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Defesa da concorrência na prática: medidas para um ano de desafios e oportunidades

O objetivo deste artigo é chamar a atenção para quatro medidas importantes que podem ajudar a sua empresa, neste início de ano.

17/1/2018

Na preparação para enfrentar os desafios de 2018, as empresas que atuam no Brasil, inclusive aquelas que somente exportam para cá, parecem cada vez mais atentas ao cumprimento das regras da lei brasileira de defesa da concorrência (lei 12.529/11). Nenhuma estratégia empresarial que se pretenda exitosa pode desconsiderar importantes decisões tomadas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em 2017, envolvendo fusões, aquisições, joint-ventures, contratos diversos, práticas comerciais e contatos entre concorrentes e não concorrentes (incluindo distribuidores e fornecedores de insumos).

Os conselhos de administração e as diretorias das empresas com atuação no Brasil terão condições de tomar decisões ainda mais adequadas para o desenvolvimento de seus negócios, se conseguirem transmitir constantemente aos seus colaboradores orientações claras não só sobre como agir para evitar a imposição de pesadas multas e outras sanções pelo Cade (como venda de ativos e proibição de participar de licitações), mas também sobre como se preparar para se beneficiar da atuação independente e eficiente do Cade (e do Poder Judiciário), na aplicação da moderna lei brasileira de defesa da concorrência.

Nesse contexto, o objetivo deste artigo é chamar a atenção para quatro medidas importantes que podem ajudar a sua empresa, neste início de ano: (i) a reduzir a exposição a possíveis sanções por descumprimento da legislação de defesa da concorrência, (ii) a usar de maneira adequada as oportunidades geradas por um sistema de defesa da concorrência maduro e por uma legislação moderna, bem como (iii) a obter as aprovações às suas operações de fusão, aquisição e joint-venture, da melhor forma possível:

I. Insistir na adoção de práticas comerciais autônomas, razoáveis e justificáveis, evitando trocas de informações com concorrentes, seja diretamente seja no âmbito de associações de classes.

Vários dos 17 processos administrativos1 iniciados e divulgados pela Superintendência Geral do Cade em 2017 envolveram contatos entre colaboradores dos mais variados níveis e trocas de informações – consideradas sensíveis pelo Cade – entre empresas com atuações nos mesmos mercados relevantes2, de serviços médicos de diversas especialidades, de serviços de manutenção predial, de serviços hospitalares, de comércio atacadista de têxteis, de serviços de execução de obras públicas, de serviços de transporte de cargas e contêineres no Porto de Santos, de leite pasteurizado tipo C e de distribuição e revenda de combustíveis automotivos.

E-mails, mensagens de WhatsApp e conversas telefônicas têm sido efetivamente levadas em conta pelo Cade nas investigações de práticas anticompetitivas, como cartéis3 e abusos de posição dominante4. Investigações complexas e que geram custos relevantes para as empresas durante vários anos foram iniciadas com base em documentos que podem ter várias interpretações distintas. Continua sendo fundamental ter cuidado na redação das mensagens trocadas internamente nas empresas; e, principalmente, enviadas a terceiros, concorrentes ou não. A regra de ouro é evitar exageros e termos ambíguos, que geram discussões desnecessárias.

Assim, vale reforçar, internamente e de forma recorrente em todas as manifestações da diretoria, a orientação do Cade para (a) "nunca compartilhar com concorrentes informações próprias confidenciais, concorrencialmente sensíveis"5 (envolvendo custos, nível de capacidade e planos de expansão; estratégias de marketing, precificação de produtos; principais clientes; salários de funcionários; listas de fornecedores e termos dos contratos celebrados, por exemplo); e (b) "não discutir, negociar, fazer acordo com concorrentes sobre preços ou divisão de mercados e/ou estabelecimento de limites de atuação no que se refere a territórios, produtos e/ou clientes". Como as empresas sabem que formalizar acordos dessa natureza é ilegal, o Cade já condenou várias empresas com base em prova indireta de que elas não agiram de forma independente, como esperado.

Especial atenção deve ser dada neste início de ano aos contratos firmados com distribuidores e representantes comerciais, principalmente aqueles que têm interesse em participar de licitações públicas. O Cade tem um grupo de profissionais que conta com tecnologias e metodologias sofisticadas para avaliar o comportamento dos licitantes e potenciais licitantes nos milhares de procedimentos licitatórios que acontecem no país todos os anos. Como o Cade considera fabricantes e distribuidores como concorrentes quando eles participam ou podem participar dos mesmos certames licitatórios, cabe rever as políticas comerciais – mesmo aquelas mais antigas – para evitar questionamentos.

