A recentemente publicada resolução normativa 797/17, expedida pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, estabelece os procedimentos para o compartilhamento de infraestrutura de Concessionárias e Permissionárias de Energia Elétrica com agentes do mesmo setor, bem como com agentes dos setores de Telecomunicações, Petróleo, Gás, com a Administração Pública Direta ou Indireta e com demais interessados1 .
Trata-se de matéria extremamente importante e que vem, há um bom tempo, trazendo ao Poder Judiciário várias discussões e muitas dores de cabeça para as empresas envolvidas no compartilhamento.
Neste contexto, há de se reconhecer que a RN 797/17 vem em boa hora, principalmente quando esclarece alguns pontos essenciais na relação entre as empresas ''detentoras'' da infraestrutura e as ''ocupantes''. Algumas peculiaridades da norma são citadas nas linhas abaixo, sem prejuízo de diversos outros dispositivos importantes, mas não listados aqui.
Inicialmente, o artigo 2º da resolução traz entre suas definições as de ''ocupação à revelia'' (inciso VI) e ''ocupação clandestina'' (inciso VII), sendo a primeira caracterizada pela existência de contrato de compartilhamento, mas com infraestrutura ocupada sem constar em projeto técnico previamente aprovado, enquanto que a segunda hipótese ocorre quando sequer há instrumento formalizado e vigente entre as partes.
Referido artigo também define o que vem a ser ''contrato de interesse restrito'' como sendo aquele celebrado pelo detentor com ''pessoa jurídica titular de concessão, permissão ou autorização para exploração de serviços de energia elétrica; administração pública direta ou indireta; ou demais interessados''2 .
Mais à frente, no artigo 6º, §1º, o ente regulador trouxe algo que não estava explícito nos atos regulatórios até então vigentes: a suspensão da contagem do prazo de noventa dias para resposta formal da detentora à solicitação de compartilhamento, nos casos em que houver solicitação de ''correção, esclarecimento ou informação complementar'' e desde que esta seja devidamente fundamentada pela detentora.
Ainda no artigo 6º, o §2º evidencia a preocupação com a regularidade técnica e de segurança das instalações3 , ao exigir que os ocupantes atendam às normas NBR 15688/20094 e 15214/20055 , assim como a ''outras normas aplicáveis pelo setor elétrico''.
Importantíssimas previsões vieram dispostas no artigo 7º que, em seu caput, revela mais uma vez o compromisso com a segurança, ao expor que o compartilhamento de infraestrutura não deve comprometê-la, tanto no que se refere às pessoas, quanto às instalações, bem como não pode impactar nos ''níveis de qualidade e a continuidade da prestação dos serviços'' outorgados aos detentores.
Fica claro que o detentor da infraestrutura tem uma série de deveres (sem prejuízo das obrigações do ocupante) dentre os quais os de: a) zelar para que o compartilhamento de infraestrutura se mantenha regular às normas técnicas e regulamentares aplicáveis (§ 1º, art. 7º); b) notificar o ocupante sobre a necessidade de regularização da ocupação, sempre que constatar descumprimento às normas técnicas e regulamentares aplicáveis ao compartilhamento ou ocupação à revelia (§3º, art. 7º), sendo certo que a ausência de notificação não libera o ocupante da obrigação de respeito às normas técnicas e da obrigatoriedade de ''proceder às correções necessárias''.
Aspecto de infindáveis discussões, a possibilidade de retirada de equipamentos do ocupante (por irregularidade na ocupação ou por inadimplemento) ganhou relevo na novel resolução, como se vê nos seguintes dispositivos 6:
Art. 7º O compartilhamento de infraestrutura não deve comprometer a segurança de pessoas e instalações, os níveis de qualidade e a continuidade da prestação dos serviços outorgados aos detentores.
(...)
§6º Na hipótese de não ser efetuada a regularização de que trata o §3º no prazo estabelecido, o detentor pode solicitar autorização à Comissão de Resolução de Conflitos, nos termos da resolução conjunta ANEEL/Anatel/ANP 002, de 27 de março de 2001, para retirar os cabos, fios, cordoalhas e/ou equipamentos do Ocupante, assim como por falta de cumprimento das obrigações pecuniárias estabelecidas no contrato.
§ 7º Os cabos, fios, cordoalhas e equipamentos oriundos de ocupação clandestina podem ser retirados pelo detentor, ficando dispensada autorização da Comissão de Resolução de Conflitos, assim como em situações emergenciais ou que envolvam risco de acidente.
Art. 9º O detentor deve estabelecer em seus contratos de compartilhamento cláusulas que definam os requisitos estabelecidos no art. 20 do Regulamento Conjunto anexo à resolução conjunta 001, de 1999, inclusive:
(...)
III – a possibilidade de o detentor retirar cabos, fios, cordoalhas e equipamentos nas situações previstas no art. 7º e, em ocorrendo a retirada, ser indenizado pelos custos incorridos; e
IV – o tratamento a ser dado no caso de não cumprimento das obrigações pecuniárias estabelecidas no contrato.
Quanto aos custos, bastante razoável é a responsabilização do ocupante pelos que se fizerem necessários para regularização da ocupação (art. 7º, §2º), inclusive os que o detentor tiver que incorrer para retirar de mão própria os cabos, fios, cordoalha e demais equipamentos (art. 7º, §8º). Também correm por conta do ocupante as despesas necessárias para modificar ou adaptar a infraestrutura do detentor, desde que decorram diretamente do compartilhamento (art. 8º).
Não havendo ressarcimento das despesas ou regularização das demais obrigações pecuniárias contratuais, o detentor pode condicionar a celebração de novo contrato de compartilhamento (ou a renovação de contrato vigente) à quitação da dívida (art. 7º, §9º).
O caput do artigo 10 melhora o que vinha estabelecido nas resoluções conjuntas 1/99 e 4/14, ao exigir que o ato que nega o pedido do postulante à ocupação contenha não só ''justificativa formal'', mas também que comprove ''as razões que levaram à negativa do compartilhamento''.
Finalizando, enfatizamos a centralização, pelo detentor, dos procedimentos para execução dos serviços, negociação com os ocupantes, cobrança das modificações e adequações necessárias junto ao solicitante do compartilhamento (art. 8º, parágrafo único), assim como a necessidade de identificação permanente dos cabos, fios e cordoalhas de propriedade dos ocupantes, em todos os pontos de fixação utilizados, o que auxilia na fiscalização (art. 12).
Embora em alguns pontos a referida norma regulatória possa vir a ser questionada, certo é que a contribuição para uma maior segurança jurídica no setor é inegável.
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1 Houve revogação expressa da RN 581/2002.
2 O artigo 17 da RN 797/17 dispõe que tal condição deve ser informada pelo detentor, para fins de registro na ANEEL e que se formalizado com pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado sem fins lucrativos, poderá ser não oneroso.
3 Observe-se também o artigo 9º, principalmente os incisos I e II.
4 Redes de distribuição aérea de energia elétrica com condutores nus.
5 Rede de distribuição de energia elétrica – compartilhamento de infraestrutura com redes de telecomunicações
6 Conforme parágrafo 10º do artigo 7º, o ''ocupante'' não faz jus a qualquer forma de indenização em função da retirada pelo ''detentor'' dos cabos, fios, cordoalha e/ou equipamentos irregulares.
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