A lei 11.101/05, que regula a recuperação judicial, extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, nada disciplinou quanto a possibilidade do litisconsórcio ativo na recuperação judicial. Entretanto, tal possibilidade foi amplamente aceita pela doutrina e admitida pele jurisprudência.
Sobre o litisconsórcio ativo na recuperação judicial, assim explica Paulo Fernando Campos Salles de Toledo1:
O fato de não haver previsão na lei brasileira para a crise de grupos de empresa e a circunstância de não terem eles personalidade jurídica, e, consequentemente, não disporem de legitimação ativa para impetrar recuperação judicial, acarretaram um problema para o qual se encontrou resposta engenhosa. Com efeito, a crise de uma empresa integrante de um grupo econômico pode vir a afetar a outras que igualmente dele participem. As características grupais, no entanto, exigem uma visão de conjunto, que a recuperação judicial de uma das empresas do grupo não iria proporcionar.
Como compatibilizar essa situação com o sistema jurídico? A ideia luminosa foi a de ingressar em juízo com pedido de recuperação judicial formulado por todas ou parte das sociedades integrantes do grupo, uma vez que estas, sim, são dotadas de legitimidade ativa.
O direito processual apoia a via adotada, por meio do instituto do litisconsórcio ativo. As hipóteses o justificam, previstas no art. 46 do CPC, autorizam a iniciativa, ante a conexão ocorrente as pretensões relativas às diversas impetrantes.
Ensina ainda Fábio Ulhôa Coelho2:
A lei não cuida da hipótese, mas tem sido admitido o litisconsórcio ativo na recuperação, desde que as sociedades empresárias requerentes integrem o mesmo grupo econômico, de fato ou de direito, e atendam, obviamente, todas aos requisitos legais de acesso à medida judicial.
Nesse sentido, segue julgado do Egrégio Tribunal do Estado de São Paulo:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. LITISCONSÓRCIO ATIVO DE EMPRESAS INTEGRANTES DO MESMO GRUPO ECONÔMICO DE FATO. POSSIBILIDADE. Interesse e legitimidade da holding para o pedido recuperacional. Balancete da empresa que demonstra que seu patrimônio líquido atual é insuficiente para saldar as dívidas decorrentes de aval prestado nos contratos firmados por outra empresa do mesmo grupo econômico. Atendimento do disposto no art. 47 da lei 11.101/05. Viabilidade do processamento do pedido recuperacional conjunto. Intenso vínculo negocial existente entre as agravadas. Celebração de diversos negócios em conjunto e estabelecimento de garantias cruzadas prestadas entre as recuperandas. Decisão agravada mantida. Recurso improvido.3
Diante da possibilidade da formação de litisconsórcio ativo na recuperação judicial, surgiram dúvidas quanto ao plano de recuperação judicial a ser apresentado. Deveria ser ele um plano único que contemplaria todo o grupo econômico ou deveria haver a apresentação de um plano unitário para cada empresa em recuperação?
A doutrina e a jurisprudência se encontraram divididas em relação a essa questão.
O professor Paulo Fernando Campos Salles de Toledo4 entende que o plano a ser apresentado deve ser único:
Admitido o processamento unificado dos pedidos de recuperação formulados pelas integrantes do grupo, resta, agora, saber se cada uma delas apresentar seu próprio plano, ou se um único, conjunto e abrangente, poderia ser proposto aos credores.
O bom senso e a economia processual indicam que apresentação de diferentes planos, um para cada sociedade em recuperação, acarretaria a realização de diversas assembleias, em datas não coincidentes. Isso acontecendo, a duração dos processos iria naturalmente prolongar-se, e os custos (fator particularmente importante tratando-se de empresas em crise) iriam multiplicar-se. Além do mais, haveria uma desnecessária complexidade, sem correspondente eficácia.
Justifica-se, portanto, a apresentação de plano único. Tem-se, desse modo, adequada visão de conjunto, com redução de custas e ganho de eficácia.
