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Reforma trabalhista: a perícia e o assédio

A reforma não se trata absolutamente de revide ao trabalhador, mas tão somente de reequilíbrio às relações de trabalho.

15/1/2018

É até compreensível que os apedeutas digam que a reforma trabalhista retirou direitos dos trabalhadores, vez que a imprensa marrom divulgou maciçamente tal inverdade. Porém, quando tal afirmação (de que a reforma acabou com direitos trabalhistas) é oriunda de um operador do Direito, que não é absolutamente leigo na questão, só podemos entender que existe intenção secundária em suas colocações.

A reforma não acabou com nenhum direito trabalhista, inclusive criou limites ao estipular direitos que não podem ser negociados, tais como a remuneração do empregado (respeito ao salário mínimo, o 13º salário, o valor mínimo da hora extra em 50% superior ao da hora normal e a remuneração do trabalho noturno superior à do diurno), os adicionais de risco (insalubridade e periculosidade), o repouso semanal remunerado, as férias devidas e um terço, o seguro-desemprego, o FGTS, o aviso prévio, as normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, a aposentadoria, salário-família, licença-maternidade, licença-paternidade, entre outros, que continuam preservados. A propósito, quais foram os direitos que a reforma trabalhista retirou dos empregados?

Ademais, até o momento as empresas não tomaram quaisquer medidas originárias da reforma, tais como demissões coletivas ou alterações nos contratos de trabalho, ainda que a reforma esteja em vigor, em razão da imprevisibilidade do posicionamento do próprio Judiciário.

A reforma não se trata absolutamente de revide ao trabalhador, mas tão somente de reequilíbrio às relações de trabalho. Porém, o mais inquietante é ouvir este discurso Marxista de um juiz, o qual, em hipótese alguma, poderia enxergar as partes segundo suas próprias ideologias, sob pena de se tornar suspeito a exercer seu próprio trabalho: o julgamento de lides. Fundamentalmente é preciso isenção para não imputar a má-fé do trabalhador como regra, tampouco que as empresas reputem que sonegar direitos trabalhistas é um ótimo negócio.

Atuei como Perito Judicial Trabalhista por quase três décadas e, convivi com as maiores barbáries realizadas por trabalhadores e empresas. Seria tendencioso afirmar que somente trabalhadores abusam das prerrogativas da lei; porém encontrei reclamantes que colecionavam até 6 (seis) processos trabalhistas contra diferentes empresas. Ora, será que nenhuma empresa agiu corretamente com este trabalhador ou, será que este postulante tinha um advogado de plantão para ingressar com ação ao final de cada contrato de trabalho?

Por outro lado, os pedidos de insalubridade e periculosidade frequentemente foram utilizados para forçar um acordo em primeira audiência, transformando o processo trabalhista em verdadeiro jogo de erro e acerto: se o reclamante for vitorioso na perícia, ganha o adicional, se for sucumbente, não perde nada, nem mesmo é obrigado a realizar o pagamento dos honorários periciais.

Desta forma não há nada de perverso em se transferir o pagamento dos honorários periciais ao eventual reclamante sucumbente, já que a empresa também paga tais honorários, quando é sucumbente no resultado da perícia, critério que foi criado pela própria Justiça do Trabalho. O que se espera da Justiça é o tratamento equânime das partes, pois caso contrário dever-se-ia alterar o nome desta para "Justiça do Trabalhador".

Por óbvio que é o Perito Judicial quem pode se manifestar acerca do objeto da perícia e, sugerir uma conclusão; no entanto, não é deste a sentença final quanto ao resultado pericial, vez que nos termos do art. 479 do CPC, o juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito.

Além do que, é preciso salientar que apesar de leigos quanto à matéria técnica, o reclamante e seu advogado são capazes minimamente de avaliar se cabe, ou não, o adicional de risco em seu ambiente de trabalho, ou se o autor é verdadeiramente portador de uma doença ocupacional.

Desta forma, a reforma trabalhista não inibirá absolutamente o pedido certeiro quanto ao resultado favorável, mas tão somente aquele temerário e aventureiro e cuja probabilidade de sucesso seja remota. Ademais, não pode e, não deve o Estado pagar pelas apostas do reclamante. Não olvidemos ainda que no processo civil, aquele que requer uma perícia, deve depositar seus honorários antecipadamente.

