Segundo a súmula 343 do STF, já por nós ampla e insistentemente criticada, não é cabível ação rescisória com base no art. 966, V, do CPC, quando, à época da prolação da decisão que se pretende rescindir, a jurisprudência era controvertida.
Com a habitual clareza, descrevia Teori Albino Zavascki o sentido e a razão de ser da súmula 343 à luz do que dispunha o CPC de 1973. Asseverava que esta súmula dava parâmetros objetivos para que se entendesse o sentido da expressão "literal", constante do art. 485, V, do CPC.
Dizia ele que não se poderia enxergar verdadeira ofensa à lei se, à época em que a decisão rescindenda tinha sido proferida, a interpretação do dispositivo era controvertida, ou seja, não se sabia qual era, realmente, a interpretação correta. Portanto, sentido não teria falar-se em ilegalidade. É a mesma "lógica" da súmula 400 do STF: interpretação razoável da lei não deve ser corrigida pelos Tribunais Superiores, já que não configura, propriamente ilegalidade.1
Embora assista razão a Teori Zavascki ao identificar a razão de ser da súmula 343, a nós não parece que seja justificável, à luz da Constituição Federal, a subsistência de tal verbete. Trata-se de enunciado próximo ao da súmula 400, como diz o próprio autor, que, aliás, sempre foi alvo de severas críticas (e, antes da Constituição Federal de 1988, só se entendia dever incidir a súmula 400 se se tratasse de infração à lei federal e não de infração a dispositivo constitucional). A nosso ver ambas desrespeitam princípios constitucionais fundamentais.
Vejamos porquê: estabelece o art. 5.º, II, da CF: "Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". Trata-se, como se sabe, da formulação, adotada pelo legislador constituinte brasileiro, para o princípio da legalidade.
O princípio da isonomia se encontra no caput do mesmo art. 5.º: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (...)".
Os princípios acima mencionados foram transcritos em ordem diferente daquela em que se encontram tratados no texto constitucional propositadamente, porque é esta a ordem em que se compuseram os argumentos que a seguir se exporão.
Observe-se que na Constituição vigente se demonstrou extrema preocupação com a igualdade. Basta dizer que no caput do art. 5.º o constituinte ainda inclui, entre os direitos invioláveis, o próprio direito à igualdade.2
Essa súmula, a nosso ver, compromete o princípio da legalidade e o da isonomia, do mesmo modo que ocorria com a súmula 400 do Supremo Tribunal Federal, que vem sendo, felizmente, cada vez menos invocada pelos nossos Tribunais Superiores.3
O princípio da legalidade se consubstancia na regra segundo a qual ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer a não ser em função de previsão legal.
O princípio da isonomia se constitui na ideia de que todos são iguais perante a lei,4 o que significa que a lei deve tratar a todos de modo uniforme e que correlatamente as decisões dos tribunais não podem aplicar a mesma lei de forma diferente a casos absolutamente idênticos, num mesmo momento histórico.5 Por que todos são iguais, na verdade, perante o direito,
Diz-se que o princípio da igualdade consiste em se tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.6
A igualdade deve ser compreendida em conjunto com outros princípios, pelos quais terá optado nosso constituinte. Liga-se à ideia de equilíbrio. Não raras vezes a aplicação do princípio "tem por pressuposto a existência de situações diferentes (não idênticas), às quais, no entanto, deve ser assegurado um tratamento equilibrado, não discriminatório".7 É o caso de uma norma que disponha deverem empregos ou vagas em universidades ser assegurados a deficientes visuais.
Na verdade, a principal função do princípio da igualdade é a de evitar "previsões discriminatórias injustificadas".8 Assim, discriminar o consumidor ou o trabalhador, para protegê-lo, não é desrespeitar regra que diz que ambos devem receber tratamento isonômico, já que estão sendo "favorecidos" porque são, presumivelmente, a parte "mais fraca".
Uma das consequências inafastáveis da incidência deste princípio é a de que, em face de casos rigorosamente idênticos, deva o Judiciário decidir, aplicando a mesma regra de direito, interpretada da mesma forma.
