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Sobreestadia de contêineres não pode originar emissão de fatura e duplicata para fins de protesto ou inscrição nos serviços de proteção ao crédito

Nesse sentido decidiu a 6ª câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, em decisão da Apelação Cível 1661096-1, publicada no último dia 20/2/18.

6/3/2018

A sobreestadia de contêineres ("demurrage") tem natureza indenizatória e, como tal, não pode lastrear a emissão de nota fiscal e duplicata. Consequentemente, não pode originar protesto ou negativação junto a órgãos como o SERASA, o SCP e o SCPC, máxime quando inexistente previsão contratual estipulando "free time" e valores de sobreestadia.

Nesse sentido decidiu a 6ª câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, em decisão da Apelação Cível 1661096-1, publicada no último dia 20/2/18.

O caso tem origem em um transporte internacional de mercadorias, realizado em 2008. Tendo em vista um atraso de aproximadamente dois meses no próprio transporte e a eclosão da crise financeira mundial, a consignatária da carga (dona das mercadorias) se viu impossibilitada de retirá-las imediatamente após o desembarque no porto de destino.

Quando a dona das mercadorias enfim reuniu condições para retirar as mercadorias, a transportadora passou a cobrá-la por valores a título de sobreestadia de contêineres, estipulando unilateralmente o valor de US$ 36,00 (trinta e seis dólares americanos) por dia de permanência das mercadorias no porto, com exclusão dos dez primeiros dias.

Ao passo em que as partes se envolveram em duas ações judiciais (uma movida pela dona das mercadorias, pleiteando indenização pelo atraso do transporte; outra movida pela transportadora, cobrando os valores pretendidos a título de sobreestadia de contêineres), a transportadora resolveu emitir fatura e gerar duplicata encartando os valores pretendidos a título de sobreestadia, usando posteriormente esses títulos para requerer a inscrição da dona das mercadorias junto aos serviços de proteção ao crédito.

Surgiu daí uma terceira ação judicial, por meio da qual a dona das mercadorias obteve liminar de cancelamento da negativação, alegando que: (i) a sobreestadia de contêineres tem natureza indenizatória, conforme amplo entendimento doutrinário e jurisprudencial; (ii) as faturas e duplicatas somente podem ser emitidas com lastro em compra e venda de mercadorias ou prestação de serviços, sendo ilícitas as emitidas com fundamento em pretensões indenizatórias, como é o caso da sobreestadia de contêineres; e (iii) a única fatura lícita emitida pela transportadora, referente ao frete das mercadorias, havia sido devidamente quitada, conforme comprovante de pagamento juntado aos autos.

Processada a causa, porém, sobreveio sentença de improcedência da ação proposta pela dona das mercadorias, ao argumento equívoco de que, havendo duas faturas (uma relativa ao frete e outra relativa à sobreestadia de contêineres) e apenas um comprovante de pagamento (relativo ao frete), seria válida a cobrança e consequentemente devida a inscrição da dona das mercadorias junto aos serviços de proteção ao crédito.

Finalmente, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná reformou a sentença de improcedência da ação proposta pela dona das mercadorias, ressaltando que a causa não se referia ao pagamento ou não de uma fatura emitida pela transportadora, mas à própria licitude da fatura. Assim, acolhendo a argumentação da dona das mercadorias, o órgão julgador reconheceu a ilicitude da fatura e da duplicata originadas com base em valores referentes à sobreestadia de contêineres, condenando ainda a transportadora ao pagamento de indenização por danos à reputação da dona das mercadorias.

Na fundamentação da decisão, ressaltou-se que a "sobreestadia (demurrage) tem natureza jurídica indenizatória, incompatível com compra e venda mercantil ou com prestação de serviços". Desse modo, "não havia respaldo jurídico que autorizasse a emissão de fatura [...] bem como carecia de amparo legal a inclusão nos órgãos de proteção ao crédito duplicata com origem em pretensão indenizatória (demurrage)".

Conforme ressaltado no julgamento, o meio próprio ao exercício da pretensão relativa à sobreestadia de contêineres é a ação de indenização ou de cobrança, na qual poderá ser devidamente discutido o cabimento e a quantificação da pretensão indenizatória, além da ocorrência de eventuais excludentes de responsabilidade (no aspecto causal).

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*Ivo de Paula Medaglia é advogado sócio de Medaglia & Roxo Advogados, com escritório em Curitiba/PR.

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