Em qualquer lugar do planeta, a segurança é um valor escasso atualmente. Não digo apenas no Direito, mas segurança de um modo geral — nas relações interpessoais e afetivas, nos ambientes de trabalho, nos espaços físicos, na internet, na política, na economia. Já existem muitos tratados sobre segurança jurídica e sobre conceitos de segurança em diversas áreas, mas o fato é que predomina a insegurança em face do aumento das liberdades e do pluralismo de pensamentos e valores na sociedade contemporânea.
Zygmunt Bauman, célebre sociólogo polonês, chamou nossa era de "modernidade líquida", porque, dentre outras características, rompeu esse paradigma da segurança que marcava a modernidade clássica. As novas tecnologias, sobretudo a partir da segunda metade do século XX, impactaram intensamente as culturas globais.
Houve um aumento das liberdades e do pluralismo nessa globalização tecnológica, econômica, mas também outras formas específicas de exclusão e discriminação emergiram. As sociedades de consumo tornaram muitos direitos efêmeros e até descartáveis. No entanto, o que emerge como perturbador é a perda de referências: na arte, nas religiões, na educação, nas culturas, e até mesmo nos limites do que é ou não violento, permitido ou proibido.
Assim, aumentam as discussões sobre limites às liberdades individuais versus direitos fundamentais, sem que se consiga chegar a patamares de consensos razoáveis. Deve-se proibir ou permitir determinadas condutas? A quem cabe este papel? Ao Judiciário ou ao Legislativo? A deterioração da imagem de um Poder autoriza que outro Poder ocupe os espaços que não lhe pertencem? Quais são os direitos de determinados acusados ou das pessoas em geral, diante da ambiguidade das leis ou da Constituição?
Se Bauman fala nessa modernidade líquida, assim como Zagrebelsky (jurista italiano) falava no direito dúctil (flexível), não há dúvida de que a segurança é um valor indispensável. Se não fosse, não teríamos necessidade das instituições. Os alicerces do capitalismo encontram guarida na segurança e na previsibilidade das relações. O mínimo que se espera do Judiciário, portanto, é que atue a favor da segurança jurídica, irradiando seus efeitos no Direito, na economia e em outras áreas da vida.
Implantar teoria dos precedentes no âmbito da jurisprudência é uma necessidade e um compromisso com o princípio da segurança jurídica, seja nas jurisdições cíveis, criminais ou administrativas.
E o que se constata hoje? Observamos uma atuação extremamente individualista dos operadores do Direito, exacerbando suas visões subjetivas a respeito do mundo e da realidade, à luz de uma suposta independência funcional.
Os Ministérios Públicos têm milhares de representantes espalhados pelo Brasil, e cada promotor ou procurador apresenta suas próprias convicções e interpretações. Portanto, falta dar densidade ao princípio da unidade institucional que caracterize um Ministério Público brasileiro. O mesmo se diga de muitos magistrados que não seguem a jurisprudência dos Tribunais superiores.
Na esfera administrativa, o problema se agrava, pois as autoridades, em inúmeras instâncias ou órgãos públicos, nem mesmo dão transparência a seus critérios decisórios. Fica difícil conhecer ou racionalizar a jurisprudência administrativa no Brasil.
E quanto aos tribunais superiores? Realmente decidem em colegiado ou constituem somatórios de decisões individuais? Observam seus próprios precedentes? Valem-se de técnicas corretas para fixar jurisprudência e exigir seu cumprimento por outras autoridades?
O Brasil é um país seguro para investir? Se é certo que os ambientes globais são dominados pelas incertezas, devemos repensar o papel dos operadores jurídicos e fortalecer a busca por segurança jurídica em nosso país. Penso que devemos avançar muito.
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*Fábio Medina Osório é sócio do escritório Medina Osório Advogados. Foi ministro da Advocacia-Geral da União.