De fato, de nada adiantaria a existência de comando constitucional dirigido ao legislador se o Poder Judiciário não tivesse de seguir idêntica orientação, podendo decidir, com base na mesma lei, no mesmo momento histórico (ou seja, sem que se possa afirmar que fatores históricos hajam influído no sentido que se deva dar à lei), em face de idênticos casos concretos, de modos diferentes.
Esses princípios têm, portanto, aplicação, por assim dizer, "engrenada", funcionando ambos como pilares fundamentais da concepção moderna de Estado de Direito.
É digna de nota a preocupação do legislador de 2015, expressa no NCPC, com a disciplina dos regimes de julgamento de ações idênticas: criou-se, por exemplo, o IRDR e se aprimorou o regime, já existente, de julgamento de recursos repetitivos (especial e extraordinário).
Na verdade, o princípio da isonomia é aquele segundo o qual a lei deve atingir a todos, e, quando isso não ocorrer, a discriminação não pode ser feita arbitrariamente, sendo vantajosa ou desvantajosa para os atingidos.
Deve haver, portanto, possibilidade de se justificar racionalmente o porquê da discriminação. Deve existir uma correlação racional entre os discriminados, tipo de discriminação e a razão de esta ter sido feita.
Aqui cabe formular novamente a questão: que sentido tratar diferentemente alguém com a regra da inatacabilidade da decisão, pela via rescisória, que foi atingido por um entendimento a respeito de certa norma jurídica, que restou alterado, única e exclusivamente porque à época em que foi prolatada a decisão haveria, a respeito do entendimento da norma, "jurisprudência conflitante? A nosso ver, este critério não justifica a distinção feita pela súmula.9
A vinculação da constatação da existência da correlação racional entre o fator escolhido pela norma como discriminante e a própria discriminação deve ser feita segundo valores, notadamente aqueles sob forma de princípios constitucionais. Por isso é que é constitucional a reserva de vagas para negros em universidades, mas é inconstitucional a existência de um clube recreativo só para negros.
Assim, admitir que sobreviva decisão que consagrou interpretação hoje considerada, pacificamente, incorreta pelo Judiciário é prestigiar o acaso. Explicamos: isto significa dizer que serão beneficiados com a decisão que lhes favorece, ainda que posteriormente seja considerada incorreta, aqueles que tiveram a "sorte" de participar de determinada ação, no pólo passivo ou ativo, num momento em que havia, ainda, divergência nos tribunais, quanto a qual seria a interpretação acertada da lei, a solução correta a ser dada àquele caso.
Dizer que: a lei é uma só (necessariamente vocacionada para comportar um só e único entendimento, no mesmo momento histórico e nunca mais de um entendimento simultaneamente válido), mas as decisões podem ser diferentes, porque os tribunais podem decidir diferentemente, não tem sentido. Seria esta circunstância imune ao controle da parte pela via da ação rescisória?! Pode haver duas ou mais decisões, completamente diferentes, a respeito do mesmo (mesmíssimo!!) texto, aplicáveis a casos concretos idênticos, ambas consideradas aceitáveis pelo sistema, e ainda que já se tenha estabelecido qual seria a10 decisão correta?
A súmula 343 do STF é parente da súmula 400 do mesmo Tribunal. A súmula 400 diz que não cabe ao STF corrigir interpretações dadas ao direito objetivo pelos tribunais inferiores, se estas forem razoáveis. Trata-se de súmula que, pura e simplesmente, autorizava o STF a abrir mão da sua função: dizer a última palavra a respeito da Constituição Federal e do direito federal (antes da Constituição Federal de 1988).
A súmula 343 deve ter o mesmo destino que acabou por ter a súmula 400, hoje muito mais raramente invocada pelos membros dos tribunais superiores.
Em conformidade com a linha de argumentação até agora desenvolvida, é evidente que, para nós a regra do não cabimento da rescisória EM FUNÇÃO do critério trazido pela SÚMULA 343 não tem sentido.
Diferentemente pode ocorrer se se decidir pela preservação da decisão que se pretende rescindir em função de outras razões, de outros critérios, que afastem a necessidade de respeito à isonomia, mas por outros fundamentos diferentes da mera circunstância de a jurisprudência ser desencontrada na época da prolação da decisão que se pretende rescindir. Esses outros valores ligam-se ao princípio da confiança e à necessidade de que o direito proporcione previsibilidade.