Entretanto, assinalada o autor que a adoção de um plano único deve exigir alguns cuidados, tal qual respeitar a individualidade de cada empresa pertencente ao grupo econômico, uma vez que o grupo em si não possui personalidade jurídica de modo a não haver confusão patrimonial.5
Nesse sentido, seguem julgados dos Tribunais Pátrios:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - DEFERIMENTO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL - PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUÍZO REJEITADA - CARACTERIZAÇÃO DE GRUPO ECONÔMICO - POSSIBILIDADE DE APRESENTAÇÃO DE UM ÚNICO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL - ALTERAÇÃO DO PLANO NA ASSEMBLÉIA GERAL DE CREDORES - AUSÊNCIA DE IRREGULARIDADE - PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ARTIGO 58, §§ 1º E 2º, DA LRF - INEXISTÊNCIA DE TRATAMENTO DIFERENCIADO PARA OS CREDORES QUE REJEITARAM PLANO -PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA - FUNÇÃO SOCIAL - PODER-DEVER DO MAGISTRADO - RECURSO DESPROVIDO. Não se configura a alegada incompetência absoluta do juízo se o pedido de recuperação foi pleiteado na comarca onde se concentra o centro de comando de todas as empresas recuperandas, onde residem seus principais acionistas e administradores. Não há ilegalidade na apresentação de um único plano de recuperação judicial quando se trata de um grupo econômico. Precedente do TJSP. A Assembleias Geral de Credores é soberana em suas decisões, desde que respeitados os limites legais. Assim, se as alterações apresentadas pelas devedoras foram aprovadas pela maioria dos credores, não se vislumbrando a existência de ilegalidades que possam ensejar na sua anulação, devem permanecer incólumes. É possível a adoção de prazos e critérios distintos para cada classe de credores, desde que não haja diferenciação, dentro da mesma classe, para aqueles que votaram contrariamente à aprovação do plano de recuperação. Preenchidos os requisitos do artigo 58, §§ 1º e 2º, da lei 11.101/05, o magistrado tem o poder-dever de aprovar o plano de recuperação judicial, atendendo assim ao princípio da preservação da empresa e sua função social, que norteiam o diploma legal que rege a matéria.6
Agravo de instrumento. Recuperação judicial. Competência fixada em razão da sede do principal estabelecimento das agravadas e de prevenção gerada por pedido de falência anteriormente distribuído pela própria agravante contra as agravadas (art. 6º § 8º, da lei 11.101/05). Litisconsórcio ativo. Possibilidade. Precedentes. Perícia técnica para apurar a viabilidade das agravadas. Questão não jurídica que refoge à competência do Poder Judiciário. Apresentação de plano único de recuperação judicial. Necessidade. Eventuais distorções dos créditos individuais que devem ser apreciadas e corrigidas caso a caso. Decisão mantida. Agravo a que se nega provimento.7
Por outro lado, há quem defenda a apresentação de um plano unitário para cada empresa, sob o argumento de que deve ser observado o princípio da pars conditio creditorum, preservando-se a votação somente pelos credores de cada empresa e também como modo se evitar a confusão patrimonial entre as empresas do grupo.
Nesse sentido, seguem julgados dos Tribunais Pátrios:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DEFERIMENTO DO PROCESSAMENTO. GRUPO ECONÔMICO. LITISCONSÓRCIO ATIVO. APRESENTAÇÃO DE PLANO INDIVIDUALIZADO. NECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DE PLANO INDIVIDUALIZADO PARA CADA UMA DAS RECUPERANDAS, SOBRETUDO DIANTE DA OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA PARS CONDITIO CREDITORUM, A FIM DE PRESERVAR A VOTAÇÃO SOMENTE PELOS CREDORES DE CADA EMPRESA. RECURSO DESPROVIDO.8
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. GRUPO ECONÔMICO DE FATO. LITISCONSÓRCIO ATIVO. POSSIBILIDADE. PLANO DE RECUPERAÇÃO. APRESENTAÇÃO E VOTAÇÃO CONJUNTAS. IMPOSSIBILIDADE. A LEI 11.101/05, EMBORA SILENTE, NÃO VEDA A FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO ATIVO NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL, ESPECIALMENTE QUANDO AS RECUPERANDAS INTEGRAM UM MESMO GRUPO ECONÔMICO DE FATO, COMPOSTO PELA MESMA FORMAÇÃO SOCIETÁRIA E ORIENTADO PELO MESMO CONTROLE DIRETIVO. O LITISCONSÓRCIO ATIVO, CONTUDO, NÃO AUTORIZA A APRESENTAÇÃO UNIFICADA DO PLANO DE RECUPERAÇÃO E TAMPOUCO A SUA VOTAÇÃO CONJUNTA, SOB PENA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DO PARS CONDITIO CREDITORUM. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.9
Observa-se que não há um entendimento pacificado a respeito do modo que deve ser apresentado o plano de recuperação em caso de recuperação judicial de grupo econômico. Ademais, porque a Lei de Recuperação Judicial é omissa em relação a isso e o Superior Tribunal de Justiça, a quem cabe pacificar a questão, não firmou um entendimento consolidado sobre como a recuperação judicial de grupo econômico dever ser conduzida.
