A improcedência liminar, a nulidade localizada, a prescrição "ex officio" e o processo trabalhista
Mário Gonçalves Júnior*
O primeiro novo instituto pode ser tecnicamente batizado de improcedência liminar, dado o momento de cabimento ("in initio litis" e "inaudita altera pars"):
"Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada. Parágrafo 1o. Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação; Parágrafo 2o. Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso" (artigo 285-A).
Trata-se, sem sombra de dúvida, de alteração arrojada e que potencializa o princípio da efetividade processual, uma vez que permite decisão de mérito desfavorável ao autor da demanda sem citação e resposta do réu.
Uma regra simples e óbvia, que de tão óbvia já poderia ter sido criada há mais tempo: se a questão é unicamente de direito, repetida em juízo e a improcedência é manifesta já pela própria causa de pedir, que prejuízo poderia advir para o réu a absolvição de plano? Isto evidencia que realmente é possível alcançar grandes efeitos com incisões cirúrgicas na legislação, nem sempre havendo necessidade de se reconstruir codificações para obter resultados práticos importantes.
Certamente haverá, como sempre, os que vislumbrarão inconstitucionalidade, imaginando impossível à legislação processual prever hipótese de sentença de mérito sem prévia triangulação processual (contraditório, ampla defesa e devido processo legal). Neste particular, é sempre atual a advertência de UADI LAMMÊGO BULOS: "O que se constata, cada vez mais, é a proliferação de interpretações distorcidas da Constituição, inclusive dos princípios constitucionais do processo, dentre os quais o vetor do direito de ação" (Constituição Federal Anotada, Saraiva, São Paulo, 2000, pág. 176).
O segundo instituto pode receber também um apelido, o de nulidade localizada. O novo parágrafo 4o. do artigo 515 dispõe que "constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação".
Tome-se como exemplo, para ilustrar, o indeferimento de oitiva de testemunha que o Tribunal de apelação considere prejudicial à ampla defesa do recorrente. No sistema alterado, o que sucedia? O Tribunal decretava não só a nulidade do indeferimento da oitiva da testemunha, como de todos os atos processuais posteriores. Agora, abre-se a possibilidade de o Tribunal "ad quem" determinar apenas o saneamento do ato viciado, isto é, a oitiva da testemunha, após o que retomará o julgamento da apelação.
Aqui, sim, muitos poderão com alguma dose de razão questionar a constitucionalidade da medida se não for permitido às partes aditar recurso e contra-razões tendo em vista o novo ato processual produzido (mormente no exemplo tomado, que introduz nova prova nos autos, cujo conteúdo recorrente e recorrido não poderiam prever), nada que, entretanto, a jurisprudência não poderá adaptar caso a caso, com base no princípio da razoabilidade e por reflexo dos comandos constitucionais do processo (art. 5o., LIV e LV). A busca da efetividade processual é bem jurídico maior do que qualquer outro, sendo não só possível, como recomendável, que não se coloque a perder o instituto se é possível aplicá-lo com respeito ao devido processo legal.
A prescrição, finalmente, é matéria conhecível de ofício, tratando-se de dever do juiz decretá-la, dada a flexão imperativa do verbo do parágrafo 5o. do artigo 219: "O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição".
Com isto abandonou-se cultura irrealista e ultrapassada que condicionava a prescrição à manifestação expressa de vontade do devedor. Argumentava-se que, por questões morais, o devedor poderia preferir a absolvição por razões de fundo - a declaração sentencial de não dever -, ou, apesar de prescrita, a quitação espontânea.
A primeira razão permitiria movimentar a máquina judiciária por razões egoísticas e particulares, disputando tempo jurisdicional com as demandas de todos os demais jurisdicionados, fazendo prevalecer o interesse pessoal ao social; a segunda não nos parece impedida pelo decreto ex officio da prescrição, já que, mesmo absolvido, o réu pode espontaneamente pagar ao autor a dívida prescrita, ainda que isto possa ser paradoxal (se quiser pagar, provavelmente terá oportunidade antes da propositura da ação).
A prescrição dependente de argüição do réu serviu, na prática, infelizmente, apenas para duas coisas: prejuízo financeiro para o réu por falha de defesa (esquecimento de argüição da prescrição pelo advogado) ou conluio entre litigantes e/ou advogados adversários.
A prescrição "ex officio" torna mais eficaz o princípio da boa-fé processual, e não impede que dívida prescrita seja extrajudicialmente paga, se assim preferir o devedor.
Três inovações, como se vê, que merecem apoio.
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* Advogado do escritório Demarest e Almeida Advogados
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