Compreende-se a utilização dos resultados gerados pela aplicação da súmula 343 em certas hipóteses, como a retratada no RExtr. 590.809/RS – 2014.11 Trata-se de extenso acórdão em que se pretendeu rescindir acórdão que acompanhou jurisprudência do próprio STF (portanto, pauta de conduta confiável, à época).
Neste acórdão, abordam-se valores que apontariam para o não cabimento da ação rescisória, mencionando-se, para isso, a súmula 343. Não foram, entretanto, os pressupostos de incidência da súmula 343 que levaram à sua aplicação! Ao contrário, já que aqui, trata-se de decisão proferida com base em entendimento pacificado do STF, que, ao depois, se quis rescindir. Ou seja, a jurisprudência não era controvertida à época em que foi proferida a decisão.
Mas, no limite, caso não se quisesse realmente admitir a rescisória (como se fez no acórdão ora citado), mais acertado teria sido fazer-se a modulação dos efeitos da mudança e não o recurso à vetusta e infeliz súmula 343, mesmo antes de haver previsão expressa deste instituto no CPC de 2015. A este tópico voltaremos no final deste artigo.
2. Alteração da jurisprudência
O que significa a mudança da jurisprudência? O que significa a alteração do entendimento a respeito do direito posto?
Não nos parece, como já afirmamos, que a esta situação deva-se dar, exatamente, o mesmo tratamento que se dá à alteração da lei, afirmando-se que a alteração da jurisprudência, pura e simplesmente, nenhum efeito tem sobre as situações que foram decididas anteriormente.
A razão de ser de o sistema permitir a oscilação da jurisprudência, ou seja, permitir que haja decisões diferentes, de tribunais diferentes, e que os próprios tribunais alterem posição que já haviam firmado, só pode ser dar chance para o aprimoramento do sistema. A mudança da jurisprudência só se pode justificar se for entendida como um avanço, como uma "melhora". Afinal, uma das duas (ou das três) posições deve ser tida como correta, e, para que se justifique a possibilidade existente no sistema no sentido de os Tribunais alterarem suas posições, só tem sentido considerar-se correta a última posição. Pois o Tribunal muda seu entendimento "até acertar".
Portanto, sempre pensamos que aqueles que foram atingidos por decisão judicial proferida em certo período de tempo em que o entendimento jurisprudencial era X, podem ter sua situação alterada, pela via da ação rescisória, quando este entendimento (a respeito da mesma regra posta) tenha-se alterado para Y.
Isto porque, quando a jurisprudência muda, é como se os Tribunais dissessem: "tal é o entendimento que se deve ter, por ser o correto, a respeito de certa regra de direito". Se tal entendimento é considerado correto, hoje, que sentido tem a manutenção de situações que foram decididas segundo entendimento que, seria, então,"equivocado"?
O que se disse acima não se aplica às situações em que a jurisprudência muda para adaptar o direito às alterações da sociedade. Há hipóteses em que o labor dos juízes é fortemente influente, até mesmo responsável, pela evolução do direito, como ocorre, por exemplo, nas questões ligadas ao direito de família. Não se trata, pois, de mudança de opinião: trata-se, isto sim, de alteração do entendimento do sentido da regra com o fito de adaptá-la às novas necessidades sociais. É necessário observar-se que estas mudanças não ocorrem em dias ou meses, mas em dez, vinte, trinta anos. Às vezes em séculos.
Quando a lei muda, quer-se que certas situações, às quais a lei diz respeito, sejam resolvidas diferentemente. Mas quando se altera a interpretação que se deva a certo texto de lei, como por exemplo, o que se pode dizer é que se terá, finalmente, "acertado".
Lei mal interpretada é lei ofendida, não cumprida, desrespeitada. Por isso é que sustentamos, em casos como este, ser possível o manejo da ação rescisória, com base no art. 966, V do CPC.
Admitir, como regra geral, a não rescindibilidade das decisões tidas por equivocadas pela nova posição firmada por um Tribunal Superior, porque há excessivas oscilações, seria cometer um erro, para corrigir outro.12
Nossa posição não significa, em absoluto, que as decisões transitadas em julgado que se tenham baseado em orientação diferente da atual, percam automaticamente sua validade. Como dissemos antes, nascem casos que, a nosso ver, são de rescindibilidade.