Não olvidemos também que aquele que ingressa com um processo civil deve ter certeza de seu direito, sob pena de pagar sucumbência à parte contrário, bem como custas judiciais. Por que no processo trabalhista haveria de ser diferente? Porque o trabalhador é hipossuficiente. Ora, estamos em pleno século XXI e, querem fazer crer que o trabalhador é o mesmo dos idos da década de 40, quando a CLT foi promulgada. Querem equiparar o trabalhador ao incapaz, ao silvícola ou ao analfabeto? A quem interessa esta tutela exagerada? Nos dias atuais o trabalhador possui inúmeras fontes para se informar acerca de seus direitos e, de fato, em algumas oportunidades conhece mais o Direito do Trabalho que o próprio empregador. Além do que, a facilidade em se conseguir um advogado, que sequer cobra honorários antecipados, mas tão somente litiga pelo êxito da ação, coloca o trabalhador em patamar bem diferente daquele existente nos anos 40.

Infelizmente o trabalhador brasileiro fez péssimo uso da Justiça do Trabalho, transformando-a em verdadeira loteria jurisdicional, ingressando com quase 4 milhões de processos só no ano de 2016, transformando o Brasil em campeão mundial de ações trabalhistas. Por seu turno, a litigância de má-fé é algo frequente, pois como perito judicial, presenciei muitas situações em que os autores foram enviados para acompanhar sua perícia; no entanto, estes sequer sabiam que seus advogados teriam requerido adicional de insalubridade e/ou periculosidade.

Pedir não custava nada e, sabedores desta condição, reclamantes engrossavam seus pedidos na inicial na tentativa de obter mais vantagem e, em consequência, importância muito maior do que o que realmente seria devida.

Por outro lado, se entendermos que é punição ao trabalhador impor o pagamento dos honorários periciais em caso de sucumbência, então, teremos de concordar que também será punição impor o pagamento de honorários sucumbenciais, bem como custas judiciais, aqueles que não são vitoriosos em outros ramos de nossa Justiça. A questão de impor pena ao perdedor, os conhecidos despojos de guerra, é antiga e, inclusive alvo de menção bíblica. Tais verbas funcionam como verdadeiros freios contra o uso imoderado e oportunístico da Justiça. Se não houvesse qualquer desestímulo ao ingresso no Judiciário, talvez este órgão fosse a maior repartição existente no Brasil. A justiça gratuita é uma verdadeira mola propulsora ao uso desmesurado da Justiça.

Sob a ótica do perito judicial, anteriormente à reforma, o Expert somente recebia seus honorários caso a empresa fosse sucumbente, uma vez que invariavelmente o reclamante sempre era beneficiário da justiça gratuita e, nunca era responsabilizado pelo pagamento de honorários periciais. Esta situação era perversa, vez que o Auxiliar da Justiça deveria atuar de forma legalista e até mesmo tendenciosa para garantir seu sustento, pois caso contrário jamais poderia contar com os honorários periciais para sobreviver.

Com a reforma, se vislumbra o pagamento dos honorários periciais pelo autor sucumbente, o que inibe o ingresso de pedidos temerários, com finalidade apenas de forçar acordo com a reclamada. Como já prevíamos, o número de perícias se reduzirá; no entanto, qualitativamente deverá haver menor sucumbência ao reclamante.

Desta forma, é ilegítimo utilizar o mote da perícia judicial para tentar colocar abaixo alguns preceitos da reforma trabalhista. A reforma trará avanços, melhorando sensivelmente as relações de trabalho, fazendo valer a vontade das partes no contrato de trabalho e, fundamentalmente sem retirar um único sequer direito do trabalhador. Assim, é próprio do ser humano opor resistência às mudanças, porém, opor resistência à mudança positiva é, no mínimo, falta de sabedoria.

Finalmente, o fato do juiz advertir o reclamante, ou quaisquer das partes, acerca de direito ou dever destas, não pode absolutamente ser tido como ameaça ou assédio, pois se assim fosse, o juiz então não poderia propor acordo entre as partes, não poderia proferir o termo de compromisso para a testemunha (este sim é ameaçador!), tampouco poderia sinalizar que determinado pedido é exagerado etc.

O Brasil experimentou 13 anos de retrocesso social e, não pode se dar ao luxo de postergar o crescimento econômico para venerar uma CLT obsoleta, retrógrada e decadente. 2018 é o ano de virar a página desta triste história e, caminhar em frente.

__________

*Antonio Carlos Vendrame é engenheiro de segurança do trabalho, perito judicial, professor com experiência nas áreas de segurança, saúde e meio ambiente e diretor da Vendrame Consultores.

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