Vale também rever neste início de ano a participação dos colaboradores em associações de classe, que é um direito reconhecido constitucionalmente. O Cade entende que é relevante coibir os abusos cometidos no âmbito das associações, razão pela qual tem investigado e punido associações por indução à adoção de conduta comercial uniforme. As associações precisam assim revisitar constantemente seus procedimentos internos com ajuda de profissionais independentes para evitar situações sensíveis. O foco do Cade tem sido os encontros, ainda que em feiras e congressos; e contatos por escrito, que revelam discussões de temas que podem gerar a diminuição das incertezas naturais do processo competitivo que o Cade pretende preservar. Em 2017, 9 processos administrativos envolvendo associações de classe foram julgados pelo Cade, que condenou associações em pelo menos 6 dos processos por prática de cartel.

II. Tratar com cuidado e rapidez os resultados das investigações internas em que foram identificadas situações de suspeita de descumprimento da legislação.

Neste início de ano, faz sentido não só rever os procedimentos internos que garantem o cumprimento da lei de defesa da concorrência, mas também cobrar soluções para os problemas identificados durante os anos anteriores e/ou confirmar as estratégias definidas para lidar com tais problemas, já que o Cade considera que tem até 12 anos6 para iniciar uma investigação contra uma empresa ou um indivíduo por prática de cartel.

De acordo com o Cade, em 2017, foram recordes (i) o número de acordos de leniência, que garantem imunidade e são firmados apenas pelo primeiro infrator a se apresentar ao Cade; bem como (ii) o número de termos de compromisso de cessação, que são acordos disponíveis aos demais infratores e permitem a negociação com o Cade dos valores de contribuição pecuniária a serem pagos pelas infrações. Esses números revelam que as empresas foram ágeis e procuraram a autoridade para negociar benefícios para garantir a imunidade ou a redução dos valores das multas que poderiam ser aplicadas ao final dos processos administrativos para imposição de sanções por condutas anticompetitivas.

Foram mais de 307 acordos de leniência e mais de 65 termos de compromisso de cessação firmados pelo Cade em 2017. O Cade arrecadou mais de R$ 840 milhões com o pagamento de contribuições por empresas, associações de classe e indivíduos que confessaram suas condutas anticompetitivas, forneceram documentos e negociaram os valores que pagariam para evitar a imposição das sanções previstas na lei de defesa da concorrência, que podem chegar a 20% do faturamento bruto da empresa ou do seu grupo econômico, no setor de atividade econômica em que ocorreu a conduta anticompetitiva.

A implementação periódica de programas de compliance antitruste efetivos não só aumenta a chance das empresas de identificar mais cedo as situações que poderiam gerar investigações, como também pode contribuir, de acordo com o Cade, para a mitigação da pena no caso de condenação. O resultado tende a ser a preservação da reputação da empresa, tão difícil de construir e tão fácil de destruir nos dias atuais, dado o excesso de informação disponível nas redes sociais.

III. Observar constantemente o comportamento de concorrentes, distribuidores e fornecedores, para avaliar as medidas que podem (e devem) ser tomadas caso se identifiquem condutas anticompetitivas por parte de tais agentes.

Foi-se o período em que as empresas pensavam na atuação do Cade no Brasil apenas quando tinham seus contratos e atos sob investigação ou quando submetiam, para aprovação, suas operações de fusão, aquisição e joint-venture.

O Cade tem recebido um número cada vez maior de denúncias de empresas e de indivíduos que questionam o comportamento de concorrentes e de fornecedores no mercado brasileiro. São crescentes não só o número de representações de empresas que identificam os indícios de condutas anticompetitivas por parte de empresas concorrentes e fornecedoras, mas também o número de oposições que empresas e/ou associações de classe fazem a fusões e aquisições de outras empresas, com base em dados de mercado que efetivamente podem contribuir para a análise da autoridade.

As empresas devem, portanto, ficar atentas às oportunidades que a atuação independente e eficiente do Cade – na condução das investigações das condutas anticompetitivas e nas análises de operações de fusão e aquisição – pode trazer para todos os agentes de mercado. Mesmo que os processos ainda não sejam tão céleres como alguns gostariam, é preciso ter ciência dos poderes que o Cade têm para intervir de maneira rápida – mediante a adoção de medidas preventivas -- para evitar danos maiores aos mercados afetados por condutas anticompetitivas.

