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Antecedentes históricos do sigilo bancário

Entender a história do sigilo bancário pode auxiliar na busca por soluções de combate às atuais tendências de se restringir direitos civis e individuais em favor do Estado.

11/12/2017

Fazemos aqui um panorama da evolução histórica do sigilo bancário, assim no mundo, como em especial no Brasil.

Em um valoroso trabalho acerca da história dos bancos desde suas origens, Cotelly destaca que no século VII a. de C., na Babilônia, praticavam-se operações de natureza bancária, que eram levadas a cabo pelos sacerdotes1 . Tal se prende à conotação mística que impregnou a origem dos bancos, nascidos dentro dos templos, no exercício de uma atividade que emanava dos próprios deuses, representados por seus sacerdotes.

A atividade bancária, como profissão especializada, surgiu na Grécia. Mas, ainda assim, não inteiramente desligada dos umbrais dos templos, seus berços: os de Delfos, Samos e Éfeso foram os principais. Os banqueiros, além de propiciarem a guarda, segura aos valores de seus clientes, redigiam instrumentos negociais e orientavam a respeito de negócios, graças aos conhecimentos que tinham dos textos legais.

Em Roma, a atividade bancária remonta ao século III a. de C., época em que os romanos desenvolviam o que hoje são as nossas atuais práticas bancárias. O banqueiro romano – ''argentarius'' – deveria possuir um livro secreto de ''dever e haver'', o Codex, conservado em segredo e só exibível na justiça em caso de litígio com o próprio cliente2.

Todavia, foi somente na Idade Média, e dentre os primeiros documentos que se haviam conservado, os estatutos do banco Casa di San Georgio, do ano de 1408, que se estabelecia expressamente o segredo bancário e ordenava-se a todos os funcionários jurar conservar o segredo bancário concernente a toda atividade e documentos da casa bancária.

Posteriormente, o segredo bancário é amplamente reconhecido dentro do que se denominou organização bancária moderna, que data dos fins do século XVI. Foi quando se contemplou os textos normativos tal como conhecemos hoje.

Especificamente no Brasil, a Constituição de 1824, em seu art. 179, XXVII, garantia o sigilo de cartas, que era inviolável. É de se admitir que também estivessem englobados os direitos civis e de segurança individual do cidadão e, por conseguinte, o direito ao sigilo bancário.

A Constituição da República de 1891, art. 72 da Declaração de Direitos, dizia que era assegurada aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, disciplinando o § 18 que era inviolável o sigilo da correspondência. Esse dispositivo foi mantido na Constituição de 1934, art. 113, VII, e sofreu algumas evoluções com as Cartas de 1937 e 1947.

Já a Constituição de 1967, em seu art. 150, § 9º, dizia que, além da correspondência, eram também invioláveis os sigilos telegráficos e telefônicos. Esse texto foi mantido na íntegra pela emenda constitucional 1, de 17 de outubro de 1969, nos termos do art. 153, § 9º.

A Constituição Federal de 1988, por sua vez, elevou o sigilo à categoria de direito fundamental, a teor do art. 5º, X e XII. Novamente, o sigilo bancário não contou com uma proteção autônoma, contudo, conclui-se que é um desdobramento necessário do direito à privacidade.

Assim, entender a evolução histórica do sigilo bancário é deveras importante, porque nos leva a também entender o presente e, por conseguinte, melhor pensar em soluções para o futuro, sobretudo em razão das atuais tendências de se restringir direitos civis e individuais em favor do Estado.

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1 (COTELLY, E., Derecho Bancario. Conceptos generales e historia, Buenos Aires, Ed. Arayú, 1956, p. 297).
2 NELSON, Abrão. Direito Bancário, 16ª ed., ver., atual. e ampl. pelo Desembargador Carlos Henrique Abrão, Editora Saraiva, São Paulo, 2016 , p. 91.

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*Reinaldo Marques da Silva é doutorando em Direito e Ciências Sociais, mestrando em Direito Comparado, especialista em Direito Tributário. Servidor Público em SP.

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