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Motivação arbitrária nas decisões

A motivação dos atos estatais é uma regra notória, destinada à exteriorização do juízo efetuado pela Administração Pública ou pelo Poder Judiciário, mas seu real conteúdo jurídico não é integralmente compreendido, maculando decisões diárias sobre as mais diversas matérias com prejuízo aos cidadãos.

14/7/2006

 
Motivação arbitrária nas decisões

Luís Felipe Valerim Pinheiro*

 

A motivação dos atos estatais é uma regra notória, destinada à exteriorização do juízo efetuado pela Administração Pública ou pelo Poder Judiciário, mas seu real conteúdo jurídico não é integralmente compreendido, maculando decisões diárias sobre as mais diversas matérias com prejuízo aos cidadãos.

Para muitos, o dever de motivar consistiria em apresentar as razões que formaram a convicção da autoridade, tão somente. Destarte, nesta concepção, haveria apenas a obrigação de explicitar os fundamentos de fato e de direito que a levaram a tal conclusão, estando, assim, cumprido o disposto no art. 93, IX, da Constituição Federal/88 e nas leis de processo administrativo federal e estaduais, como no art. 2º e 50 da Lei nº. 9.784/99 (clique aqui) e nos arts. 2º, 8º, VI, 9º e 22 da Lei Paulista nº. 10.177/98.

Entretanto, o dever de motivar é muito mais amplo que isto, pois compreende a análise expressa das razões sobre o acolhimento ou indeferimento das alegações oferecidas pelas partes ou interessados, havendo indicação específica sobre a procedência ou improcedência de cada argumento trazido aos autos.

É comum as autoridades indicarem apenas os fundamentos que lhes pareçam suficientes para uma determinada decisão estatal, sem fazer qualquer alusão aos demais trazidos aos autos, fazendo eleição arbitrária daquilo que deve ser apreciado ou não. Essa conduta resulta em conseqüências jurídicas negativas, tais como: (i) reduz significativamente a legitimidade de tais atos decisórios; (ii) torna ineficaz a garantia constitucional ao devido processo legal; (iii) proporciona insegurança jurídica quanto aos argumentos omitidos; e (iv) aumenta os questionamentos em decorrência da inadequação na motivação, com aumento na massa processual.

O comprometimento da referida legitimidade ocorre em virtude do não convencimento dos administrados ou jurisdicionados sobre a validade do mérito da decisão, na medida em que se desconsideram fundamentos imprescindíveis para o adequado tratamento da matéria. Em suma, não se opera o conhecido fenômeno da legitimação das decisões pela observância ao adequado procedimento para sua emissão.

Por sua vez, o devido processo legal falece, pois a ampla defesa e o contraditório serão garantidos apenas se a autoridade imbuída de poder decisório considerar realmente os argumentos apresentados. Portanto, se há abertura do processo à participação dos interessados sem considerá-la de fato, tem-se o mero prestígio formal ao devido processo legal.

A economia de tempo e de esforço em correlacionar apenas as razões julgadas suficientes à decisão é perversa ao sistema jurídico, na medida em que não soluciona questões latentes levadas aos autos e, portanto, deixa pendente os juízos sobre a aplicabilidade de determinadas disposições normativas. Assim, se perpetua a insegurança sobre as matérias tratadas, sendo que o processo, ao invés de atuar como instrumento de elevação da qualidade da decisão judicial ou administrativa, acaba propiciando instabilidade e incerteza sobre sua validade e adequação.

No âmbito administrativo, por exemplo, a motivação dos atos deve considerar e avaliar especificamente as alegações produzidas pelas partes, por força de disposição legal expressa (Lei nº 9.784/99, arts. 3º, III, e 38, § 1º), sendo esse requisito decisório um direito subjetivo dos legitimados.

Em precedente relevante do Supremo Tribunal Federal – STF (MS nº 24.268/MG), o Ministro Gilmar Mendes faz detida análise entre a motivação e a garantia ao devido processo legal, afirmando que é necessária a atenção da autoridade aos argumentos apresentados, de forma a “(...) considerar, séria e detidamente, as razões apresentadas”. Para tanto, o órgão julgador deve ser dotado de “capacidade, de apreensão e de isenção de ânimo”.

Não é exagerado concluir que a proteção à ampla defesa e ao contraditório tem seu ápice na adequada motivação de uma determinada decisão estatal, na qual são consideradas todas as alegações das partes e exposta a valoração realizada pelo julgador.

Em face da aplicação meramente formal do dever de motivar, restam às partes buscar a reforma de tais decisões, com vistas à obtenção de novo posicionamento administrativo ou judicial que considere os argumentos apresentados, acolhendo ou rejeitando-os de forma expressa. Os instrumentos jurídicos para suprir tais deficiências são notórios: recursos, inclusive os embargos de declaração.

No âmbito administrativo, também existem previsões para interposição dos referidos embargos de declaração em alguns regulamentos, com aplicação subsidiária do Código de Processo Civil ou em disciplinas específicas (v.g. Resolução nº 26/2002 do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE).

Como se vê, o dever de motivar consiste em garantia dos interessados tanto no processo administrativo quanto no judicial, sendo exercida pela autoridade de forma plena e correta apenas quando considerar especificamente todos os argumentos trazidos aos autos, como medida apta a resguardar a legitimidade da decisão, o devido processo legal, a segurança jurídica e a celeridade em sua tramitação.

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*Sócio de Advocacia Waltenberg. Mestrando <_st13a_personname productid="em Direito Econômico" w:st="on">em Direito Econômico e Financeiro pela USP. Professor da Sociedade Brasileira de Direito Público – SBDP. Assistente na Faculdade de Direito da PUC/SP




 

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