Nem sempre, todavia. Como se verá subsequentemente, casos pode haver em que outros valores, tais como os protegidos pelo princípio da confiança e a necessidade de que o direito não surpreenda as partes, proporcionando previsibilidade, recomendem seja mantida a decisão proferida à luz do entendimento jurisprudencial superado. É o de que trataremos no n.º 3, abaixo.
3. Preservação de outros valores
Em alguns casos, todavia, pode parecer aos Tribunais mais correto preservar a decisão rescindenda, em nome de outros valores.
Para preservar a situação daqueles que foram afetados por decisão com base em posição jurisprudencial já superada, hoje a lei traz a solução da modulação.
Trata-se de instituto que se traduz, como se verá com mais vagar no n.º 4, na possibilidade de os tribunais decidirem expressamente, quando alteram a orientação antes seguida, a respeito de aspectos temporais, territoriais etc... ligados à "eficácia" da decisão. Com isso quer-se dizer que os Tribunais podem, por exemplo, dizer que só vão decidir com base no novo entendimento a partir do ano seguinte, ou a partir daquele momento etc...
Se se quer, realmente, prestigiar o princípio da confiança e da segurança jurídica, a modulação é instrumento que se presta a fazê-lo de forma extremamente satisfativa.
Explicamos: se os tribunais entendem que há razões para preservar as decisões, transitadas em julgado, que foram tomadas à luz da posição que anteriormente era considerada a correta, podem, com base na modulação, não admitir a ação rescisória.
Mas não é só: podem (devem) passar a decidir com base no novo entendimento, agora considerado acertado, APENAS os processos derivados de fatos que ocorreram já à luz do novo entendimento.
Assim, se evita o indesejável efeito retroativo da mudança da jurisprudência, nos casos em que haja valores que recomendem que a situação anterior seja mantida.
Explicamos: se A deixa de recolher certo tributo, porque o STF entende que o tal tributo não incide na atividade que A realiza e, de repente, este mesmo tribunal passa a entender que o tal tributo INCIDE, à luz do MESMO TEXTO DE LEI, deve usar este novo entendimento apenas para decidir processos oriundos de casos fáticos POSTERIORES à alteração de posição. Caso contrário, A será julgado com base num padrão normativo que não existia quando praticou sua conduta: praticou sua conduta em conformidade COM O DIREITO.
Hoje se reconhece, abertamente, que o Judiciário exerce função normativa. Portanto, deve haver regras de direito intertemporal para alterações de posição dos Tribunais, principalmente, Superiores. Estas regras podem e devem ser construídas a partir do instituto da modulação.
A modulação não pode servir única e exclusivamente para evitar ações rescisórias. É instituto muito mais eficiente do que a súmula 343 e deve preservar a situação não só daquele que já foi afetado por decisão judicial transitada em julgado, com base em orientação jurisprudencial superada, mas também aquele que AGIU com base naquilo que, à época, era o direito: a lei, interpretada pelos Tribunais Superiores, à luz da doutrina.
Voltando ao exemplo: se A não recolheu certo tributo à luz da orientação pacificada à época, e, repentinamente, a jurisprudência se altera, muito provavelmente o Fisco começará a cobrar A pelos tributos não pagos. Quando o conflito entre A e o Fisco chegar ao Judiciário, não deve ser decidido à luz da nova posição, mas daquela que havia na época da conduta de A, por causa do princípio da confiança. Para isso, deve ser usada a modulação.
Deu-se, propositadamente, um exemplo de Direito Tributário, porque este é um ramo do direito em que muito frequentemente a modulação deve ser feita, quando da alteração de posicionamento dos Tribunais Superiores.
Já nos manifestamos no sentido de que os princípios que criam segurança jurídica no Direito Tributário devem ser respeitados pela jurisprudência que, de rigor, não deve se alterar. Se isto acontecer, a modulação, no formato proposto, é imperiosa.
Nossa posição, é, portanto, pelo cabimento de rescisória, desde que não haja modulação.
