social e ao direito à cidadania plena e afetiva.
Sua natureza incorpora um novo modelo social alvidrado pelos direitos humanos que é a reabilitação da própria sociedade, visando, assim, minorar as barreiras de exclusão e incluir o deficiente na comunidade, garantindo-lhe uma vida independente, com igualdade no exercício da capacidade jurídica.
Cumpre destacar os arts. 6º e 84 do referido diploma legal, que atestam que a deficiência não afeta a plena capacidade civil das pessoas, inclusive para I - casar-se e constituir união estável; II - exercer direitos sexuais e reprodutivos; III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; V - exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.
Dispõe o art. 84 que "A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas". Por conseguinte, em seu art. 114, o Estatuto altera diversos artigos do Código Civil, remodelando consubstancialmente a teoria das incapacidades, uma vez que passou a declarar apenas uma hipótese de incapacidade absoluta: os menores de 16 anos, inexistindo, portanto, no Ordenamento Pátrio, pessoa maior absolutamente incapaz. Em síntese, os arts. 3º e 4º do Código Civil sofreram as principais modificações.
Destaca-se, ainda, que os dispositivos da referida lei retiraram do rol de relativamente incapazes os portadores de deficiência mental e os excepcionais sem desenvolvimento completo, mantidos: I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II – os ébrios habituais e os viciados em tóxicos; III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; e IV – os pródigos.
Aqueles antes vistos como "interditos", "sujeitos irrecuperáveis", ou ainda, "que por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática" dos atos da vida civil, saíram do rol de absolutamente para o de relativamente incapazes, em uma tentativa de conceber a tão afamada inclusão social.
As pessoas antes sujeitas à interdição em razão de enfermidade ou deficiência passam, por força da nova lei, a serem consideradas plenamente capazes. Essa garantia reconhece uma presunção geral de plena capacidade a favor das pessoas com deficiência, o que somente por meio de relevante inversão probatória sucederia à incapacidade, excepcional e amplamente justificada. Inexistindo para estes, ressaltasse a incapacidade absoluta.
Nesse passo, o Estatuto inova no Instituto da Curatela, que reconhece o direito da pessoa com deficiência ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas, passando a ter o caráter de medida excepcional, extraordinária, devendo ser adotada somente quando e na medida em que for necessária.
Tanto é assim que restaram revogados os incisos I, II e IV do artigo 1.767 do Código Civil, em que se afirmava que os portadores de transtorno mental estariam sujeitos à curatela.
O deficiente, o enfermo ou o excepcional, sendo pessoa plenamente capaz, poderá celebrar negócios jurídicos sem qualquer restrição, pois não mais se aplicam as invalidades previstas nos artigos 166, I e 171, I do Código Civil.
A interdição foi outro instituto que também sofreu consideráveis mudanças. A lei 13.146/15 alterou o artigo 1.768 do Código Civil, deixando de mencionar que "a interdição será promovida", passando a enunciar que "o processo que define os termos da curatela deve ser promovido", incluindo a própria pessoa a ser objeto da medida como legitimada para tanto.
A referida lei incluiu também o instituto jurídico da Tomada de Decisão, que será devidamente tratado em artigo posterior.
Concernente à plena capacidade civil e ao casamento, o Estatuto revogou o inciso I do artigo 1.548 do Código Civil, que previa ser nulo o casamento do "enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil". Portanto, não podem os deficientes ser alijados da formação de família por meio do casamento ou mesmo da união estável.
Ainda na seara da celebração do casamento, anterior à vigência da lei 13.146/15 não era possível realizar casamento de pessoas com deficiência, por ser vedado expressamente em lei, limitando, assim, o direito à igualdade e afetividade, pois eram considerados plenamente incapazes de realizar o matrimônio, uma vez que, dentre os requisitos desse, é essencial a mútua assistência. Tomando-se por base tais alterações, não há mais que se falar em impedimentos para os deficientes em constituir união estável ou celebrar casamento, permitindo a expectativa de inclusão social, uma vez que a incapacidade antes prevista, não mais possui aplicabilidade.
A nova estruturação do regime jurídico das incapacidades repercutiu diretamente na aplicação do instituto da prescrição contra as pessoas com deficiência. Isso porque o art. 198, I do Código Civil estabelece que não corre a prescrição "contra os incapazes de que trata o art. 3º". Dessa forma, aqueles que não tinham discernimento para a prática dos atos civis e os impossibilitados de exprimir sua vontade eram beneficiados com o impedimento ou a suspensão do curso do prazo prescricional. A partir da edição da lei 13.146/15, somente os menores impúberes é que estariam contemplados com a regra protetiva do art. 198, I, do aludido Código, já que os demais deixaram de compor o rol de seu art. 3º.
Esta é uma primeira análise do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Em breve, outros artigos seguirão sobre o tema.
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*Maria Eduarda Guimarães de Carvalho Pereira Vorcaro é advogada e sócia do Homero Costa Advogados.
*Bernardo José Drumond Gonçalves é advogado e sócio do Homero Costa Advogados.