Além disso, as empresas devem se informar sobre a nova onda de aplicação da legislação brasileira de defesa da concorrência que deve compreender (i) um aumento no número de investigações administrativas do Cade relacionadas aos abusos das empresas que detêm posição dominante (com pelo menos 20% de participação de mercado) nos mercados relevantes em que atuam; e (ii) um aumento do número das ações de indenização por danos decorrentes de condutas anticompetitivas.

Os conselhos de administração e as diretorias das empresas devem, portanto, estar preparados para exigir, daqueles que praticaram condutas anticompetitivas, que paguem indenizações pelos prejuízos causados com a aquisição de produtos e serviços com preços superfaturados. Nesse contexto, deve fazer parte do plano de negócios das empresas que atuam no Brasil o conhecimento aprofundado da atuação dos seus parceiros comerciais, que eventualmente podem, em razão de suas condutas incompatíveis com a lei de defesa da concorrência, gerar prejuízos financeiros que podem vir a ser recuperados mediante o ajuizamento de ações judiciais ou mesmo por meio de acordo. A publicidade dada pelo Cade às investigações de condutas anticompetitivas – e também a determinados documentos envolvendo empresas investigadas - é fundamental para viabilizar as ações privadas dos que foram prejudicados por condutas anticompetitivas.

Em 2017, o Cade instaurou processos administrativos contra empresas que atuam em setores que afetam milhares de outras empresas e milhões de consumidores. Em 2018, a expectativa é a de que mais de 30 novos processos sejam concluídos, com ou sem a aplicação de sanções, mas certamente gerando mais informações a toda a sociedade sobre as condutas que devem ser evitadas, dadas as suas circunstâncias específicas, as condições dos mercados envolvidos e/ou os efeitos, potenciais ou efetivos, gerados no Brasil.

IV. Organizar e monitorar informações sobre a empresa e os mercados relevantes em que ela atua, principalmente se ela tiver uma participação de mercado de ao menos 20%, dada a possibilidade de envolvimento em operações de fusão, aquisição e joint-venture.

Considerando que a legislação brasileira presume que a empresa que detém ao menos 20% de participação de mercado em um determinado mercado relevante detém posição dominante, todas as empresas nessa condição estão mais sujeitas a questionamentos por parte da autoridade, bem como estão em uma situação mais sensível caso venham a negociar contratos de compra e venda de ativos e/ou de participações societárias.

Empresas nessas condições ou que tenham interesse ou sejam sujeitas a propostas de aquisição ou fusão nos próximos meses devem se preparar para tais processos. Todo o cuidado é necessário na redação de documentos internos, sejam aqueles relacionados ao dia-a-dia das empresas, sejam aqueles relacionados aos processos de compra e venda. Os documentos internos podem ser demandados nos processos de análises do Cade e podem colocar em riscos as estratégias das empresas, caso contenham termos dúbios ou equivocados.

Se os faturamentos brutos dos grupos econômicos, no Brasil, forem maiores que R$ 75 milhões em 2017, vale contar com análises específicas não só sobre a necessidade de notificação das operações para aprovação prévia do Cade, mas também sobre a viabilidade das operações do ponto de vista da concentração gerada.

Em 2017, após concluir aprofundada análise prévia, o Cade impediu o fechamento de três operações relevantes (envolvendo grupos econômicos que tiveram faturamentos brutos, em 2016, maiores do que R$ 750 milhões de um lado e R$ 75 milhões de outro). O Cade tem sido bastante rigoroso na análise de operações de fusão e aquisição envolvendo empresas consideradas concorrentes. Em outubro de 2017, o Cade reprovou a compra, pela JBJ Agropecuária Ltda., da totalidade do capital social da Mataboi Alimentos Ltda., no mercado de abate de gado e de comercialização de carne bovina "in natura" e subprodutos do abate. Em agosto de 2017, o Cade rejeitou a proposta de aquisição da distribuidora de combustíveis Alesat Combustíveis S.A. pela concorrente Ipiranga Produtos de Petróleo S.A. Em junho de 2017, o Cade reprovou a aquisição da Estácio Participações S.A. pela Kroton Educacional S.A., consideradas as duas maiores instituições privadas de ensino superior do Brasil. Nestes três casos, o Cade entendeu que, nos mercados de atuação das empresas participantes das operações, o nível de rivalidade era baixo enquanto as barreiras à entrada eram altas. Além disso, não foi possível chegar a acordos com as partes no sentido de adotar remédios capazes de neutralizar os riscos à concorrência identificados durante as análises das operações.