Se modulação houver, esta não pode ter o condão, apenas, de evitar a rescisória. Entendemos, que esta deve ser feita de molde a evitar que a nova posição adotada afete NÃO SÓ SITUAÇÕES em que tenha havido processos e trânsito em julgado, mas também aqueles em que o indivíduo agiu de boa-fé, em absoluta conformidade com o direito "em vigor", com a pauta de conduta tida por correta,
A modulação não pode desempenhar única e exclusivamente papel de jurisprudência defensiva.
4. Sobre a modulação
Admitir-se a ação rescisória quando há mudança da jurisprudência é medida que se impõe, a nosso ver, como regra geral, para que se respeite a isonomia.
No entanto, como vimos, o princípio da isonomia deve ser compreendido e aplicado também no contexto de outros valores e princípios.
Então, não se deve negar que, muitas e muitas vezes, outros valores devem ser preservados, a ponto de poder afastar a necessidade de se respeitar a isonomia.
Muito se tem escrito sobre a função normativa do Poder Judiciário. Hoje, é comum que se tenha consciência no sentido de que o juiz, em diversas medidas, cria direito. Portanto, é ator coadjuvante na formação das normas jurídicas: nas pautas de conduta.
Sob esta ótica, não se podem fazer vistas grossas à imperiosidade de que, por vezes, aquele que agiu de acordo com certa pauta de conduta (norma jurídica) seja poupado: por isso é que o legislador de 2015, sensível a essa realidade, criou o art. 927, § 3.º, in verbis: "§ 3o Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica".
Vê-se, pois, a necessidade, sentida pelo legislador de, em face de (i) alteração de jurisprudência dominante do STF e de Tribunais Superiores (ii) mudança de entendimento firmado em julgamento de IRDR e de recursos (especial ou extraordinário) repetitivos MODULAR os efeitos da nova decisão, à luz do interesse social e da segurança jurídica.
Que efeitos são esses?
São tanto os efeitos que da decisão emanam em relação às próprias partes, quanto os efeitos irradiados para fora do processo, para além do universo das partes. São os efeitos que se reconhecem a uma decisão quando nela se vê um precedente.
Então, a modulação significa a possibilidade de se situarem estes efeitos da decisão no tempo e no espaço, de acordo com ambos os valores acima referidos: interesse social e segurança jurídica.
Vê-se, pois que a modulação substitui com vantagens a súmula 343. Primeiro, seus fundamentos são razoáveis: preservação de segurança jurídica, resposta adequada ao princípio da confiança. Não é, como se quer com a súmula 343, querer-se fazer crer que a decisão estaria "correta" só porque teria sido proferida num momento histórico em que ainda se discutia qual deveria ser a tese jurídica adotada, a partir do sentido da norma se viesse a adotar. A súmula 343 elege critério não jurídico e tampouco razoável para sujeitar a decisão à rescindibilidade: o "acaso" de a discussão existir, ou não, quando da prolação da decisão.
Aliás, de rigor, o contrário é que deve gerar a não rescindibilidade: a decisão rescindenda estar em absoluta consonância com a jurisprudência pacificada de um Tribunal Superior.
A modulação é instituto concebido expressamente para concretizar, nos casos em que se entende adequado prevalecer o princípio da confiança (= segurança jurídica), pode obstar o cabimento da rescisória.
Entretanto, a modulação permite, como se viu, que se faça muito mais do que isso. Pode-se até julgar certo caso x, de acordo com entendimento jurisprudencial que havia à época em que ocorreu o caso x, mesmo que este entendimento já esteja superado no STJ ou no STF.
Assim, pois, que a modulação é instituto versátil, flexível, que se presta, de modo muito mais completo, a realizar concretamente a segurança jurídica.
1 Teori Zavascki. Ação rescisória em matéria constitucional, in Nelson Nery Junior e Teresa Arruda Alvim Wambier (coords.), Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outras formas de impugnação às decisões judiciais – 4.ª Série, São Paulo, RT, 2001, p. 1.041-1.067.
2 Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Comentários à Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, 1990, v. 1, p. 26.