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1 SALLES DE TOLEDO, Paulo Fernando Campos. Temas de Direito Empresarial e outros estudos em homenagem ao professor Luiz Gastão Paes de Barros Leães. Coord. Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França e Marcelo Vieira von Adamek. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 349.
2 COELHO, Fabio Ulhôa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresa. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 139.
3 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Primeira Câmara Reservada de Direito Empresarial. Agravo de instrumento 2014254-85.2016.8.26.0000. Relator: Hamid Bdine. Julgado em: 15/06/16. Acesso em: 06/01/18.
4 SALLES DE TOLEDO, Paulo Fernando Campos. Temas de Direito Empresarial e outros estudos em homenagem ao professor Luiz Gastão Paes de Barros Leães. Coord. Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França e Marcelo Vieira von Adamek. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 350.
5 Ibidem. p. 351.
6 MATO GROSSO. Tribunal de Justiça do Mato Grosso. Primeira Câmara Cível. Agravo de instrumento 8119/11. Relator: Orlando De Almeida PerrI. Julgado em: 10/05/11. Acesso em: 06/01/18.
7 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Primeira Câmara Reservada de Direito Empresarial. Agravo de instrumento 21783664220148260000. Relator: Pereira Calças. Julgado em: 09/12/14. Acesso em: 06/01/18.
8 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Quinta Câmara Cível. Agravo de Instrumento 70071551592. Relator: Isabel Dias Almeida. Julgado em: 29/03/17. Acesso em: 06/01/18.
9 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Terceira Câmara Cível. Agravo de instrumento 1.0441.15.000772-8/001. Relator: Albergaria Costa. Julgado em: 25/08/16. Acesso em: 06/01/17.
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COELHO, Fabio Ulhôa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresa. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
MATO GROSSO. Tribunal de Justiça do Mato Grosso. Primeira Cível. Agravo de instrumento 8119/11. Relator: Orlando De Almeida PerrI. Julgado em: 10/05/11. Acesso em: 06/01/18.
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Terceira Câmara Cível. Agravo de instrumento 1.0441.15.000772-8/001. Relator: Albergaria Costa. Julgado em: 25/08/2016<_https3a_ _verificaassinatura.do3f_numverificador="1044115000772800120161066902" themis="" www8.tjmg.jus.br="">. Acesso em: 06/01/17.
SALLES DE TOLEDO, Paulo Fernando Campos. Temas de Direito Empresarial e outros estudos em homenagem ao professor Luiz Gastão Paes de Barros Leães. Coord. Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França e Marcelo Vieira von Adamek. São Paulo: Saraiva, 2014.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Quinta Câmara Cível. Agravo de Instrumento 70071551592. Relator: Isabel Dias Almeida. Julgado em: 29/03/17. Acesso em: 06/01/18.
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Primeira Câmara Reservada de Direito Empresarial. Agravo de instrumento 2014254-85.2016.8.26.0000. Relator: Hamid Bdine, Julgado em: 15/06/16. Acesso em: 06/01/18.
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Primeira Câmara Reservada de Direito Empresarial. Agravo de instrumento 21783664220148260000. Relator: Pereira Calças. Julgado em: 09/12/14. Disponível. Acesso em: 06/01/18.
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*Carlos Magno Luersen da Silva é advogado e estudante do curso de pós-graduação de Direito Empresarial da PUC/RS.