Em razão do rigor verificado nas decisões proferidas pelo Cade em 2017, faz todo sentido contar com assessoria especializada em direito da concorrência antes de fazer qualquer esforço negociador no sentido de adquirir participações societárias ou ativos de empresas que já detenham poder de mercado considerável nos setores econômicos em que atuam. O Cade está bastante atento a operações que, mesmo sem envolver grupos econômicos com faturamentos superiores a R$ 75 milhões, possam gerar concentrações de mercado significativas em determinadas regiões do Brasil. O Cade tem se mostrado vigilante e já exigiu a notificação de operações que não preenchiam os requisitos legais que impõem a notificação prévia.

A tendência é a de que o Cade continue concluindo em menos de 30 dias a análise de operações de fusão e aquisição que não geram preocupações concorrenciais e seja mais rigoroso nas análise das operações e imponha condições (como venda de ativos ou licenciamento de marcas, por exemplo) sempre que houver envolvimento de concorrentes importantes e também for possível vislumbrar, em um cenário pós-operação, probabilidade de exercício abusivo do poder econômico adquirido, principalmente nos mercados em que houver um histórico de condutas anticompetitivas. As empresas podem se beneficiar se conhecerem bem os mercados em que atuam e tiverem condição, com a alocação de equipes especializadas, de compilar dados, de maneira organizada, célere e consistente, para apresentá-los às autoridades, se e quando necessário.

Recapitulando, as empresas que pretendem crescer em um ano difícil como este devem investir tempo e recursos para:

I. Insistir na adoção de práticas comerciais autônomas, razoáveis e justificáveis, evitando trocas de informações com concorrentes, seja diretamente seja no âmbito de associações de classes;

II. Tratar com cuidado e rapidez os resultados das investigações internas em que foram identificadas situações de suspeita de descumprimento da legislação;

III. Observar constantemente o comportamento de concorrentes, distribuidores e fornecedores, para avaliar as medidas que podem (e devem) ser tomadas caso se identifiquem condutas anticompetitivas por parte de tais agentes; e

IV. Organizar e monitorar informações sobre a empresa e os mercados relevantes em que ela atua, principalmente se ela tiver uma participação de mercado de pelo menos 20%, dada a possibilidade de envolvimento em operações de fusão, aquisição e joint-venture.

No atual estágio de desenvolvimento do sistema brasileiro de defesa da concorrência, é fundamental que sejam levados ao conhecimento dos conselhos de administração e diretorias das empresas, periodicamente, os riscos, mas também as oportunidades decorrentes da atuação do Cade e do envolvimento do Ministério Público e do Poder Judiciário, na aplicação da lei de defesa da concorrência. A adoção das medidas indicadas aqui possivelmente ajudará que 2018 seja um ano de muita prosperidade!______________________

1
Pesquisa realizada no sistema do Cade – SEI.

2 De acordo com o site do Cade "O mercado relevante é a unidade de análise para avaliação do poder de mercado. É o que define a fronteira da concorrência entre as firmas. A definição de mercado relevante leva em consideração duas dimensões: a dimensão produto e a dimensão geográfica. A ideia por trás desse conceito é definir um espaço em que não seja possível a substituição do produto por outro, seja em razão do produto não ter substitutos, seja porque não é possível obtê-lo. Assim, um mercado relevante é definido como sendo um produto ou grupo de produtos e uma área geográfica em que tal(is) produto(s) é (são) produzido(s) ou vendido(s), de forma que uma firma monopolista poderia impor um pequeno, mas significativo e não transitório aumento de preços, sem que com isso os consumidores migrassem para o consumo de outro produto ou o comprassem em outra região. Esse é o chamado teste do monopolista hipotético e o mercado relevante é definido como sendo o menor mercado possível em que tal critério é satisfeito.".

3 De acordo com o Guia de Compliance do CADE, a "conduta de cartel está prevista especialmente no art. 36, §3º, incisos I e II, LDC e consiste na união de concorrentes de forma a manipular o mercado para (i) aumentar preços ou impedir sua alteração, (ii) restringir a quantidade de produtos no mercado – limitar a oferta, (iii) promover divisão de mercado e (iv) coordenar a atuação em processos licitatórios".

4 De acordo com o site do Cade, "Abuso de posição dominante ocorre quando uma empresa que possui posição dominante, conforme disposto na Lei 12.529/11, adota condutas anticompetitivas, como [por exemplo] recusa de contratar ou acordo de exclusividade, com o objetivo de dominar o mercado de bens ou serviços em que atua.".

6 Entendimento embasado, de acordo com o Cade, no artigo 46, § 4º, da lei 12.529/11 e c/c 109, III, do Código Penal.

7 Cade fecha recorde de 31 acordos de leniência em 2017
_______________________

*Leonardo Peres da Rocha e Silva é sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados.










*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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