3 Há trecho interessante, em voto de autoria do Ministro Eduardo Ribeiro, sobre a súmula 343, que merece ser transcrito: "Embora já tenha invocado a súmula 343 do Supremo Tribunal Federal, assim como a de n. 134 do Tribunal Federal de Recursos, sempre encarei com reservas aqueles enunciados, que me parecem tentativa pouco feliz de fixar um critério objetivo para decidir quanto ao cabimento da rescisória, com fundamento no item V do art. 485 do CPC. A expressão utilizada – interpretação controvertida – está a significar que existiam julgados em um e em outro sentido. Observe-se, de logo, que, a toda evidência, não é isso que se revela. Entender-se-ia que se quisesse justificar a inviabilidade da rescisória com o fato de os tribunais se pronunciarem no mesmo sentido do acórdão rescindendo. Não que exista controvérsia, ou seja, que, se além daqueles, outros possam apontar, contrariando a tese nele consagrada, o que só poderia servir de amparo à procedência da ação. Hão de entender-se as proposições em exame como significando não caber rescisória quando, amparando o sustentado pelo acórdão, existam outros pronunciamentos dos tribunais. Ocorre que o fato de isso verificar-se não pode servir de motivo para que o órgão, a quem caiba julgar o pedido de rescisão, se demita da responsabilidade de examinar a concorrência do pressuposto colocado pela lei. Se houve a reclamada violação literal, isso haverá de ser reconhecido e proclamado, nada importando que no mesmo erro tenham incidido outras Cortes de Justiça (...) Assim como no direito anterior, exige o Código que o aresto rescindendo haja desatendido a literal disposição de lei. Expressão análoga foi empregada, em sucessivos textos, para definir o cabimento do recurso extraordinário até que, em 1967, passou-se a exigir a negativa de vigência de lei para fazê-lo admissível, modificação que, entretanto, em nada alterou o entendimento que já se tinha firmado. Com a instituição do recurso especial é que se adotou fórmula ampliativa, sendo cabível desde que a lei seja contrariada, não necessariamente violada em sua expressão literal. Vigentes as normas anteriores a 1988, o Supremo Tribunal Federal fixara interpretação traduzida na súmula 400. Esta, apesar das críticas que recebeu, era adequada aos parâmetros que então estabelecia a Constituição. Referindo-se a decisão contra a letra da lei, claro estava o propósito restritivo. Não seria qualquer descompasso como sentido da lei que propiciaria o recurso, mas apenas o equívoco clamoroso, ainda que pudesse resultar de interpretação. Há de entender-se como tendo ocorrido violação da letra da lei quando a ela se empresta interpretação que, razoavelmente, não possa ter. Se era isso exato para o recurso extraordinário, com maior razão há de ser para a ação rescisória". Embora neste acórdão se tenha propendido pela aplicação da súmula 343, na sempre lúcida manifestação do Ministro Eduardo Ribeiro, já se faz entender certa dose de restrição à aplicação indiscriminada da mesma súmula, com o objetivo de impedir ações rescisórias de sentenças de mérito que tenham dado interpretação errada à lei (AR 208/RJ, rel. Min. Nilson Naves, j. 11.03.92, v.u., RSTJ a. 4 (40), p. 15-30, dez./92).
4 O princípio da igualdade tem como destinatários os aplicadores das normas, administrador e juiz, e o legislador. Evidente, os atos do legislativo têm um alcance maior, o que implicaria o esvaziamento quase que integral do princípio caso não fosse o legislador um daqueles a quem o princípio é endereçado (Miguel de Seabra Fagundes, O princípio constitucional da igualdade perante a lei e o Poder Legislativo, RT 235/3-15).
Entendimento diferente remonta às épocas em que se presumia que, sendo o Legislativo formado por representantes do povo, dificilmente poderiam "feri-lo com desigualdades iníquas" (idem, p. 3).
5 Exatamente nesse sentido, assevera Manoel Gonçalves Ferreira Filho que "o princípio da igualdade, que, como se viu, se impõe ao próprio legislador, a fortiori obriga o Judiciário e a Administração na aplicação que dão à lei". Observa em seguida que "a igualdade perante a lei não exclui a desigualdade de tratamento indispensável em face da particularidade de situações". No caso em tela não existe particularidade alguma a justificar a permanência da disparidade de interpretações (op. cit., p. 27).
