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Averbação do ajuizamento da execução não gera preferência no Concurso Singular de Credores

A averbação premonitória possui natureza distinta da penhora/arresto (atos efetivamente constritivos), destinando-se, tão somente, a gerar presunção do conhecimento de terceiros sobre o risco de constrição do referido bem para satisfazer determinado crédito exequendo.

27/11/2017

Não raramente ocorre de duas penhoras de exequentes distintos recaírem sobre um mesmo bem do devedor, resultando na instauração do Concurso Singular de Credores no âmbito processual executivo para estabelecer a ordem de prioridade da satisfação do crédito por meio do produto da alienação do bem penhorado. Quando os credores participantes não possuem título legal à preferência, o critério adotado é o de quem primeiro efetivou a penhora.

Entretanto, existe a indagação acerca da possibilidade de se obter o direito de prioridade na classificação do Concurso Singular de Credores através da averbação da certidão de ajuizamento da execução, hipótese que será objeto da presente análise.

Pois bem, conforme já exposto, coexistindo duas ou mais penhoras ou havendo concorrência entre credores/exequentes para satisfação de seus respectivos créditos através do produto da arrematação de um determinado bem, surge a necessidade de ser instaurado o Concurso Especial de Credores, também denominado de Concurso Singular de Credores ou Concurso Particular de Credores.

O Concurso Singular de Credores não se confunde com o Concurso Universal que ocorre, por exemplo, na falência, pois este envolve todo o patrimônio do devedor e pressupõe insolvência, enquanto naquele presume-se que o devedor se encontra solvente e se instaura apenas sobre um bem específico.

Trata-se na verdade de um procedimento para estabelecer a ordem de prioridade para recebimento do produto da alienação de determinando bem que possui diversas penhoras de credores/exequentes distintos.

A natureza jurídica do Concurso Singular de Credores é de incidente processual na fase executiva ou na execução, em que se realiza atividade cognitiva restringida à averiguação de títulos de preferência ou anterioridade da penhora.

O primeiro passo é verificar a existência de créditos de natureza preferencial na esfera do direito material que, basicamente, está regulamentada no art. 186 do CTN e artigos 955 ao 965 do Código Civil, e caso não haja título legal à preferência, a classificação dos credores será estabelecida de acordo com a anterioridade da penhora de cada exequente, conforme preconiza o art. 797 c/c art. 908, ambos do CPC/15.

Dessa forma, a preferência decorrente da anterioridade da penhora, lastreada nos brocardos prior tempore, potior jure (o primeiro no tempo tem preferência no direito) e jura vigilantibus subveniunt (o direito protege os que vigiam), somente terá aplicação quando os exequentes concorrentes tiverem crédito de natureza quirografária1 (créditos sem preferência legal e sem garantia).

Acerca do assunto, leciona o consagrado autor Araken de Assis2 :

''[...] a preferência resultante da anterioridade da penhora só ostenta eficácia quando houver a participação de outro quirografário.

[...]

“A preferência da penhora atuará quando concorrerem, no dinheiro penhorado, ou no produto da alienação forçada, dois ou mais credores, classificados como quirografários, e, ademais, penhorantes.

[...]

Recebem seus créditos em primeiro lugar, portanto, os credores dotados de ‘título legal à preferência’, e na ‘ordem das respectivas prelações’, consoante proclama o art. 711( v.g., o credor trabalhista, desde que haja movido execução e penhorado o bem; depois, os credores quirografários penhorantes, observada a ordem cronológica das penhoras).''

A doutrina e a jurisprudência apregoam as seguintes preferências legais no concurso singular de credores, a saber: (i) créditos trabalhistas, (ii) os da Fazenda Pública Federal, Estadual e Municipal e (iii) os com garantia real, nesta ordem3 .

Contudo, o objetivo da presente análise diz respeito à ordem estabelecida no Concurso Especial de Credores com relação aos credores quirografários, em que o critério de prioridade atuante é o da anterioridade da penhora.

Considerando a dicção dos arts. 838 e 839 do atual Código de Processo Civil, o entendimento consolidado - ou, ao menos, evoluindo-se para que seja - é o de que a penhora é aperfeiçoada/constituída com a lavratura do respectivo auto ou termo de penhora.

