Costumo recordar que meu inesquecível e querido Amigo e Mestre Professor Vicente Ráo, no escritório de sua casa <_st13a_personname w:st="on" productid="em S?o Paulo">em São Paulo, mantinha fotografia de sua visita ao Supremo Tribunal Federal como ministro da Justiça, em 1936, e me dizia: “Ovídio, olhe o Supremo que conheci”. Entre eles, recordo-me das figuras dos Ministros Costa Manso, Laudo de Camargo, Edmundo Lins, Eduardo Espínola, Carlos Maximiliano, Octavio Kelly, Bento de Faria e Carvalho Mourão. Juízes e homens notáveis. Parodiando o mestre, posso dizer que nesses 55 anos de dedicação exclusiva ao Direito e à Justiça, conheci diversas composições de nossa Corte de Justiça.
Vivi a presença de Magistrados do quilate de Orosimbo Nonato, Hahnemann Guimarães, Nélson Hungria, Luiz Gallotti, Ribeiro da Costa, Evandro Lins e Silva, Victor Nunes Leal, Hermes Lima, Prado Kelly, Gonçalves de Oliveira, Pedro Chaves, Rodrigues de Alckimin, Eloy da Rocha, Muñoz Soares, entre outros. Em época mais recente, consegui vivenciar a presença dos Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Sydney Sanches, Paulo Brossard, Marco Aurélio, Cezar Peluso, Menezes Direito, entre outros.
Ser Ministro do Supremo Tribunal Federal exige do Juiz que tenha presente a imorredoura exortação de Rui Barbosa feita em sustentação oral perante a Suprema Corte: "Quisesse eu levantar os escarcéus políticos e não me dirigiria ao remanso deste Tribunal, a este recanto de paz" e "aqui não podem entrar as paixões que tumultuam na alma humana; porque este lugar é o refúgio da Justiça". Os “escarcéus políticos”, de outra parte, não se coadunam com atitudes de qualquer Ministro do Supremo Tribunal Federal, dentro ou fora da Corte Constitucional.
Na tradição grega, pelas palavras de Ésquilo, citadas por Rui Barbosa, dizia-se, como intróito na instituição de um tribunal: “Eu instituo este tribunal venerando, severo, incorruptível, guarda vigilante desta terra através do sono de todos, e o anuncio aos cidadãos, para que assim seja de hoje pelo futuro adiante”.
De outra parte é da tradição do Supremo o tratamento respeitoso, educado e cortês entre seus Ministros, durante os debates travados no Plenário e nas sessões de suas Turmas.
Sugestivo lembrar que na Suprema Corte dos Estados Unidos da América, durante os debates, o tratamento utilizado por seus Juízes é o de 'my Brother” e não “Vossa Excelência”, simplesmente.
O espírito de educação, cortesia e generosidade reina em todas as Cortes Supremas de Justiça, por serem “recantos de paz” e “refúgio da Justiça”.
Diante desta vivência, posso dizer sem medo de erro, que todos esses Ministros, que citei, sempre se destacaram, não só pelo inconteste saber jurídico, como também pela educação de berço, sendo homens gentis e que nunca buscaram aplausos da opinião pública, ou agrediram, por palavras, seus colegas, as partes, seus advogados e muito menos qualquer classe de profissionais do Direito.
Na dia 26 de outubro, em sessão do plenário do Supremo Tribunal Federal, assistimos a uma triste altercação entre os Ministros Roberto Barroso e Gilmar Mendes. Abandonaram a toga e resolveram se deixar levar por suas paixões e rancores pessoais. Inacreditável. O “recanto de paz”, o “refúgio da Justiça” de que falava Rui Barbosa, acabou se transformando em “escarcéu”. Nunca se viu no seio do Supremo Tribunal Federal, uma Corte tão dividida entre seus Ministros. Muitas vezes, há o abandono da clave da busca da Justiça, para a satisfação, em notas dissonantes, do canto da vaidade sem limites e, até mesmo, das antipatias pessoais.
É lamentável tudo o que aconteceu. Desapareceu o respeito, Cheguei a assistir discussões acaloradas entre os excelsos Ministros Luiz Gallotti e Nélson Hungria em defesa de seus pontos de vista. No entanto, nunca faltou o respeito que devotavam um ao outro, como homens de elevado saber e de Ministros de nossa Suprema Corte. Assisti encantando o seguinte episódio. O Ministro Hahnemann Guimarães era considerado como detentor da maior memória sobre a jurisprudência do Supremo. Pois bem, o Ministro Victor Nunes Leal iniciava seu trabalho de coletar a jurisprudência predominante da Corte para o surgimento futuro das súmulas. Para tanto o Ministro Nunes Leal mantinha em sua bancada uma pequena estante de madeira com cadernos contendo o fruto do seu trabalho de pesquisa. Pois bem, quando se referia a qualquer julgado do Supremo e lido por ele, virava-se para o Ministro Hahnemann Guimarães e perguntava: “não é isso mesmo. Ministro Hahnemann”. Encantador respeito.
Na atualidade, nada mais disso existe. Altercações entre Ministros são lamentáveis e se encontram na contra-mão do tratamento cortês e educado, como da tradição de nosso mais elevado Tribunal e guardião maior de nossa Constituição e, por conseqüência, do Estado Democrático de Direito. E tudo acontecendo diante das câmaras abertas da Televisão e com acesso a milhares de pessoas que testemunharam tão lamentável episódio.
Assistimos atitudes grosseiras, maliciosas, irônicas entre dois Ministros que não souberam respeitar o Supremo como “um recanto de paz”, de que falava Rui Barbosa.
São fatos lamentáveis, porque os ministros e ministras do Pretório Excelso são exemplos de Juízes e Juízas para toda a Magistratura. Há uma aura de respeito e veneração que cerca o Supremo Tribunal Federal neste país.
Bem por isso o fato ora relatado não se circunscreve ao âmbito do Supremo Tribunal Federal. Ganham repercussão nos demais órgãos jurisdicionais colegiados e em toda a Magistratura nacional.
É urgente que o Supremo Tribunal Federal seja o “recanto de paz”, o “refúgio da Justiça”, nas palavras de Rui Barbosa.
O meu saudoso e querido Amigo Ministro Domingos Franciulli Netto costumava dizer: “ser Juiz é o estado d’alma do homem vocacionado”, enquanto outro saudoso e querido Amigo Desembargador Alves Braga dizia: “ser magistrado é estado de espírito”. Quem exerce a nobre missão de ser magistrado há de meditar sobre essa candente realidade. Somente os vocacionados estão aptos ao exercício de ser magistrado em todos os momentos de sua vida e conseguem entender em plenitude a advertência feita por Guizot: “Quando a política penetra no recinto dos tribunais a Justiça se retira por alguma porta.” E pode-se acrescentar que a incontinência vocabular, quando agressiva, revela um tumulto íntimo de insegurança que espanca a serenidade necessária ao magistrado e o afasta por inteiro da sindérese, como síntese dos princípios morais e filosóficos.
Toda vez que presenciar tão lamentáveis episódios – e já o fiz em duas outras oportunidades – estarei aqui a criticá-los, com a veemência que me autorizam os mais de 55 anos dedicados, de forma exclusiva, ao Direito e à Justiça, como advogado, professor, escritor e atualizador de obras clássicas do Direito brasileiro, estudioso incansável da Lógica Jurídica, da Ética e do Magistrado que fui por anseio maior de vocação.
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