6 Observa Luiz Alberto David Araújo, oportunamente, que o texto constitucional, que tem redação distinta do anterior no que pertine à igualdade, veio colocá-lo na cabeça do artigo, fixando-a como princípio constitucional, regra de aplicação para a integração, deixando de incluí-la como um dos direitos individuais, mas erigindo a igualdade como pressuposto do entendimento de todos os demais. A igualdade, portanto, teve alteração topográfica em relação ao texto anterior, tendo essa mudança significado de grande importância na interpretação do texto. Assim, deixou a igualdade de ser fixada apenas com um dispositivo e passou a constar com regra matriz (A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência, Brasília, CORDE, 1994, p. 84).
7 Marco Aurélio Greco, Contribuições – Uma figura sui generis. São Paulo: Dialética, 2000, p. 115.
8 Idem, ibidem, destaques no original.
9 Com clareza explica Celso Antônio:
"O ponto nodular para exame da correção de uma regra em face do princípio isonômico reside na existência ou não de correlação lógica entre o fator erigido em critério de discrímen e a discriminação legal decidida em função dele.
"(...)
"Tem-se, pois, que é o vínculo de conexão lógica entre os elementos diferenciais colecionados e a disparidade das disciplinas estabelecidas em vista deles o quid determinante da validade ou invalidade de uma regra perante a isonomia.
"Segue-se que o problema das diferenciações que não podem ser feitas sem quebra da igualdade não se adscreve aos elementos escolhidos como fatores de desigualação, pois resulta da conjunção deles com a disparidade estabelecida nos tratamentos jurídicos dispensados.
"Esclarecendo melhor: tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é erigido em critério discriminatório e, de outro lado, se há justificativa racional para, à vista do traço desigualador adotado, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade afirmada.
"(...)
"Então, no que atina ao ponto central da matéria abordada, procede afirmar: é agredida a igualdade quando o fator diferencial adotado para qualificar os atingidos pela regra não guarda relação de pertinência lógica com a inclusão ou exclusão no benefício deferido ou com a inserção ou arredamento do gravame imposto.
"Cabe, por isso mesmo, quanto a este aspecto, concluir: o critério especificador escolhido pela lei, a fim de circunscrever os atingidos por uma situação jurídica – a dizer: o fator de discriminação – pode ser qualquer elemento radicado neles; todavia, necessita, inarredavelmente, guardar relação de pertinência lógica com a diferenciação que dele resulta. Em outras palavras: a discriminação não pode ser gratuita ou fortuita. Impende que exista uma adequação racional entre o tratamento diferenciado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo. Segue-se que, se o fator diferencial não guardar conexão lógica com a disparidade de tratamentos jurídicos dispensados, a distinção estabelecida afronta o princípio da isonomia" (Celso Antonio Bandeira de Mello, Conteúdo jurídico do princípio da igualdade, 3. ed., 8. tir., São Paulo, Malheiros, 2000, p. 37-39).
10 O Judiciário já se tenha posicionado de forma clara a respeito da interpretação correta da norma.
11 Rel. Min. Marco Aurélio, j. em 22/out/14.
12 Leonardo Greco nos ensina que: "Alguns tribunais constitucionais, como o da Alemanha e o da Espanha, já assentaram como essencial à eficácia do direito fundamental à igualdade a homogeneidade e a continuidade das decisões de cada tribunal, que não deve adotar mudanças repentinas e infundadas em sua jurisprudência, para não ocasionar desigualdade de tratamento na aplicação da lei (v. Robert Alexy e Ralf Dreier, Precedent in the Federal Republic of Germany, e Alfonso Ruiz Miguel, Precedent in Spain, in D. Neil MacCormick e Robert S. Summers, Interpreting precedents, Ashgate Publishing Limited, Hants, 1997, pp. 17-64 e 259-292)" [Coisa julgada, constitucionalidade e legalidade em matéria tributária, in Hugo de Brito Machado (coord.), Coisa julgada, constitucionalidade e legalidade em matéria tributária, São Paulo, Dialética; Fortaleza, Instituto Cearense de Estudos Tributários, 2006, p. 294-307, especialmente p. 297].
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