Significa dizer que a definição de qual exequente receberá primeiro perpassa pela análise da data de lavratura dos autos ou termos de penhora, mas não a data da eventual averbação no registro competente. Nessa senda, transcrevem-se as ementas de elucidativos precedentes do STJ:

RECURSO ESPECIAL (CF, ART. 105, III, "c"). PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. CONCURSO DE CREDORES. MARCO TEMPORAL DO DIREITO DE PREFERÊNCIA DE CREDOR. ANTERIORIDADE DA PENHORA OU DO REGISTRO (AVERBAÇÃO) DO ATO CONSTRITIVO. DIREITO DE PRELAÇÃO DECORRENTE DA MERA FORMALIZAÇÃO DA PENHORA NO PROCESSO. RELEVÂNCIA DO REGISTRO PARA FIM DIVERSO. 1. Havendo pluralidade de credores com penhora sobre o mesmo imóvel, o direito de preferência se estabelece pela anterioridade da penhora, conforme os arts. 612, 613, 711 e 712 do CPC, que expressamente referem à penhora como o "título de preferência" do credor. 2. A precedência da data da averbação da penhora no registro imobiliário, nos termos da regra do art. 659, § 4º, do CPC, tem relevância para efeito de dar publicidade ao ato de constrição, gerando presunção absoluta de conhecimento por terceiros, prevenindo fraudes, mas não constitui marco temporal definidor do direito de prelação entre credores. 3. Nos termos do art. 664 do CPC, "considerar-se-á feita a penhora mediante a apreensão e o depósito dos bens, lavrando-se um só auto se as diligências forem concluídas no mesmo dia". Assim, o registro ou a averbação não são atos constitutivos da penhora, que se formaliza mediante a lavratura do respectivo auto ou termo no processo. Não há exigência de averbação imobiliária ou referência legal a tal registro da penhora como condição para definição do direito de preferência, o qual dispensa essas formalidades. 4. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, REsp 1209807/MS, Min. Rel. Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 15/12/2011).

PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO. CONCURSO PARTICULAR. CREDORES QUIROGRAFARIOS. DIREITO DE PREFERENCIA DO CREDOR QUE PRIMEIRO PENHOROU. CPC, ARTS. 612 E 711. RECURSO PROVIDO. I- SEM EMBARGO DAS IMPRECISÕES DA LEI, COM SUPORTE EM EXEGESE SISTEMATICA ADOTA-SE O ENTENDIMENTO QUE, NO CONCURSO PARTICULAR ENTRE CREDORES QUIROGRAFARIOS, TEM PREFERENCIA AQUELE QUE PRIMEIRO PENHOROU. II- O REGISTRO DA PENHORA SUBSEQUENTE NÃO TEM O CONDÃO DE ALTERAR O DIREITO DE PREFERÊNCIA, DESTINADA QUE E A GERAR A PRESUNÇÃO DA CIÊNCIA DE TERCEIROS EM FAVOR DOS EXEQUENTES. (STJ, REsp 2258/RS, Min. Rel. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 30/06/1992).

Pari passu com os arestos supracitados, Teresa Arruda Alvim Wambier, Fredie Didier Jr. e outros, ao comentar sobre o art. 908 do CPC/2015 na Obra Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil, preconizam que: ''A anterioridade se dá pelo arresto ou penhora, que se considera aperfeiçoado(a) com a lavratura do respectivo auto''4 . Nessa esteira, Araken de Assis verbaliza o seguinte: ''Em princípio, a preferência se estabelece pela data constante no auto de penhora ou no termo de penhora''5 .

No entanto, dúvida resta no tocante à aquisição ou não do direito de anterioridade quando o exequente, em atitude diligente, promove a averbação do ajuizamento da execução no registro competente, averbação esta conhecida como premonitória e expressamente prevista no art. 828 do CPC/2015.

A princípio, por outra volta à máxima jurídica prior tempore, potior jure (o primeiro no tempo tem preferência no direito) e, também, jura vigilantibus subveniunt (o direito protege os que vigiam), poderia se entender que a diligência do exequente na providência da averbação premonitória lhe traria a benesse de obter preferência no recebimento em caso de ser instaurado concurso singular de credores, como ocorre com o instituto do arresto em que, por interpretação sistémica, admite-se preferência ao credor que primeiro efetivou o arresto em face de credor que posteriormente penhorou o mesmo bem6 .

Contudo, conferir preferência ao credor que promoveu a averbação premonitória não revela a mens legis dos artigos 797 e 908, §2º, ambos do CPC/2015. Isso porque o legislador adotou expressamente e objetivamente o critério da cronologia da penhora para estabelecer as preferências entre os credores quirografários no concurso singular de credores, não sendo possível substituí-lo para o parâmetro de quem primeiro promoveu a execução, o que ocorreria caso se permitisse a obtenção da preferência pela simples averbação do ajuizamento da execução.

