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O direito de defesa nos processos de Tomada de Contas Especial

Tendo em vista que o processo de TCE já repercute prejudicialmente sobre a esfera individual do agente responsabilizado, não encontra qualquer amparo constitucional a protelação do momento de defesa tão somente para a fase externa no âmbito da Corte de Contas. Na fase interna já existe uma relação processual formada, a ensejar o direito de participação no processo de todos os interessados.

14/11/2017

A lei 8.443/92, que dispõe sobre a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União, estabelece, em observância ao disposto no art. 70 da Constituição Federal, que, "Diante da omissão no dever de prestar contas, da não comprovação da aplicação dos recursos repassados pela União, na forma prevista no inciso VII do art. 5° desta Lei, da ocorrência de desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos, ou, ainda, da prática de qualquer ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico de que resulte dano ao Erário, a autoridade administrativa competente, sob pena de responsabilidade solidária, deverá imediatamente adotar providências com vistas à instauração da tomada de contas especial para apuração dos fatos, identificação dos responsáveis e quantificação do dano. (art. 8º)

Concluído o procedimento na instância administrativa competente, estabelece a norma o seu encaminhamento, desde logo, ao TCU para julgamento na forma estabelecida em seu regimento interno (§ 2º), devendo estar instruído com: I - relatório de gestão; II - relatório do tomador de contas, quando couber; III - relatório e certificado de auditoria, com o parecer do dirigente do órgão de controle interno, que consignará qualquer irregularidade ou ilegalidade constatada, indicando as medidas adotadas para corrigir as faltas encontradas; e IV - pronunciamento do Ministro de Estado supervisor da área ou da autoridade de nível hierárquico equivalente (art. 10).

No entanto, a lei não trata, de forma expressa, da etapa de apresentação de defesa ou justificativa no âmbito da própria TCE, o que tem resultado em atos e decisões arbitrárias e em consequente violação às garantias ao contraditório e à ampla defesa asseguradas no art. 5º, inciso LV, da Constituição da República.

Regulando a matéria, a IN TCU nº 7, de 28 de novembro de 2012, estabelece, no § 1º do art. 10, que o relatório do tomador de contas deve ser acompanhado pelo parecer emitido pela área técnica responsável, incluindo a análise das justificativas apresentadas. No mesmo sentido, a Controladoria Geral da União – CGU, em seu "Modelo de Relatório do Tomador de Contas" - de observância obrigatória por todos os órgãos federais que a ela se submetem - impõe a inclusão de "Resumo das Análises sobre as Justificativas e Alegações de Defesa Apresentadas", conferindo-se "ao interessado a devida oportunidade de se manifestar com relação à irregularidade" sob análise pelo órgão de controle interno.

Mas, independentemente de qualquer previsão expressa ou pormenorizada acerca do rito de defesa ou justificativa, é indiscutível que, em qualquer processo administrativo cuja natureza seja restritiva de direitos ou incida negativamente sobre a esfera individual, a participação do agente afetado deve ser amplamente assegurada.

Segundo Angelica Petian, sempre que decisões administrativas puderem resultar no estreitamento dos direitos ou na imposição de um gravame ao sujeito, deve a Administração obrigatoriamente ouvi-lo, "seja porque impõem um novo dever ou restrição, seja porque estendem dever já existente, ou, ainda, suprimem direito existente. Em qualquer hipótese haverá um efeito negativo".1 E, por essa razão, impõe-se que se atente para determinadas garantias e direitos individuais inafastáveis, que lhes irão conferir a necessária carga protecionista.

Ressalte-se, porém, que se trata aqui de uma efetiva possibilidade de interferência do interessado sobre o processo decisório, e não de uma ferramenta de mera legitimação formal de uma convicção prévia e irretocável da Administração. Para tanto, fundamental a absoluta transparência e a observância do direito de informação – ainda, inexplicavelmente, tão eventuais quando se trata de informação pública ou de interesse particular –, de forma que possa ser possível o acompanhamento integral e a participação efetiva na construção gradativa da decisão. Afinal, o dever de publicidade e de informar não se realizam por meio de uma mera formalidade que encerra um fim em si mesmo.2

Insustentável, ainda, a argumentação no sentido de que a TCE trata-se de um processo meramente inquisitório de coleta de provas – o que supostamente não ensejaria o direito de defesa e justificativa – na medida em que, comumente, dos relatórios emitidos resultam verdadeiras imputações de responsabilidade patrimonial em face do agente responsabilizado. Isto é, a conclusão do tomador de cotas consiste, na prática, em uma forma de pré-julgamento por parte do órgão de controle interno que, inevitavelmente, irá influir consideravelmente sobre o juízo a posteriori do Tribunal de Contas.

Portanto, tendo em vista que o processo de TCE já repercute prejudicialmente sobre a esfera individual do agente responsabilizado, não encontra qualquer amparo constitucional a protelação do momento de defesa tão somente para a fase externa no âmbito da Corte de Contas. Na fase interna já existe uma relação processual formada, a ensejar o direito de participação no processo de todos os interessados. Nessa onda recente de "caça às bruxas", deve-se ter cautela redobrada para não atropelar os direitos de quem quer que esteja à frente.
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1 PETIAN, Angélica. Regime Jurídico dos Processos Administrativos Ampliativos e Restritivos de Direito. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 107.

2 BARCELLOS. Ana Paula de. Papéis do Direito Constitucional no fomento do controle social democrático: algumas propostas sobre o tema da informação. Disponível em: <clique aqui>. Acesso em: 06 nov. 2017.
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*Jéssica Acocella é advogada do BNDES e mestre em Direito Público pela UERJ.

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