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Como se fraudam licitações

Recentemente um ex-dirigente do partido governista, que aceitou um carro de luxo de uma empreiteira detentora de grandes contratos com o Governo, declarou que empresas combinavam entre elas o resultado de licitações públicas, e que o Governo não “persegue”. Foi espantosa a reação do Governo, que através de nota oficial do digníssimo Ministro da Controladoria Geral da União admitiu explicitamente o conhecimento de tal prática: “falar em empresas combinarem entre si as licitações – o famoso ‘combinemos’ – é lamentável dizer, mas é prática absolutamente corrente no meio empresarial. Ouço falar nisso pelo menos desde que me entendo por gente”.

14/7/2006

 

Como se fraudam licitações

 

Paulo Soares Ribeiro de Oliveira*

 

Recentemente um ex-dirigente do partido governista, que aceitou um carro de luxo de uma empreiteira detentora de grandes contratos com o Governo, declarou que empresas combinavam entre elas o resultado de licitações públicas, e que o Governo não “persegue”. Foi espantosa a reação do Governo, que através de nota oficial do digníssimo Ministro da Controladoria Geral da União admitiu explicitamente o conhecimento de tal prática: “falar em empresas combinarem entre si as licitações – o famoso ‘combinemos’ – é lamentável dizer, mas é prática absolutamente corrente no meio empresarial. Ouço falar nisso pelo menos desde que me entendo por gente”.

 

Dito isto, informou o senhor Ministro da República que não procederia a investigações porque se trata de “denúncia vazia e absolutamente genérica.” Ou seja, o nobre Ministro reconhece a prática, mas não vai se levantar da cadeira para fazer o seu trabalho a não ser que todos os fatos específicos cada uma das anunciadas fraudes às licitações lhe sejam trazidos pela imprensa. Sequer parece interessado em entender como as tais empresas são capazes de burlar com tanta facilidade a Lei de Licitações.

 

Não é só com a mediocridade da omissão que o Governo colabora para o assalto aos cofres públicos: descontando a corrupção pura e simples de pessoas dentro do próprio aparelho estatal – eleitos ou não – temos o fato de que os processos licitatórios constantemente excluem arbitrariamente grande parte dos possíveis concorrentes, criando exigências técnicas dispensáveis, favorecendo, então, um número reduzido de empresas que, assim privilegiadas, passam a dirigir a licitação para um resultado de seus interesses.

 

Mas que tipo de exigências permitiriam isso? Por exemplo: quando a Infraero, que monopoliza os aeroportos do país há décadas, exige que para neles execute uma obra, os concorrentes tenham experiência prévia em obras aeroportuárias, reduz a concorrência às empresas que antes já trabalharam para Infraero. Resultado: qualquer um que viaje de avião pelo país vai sempre encontrar as placas das mesmas empresas, tão conhecidas do público, e especialmente dos políticos.

 

Outro exemplo: se um órgão do Governo exige para pré-qualificação de concorrentes a comprovação de experiência em instalar piso de pedra com metragem superior a milhares de metros quadrados em uma única obra, exclui da competição todas as empresas que não construíram uma obra tão grandiosa, ainda que tenham experiência em centenas de outras obras, talvez apenas um pouco menores, e mesmo que se presuma que quem instala quinhentos metros quadrados de piso de pedra, instala também mil, ou vários milhares, pois isto não exige tecnologia especial. Sobram na competição poucas empresas, quase sempre aquelas que já contrataram com o Estado, pois no Brasil, rico país de povo pobre, praticamente só o Estado faz grandes obras. Quando não é razoável, a exigência é ilegal, mas o conceito de razoável não é claro, e é com isso que contam os interessados em manipular licitações.

 

No Brasil o Governo parece ter a função de espremer a Sociedade tanto quanto possível, dela sugando recursos na forma de tributos, com o resultado pagar seus custos, juros, funcionários e propagandas, e distribuir resto da seguinte forma: esmolas para os mais pobres, em troca de seus votos e de sua dignidade, e polpudos contratos para uns poucos privilegiados, muitas vezes mediante licitações manipuladas, que retribuem aos amigos na maquina estatal com mimos variados e uma ajudinha não contabilizada para a compra de mandatos e consciências. Foi assim que criamos um dos países socialmente mais desiguais do mundo. 

 

Quando o Governo estiver de fato interessado em combater a corrupção e a manipulação será bom tomar uma medida simples: cumprir a lei, inclusive em seu espírito e não apenas formalmente, formulando editais que garantam o aumento da competição nas licitações públicas. Pagará menos por fornecimentos melhores, e de forma mais transparente.

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*Diretor do Depto. de Direito Econômico do IAMG - Instituto dos Advogados de Minas Gerais 

 

 

 

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