O autor Humberto Theodoro Júnior leciona que:

''O credor quirografário que recebe o pagamento em primeiro lugar não é necessariamente o que promove a execução, em cujos autos se deu a arrematação, mas sim o que efetuou a primeira penhora, pois pode acontecer que, por embaraços procedimentais, sua execução sofra atraso com relação a outras de credores com penhora de grau inferior. O que importa é respeitar a ordem das penhoras e não o andamento das diversas execuções concorrentes.''7

Considerando que os processos não correm em igual compasso, relevante é observar a norma posta (artigos 797 e 908, §2º, ambos do CPC/2015), ou seja, respeitar a ordem das penhoras (ou atos constritivos, já que também se considera o arresto), mas não a data do ajuizamento da execução ou da averbação desta no registro do bem.

Em atenção aos princípios da isonomia e segurança jurídica, essencial que seja adotado um critério objetivo e igual a todos os credores quirografários no que tange à ordem de preferência em face de um bem que possui multiplicidade de penhoras, sendo que, por opção legislativa expressa, este critério/marco é justamente a penhora.

O autor Luiz Guilherme Marinoni esclarece o seguinte: ''O que interessa para efeitos de preferência é a primeira constrição – pouco importa quem primeiro promoveu a execução (STJ, 4ª Turma, REsp 2.435/MG, rel. Min. Jorge Scaartezzini, j. em 18.08.2005, DJ 24.04.2006, p. 407)''8 . E continua: ''[...] pouco importa também quem primeiro registrou a penhora, já que a preferência advém de sua realização, e não de seu registro [...]''.

Assim, tal raciocínio permite concluir que a averbação premonitória não incide como marco em relação à anterioridade da penhora para estabelecer a ordem de preferência dos credores quirografários, pois a averbação do ajuizamento da execução não se trata de ato constritivo, mas visa tão somente conferir publicidade (conhecimento de terceiros) acerca da existência da execução a fim de proteger o credor contra fraudes.

Neste contexto, pertinente as lições do autor Araken de Assis:

''Tornou-se atual e incontestável, portanto, a lição de Antonio Janyr Dall’ Agnol Jr., no sentido de a preferência recair no credor que ‘primeiro inscreveu a penhora, na medida em que tal ato registral gera outros efeitos quanto a terceiros''. [...] A interpretação se baseia na circunstância de que o registro opera no plano da eficácia, atingindo ''terceiros'', ou seja, todos que não sejam partes na execução que originou a penhora. Idêntico efeito decorre da averbação prevista no art. 615-A.9" [equivalente ao art. 828 do CPC/15].

Dessa forma, resta de forma clara o alinhamento jurídico no sentido de que a averbação do ajuizamento da execução no registro competente não tem o condão de alterar o direito de preferência estabelecido pela anterioridade da penhora. Isso porque a averbação premonitória possui natureza distinta da penhora/arresto (atos efetivamente constritivos), destinando-se, tão somente, a gerar presunção do conhecimento de terceiros sobre o risco de constrição do referido bem para satisfazer determinado crédito exequendo.

Por fim, imperativo observar o critério objetivo adotado na legislação para determinar a preferência no concurso singular de credores quirografários, qual seja, a data de lavratura do auto ou termo de penhora, leia-se, ato efetivamente constritivo e não apenas averbatório.

_____________

1 CPC/15. Art. 908, §2º: ''Não havendo título legal à preferência, o dinheiro será distribuído entre os concorrentes, observando-se a anterioridade de cada penhora''.

2 ASSIS, Araken de. Manual da Execução – 16. Ed. ver. E atual – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, páginas 791/793.

3 STJ. REsp 594.491/RS, Minª. Relª. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 02/06/05.

4 Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. Teresa Arruda Alvim Wambier, Fredie Didier Jr. e outros. Ed. RT. Ano 2015. Pág. 2016.

5 ASSIS, Araken de. Manual da Execução – 16. Ed. ver. E atual – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, páginas 796.

6 MARINONI, Luiz Guilherme. Código de processos civil comentado artigo por artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. P. 617.

7 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Processo de Execução e Cumprimento da Sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência. Rio de Janeiro: Forense, 2007. P. 394.

8 MARINONI, Luiz Guilherme. Código de processos civil comentado artigo por artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. P. 617.

9 ASSIS, Araken de. Manual da Execução – 16. Ed. ver. E atual – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, páginas 796.

______________

BRASIL. Código Civil – lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <lei 10.406> Acesso em: 22/09/16.

BRASIL. Código de Processo Civil de 15 - lei 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em: < lei > Acesso em: 09/10/17.

MARINONI, Luiz Guilherme. Código de processos civil comentado artigo por artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Processo de Execução e Cumprimento da Sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. Teresa Arruda Alvim Wambier, Fredie Didier Jr. e outros. Ed. RT. Ano 2015.

ASSIS, Araken de. Manual da Execução – 16. Ed. ver. E atual – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

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*Bruno Paiva Cruz é advogado da equipe de resolução de conflitos: contencioso arbitragem e mediação do escritório Chenut Oliveira Santiago Sociedade de Advogados.

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