Migalhas de Peso

Haja fatos para tantas normas – Socorro, Leminski!

O gosto da estagnação de um processo é, efetivamente, o do retrocesso, pois, como tão bem cantava Cazuza, “o tempo não para”. Se o processo parar...

6/11/2017

Como a edição do Codice di Procedura Civile1 que tenho é de 1999, fui buscar um texto atualizado e encontrei um, em PDF, atualizado até dezembro de 20162. Pude constatar (logo abaixo far-se-á a transcrição) que o art. 700 do CPC italiano, aprovado pelo decreto 1443, de 28/4/1940, período Vittorio Emanuele e Benito Mussolini, ainda é o mesmo.

Aqui no Brasil, no CPC/39 (Dec.-lei 1608, de setembro daquele ano), já com as reformas de 1942, as chamadas 'medidas preventivas' vinham no Título I do Livro V (Processos Acessórios), e lá já havia pelo menos 42 (quarenta e duas) disposições sobre como tais medidas se aplicariam, se contarmos os artigos, incisos, parágrafos. Havia também disposições avulsas sobre urgência e emergência em outros artigos do Codex.

O CPC Buzaid, com todas as modificações havidas em seu trajeto de vida, desde o tempo em que falava apenas dos procedimentos cautelares, até que viesse a antecipação dos efeitos da tutela, em primeiro e segundo graus, se considerarmos as chamadas 'cautelares atípicas', que não eram exatamente medidas heuremáticas, mas providências admoestatórias, mais que dobrou o número de dispositivos para regulamentar algo que parece curial: em caso de emergência, o juiz deve...

O novo CPC, que parecia prometer algo mais enxuto, já que o art. 300 proclama que "A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo", acabou criando novos rótulos, a nosso ver algo como pleonasmos jurídicos: tutela de emergência, tutela cautelar, tutela de evidência, quando poderia haver sintetizado tudo em algo como 'tutelas de urgência', e elas seriam antecipatórias ou incidentais.

Que esperar, num país cuja Constituição Federal, até hoje (por enquanto, claro), já tem 91 emendas?

Há muito tempo, inspirados em legislação estrangeira, vários autores brasileiros já usavam a denominação 'tutela de urgência'.

José Roberto dos Santos Bedaque, por exemplo, ao comentar o artigo 273 do CPC de 19733, dizia:

Item 3. "Muito mais do que se preocupar com as diferenças existentes entre tutela cautelar e tutela antecipada, mais útil para o sistema é considerá-las como espécies do gênero tutelas de urgência."

Veja-se a singeleza do Codice di Procedura Civile Italiano (este que vimos ainda estar em vigor) artigo 700, em capítulo que trata de ações cautelares:

"(...) Chi ha fondato motivo di temere che durante il tempo occorrente per far valere il suo diritto in via ordinaria, questo sia minacciato da un pregiudizio imminente e irreparabile, può chiedere con ricorso al giudice i provvedimenti d'urgenza, che appaiono, secondo le circonstanze, più idonei ad assicurare provvisoriamente gli effetti della decisione sul merito."

Em livre tradução, diz o Codice que quantos tenham fundado motivo para temer que, durante o tempo em que estejam a postular pelo valimento de seus direitos, nas vias ordinárias, estes possam ser ameaçados, com causação de prejuízo iminente e irreparável, poderão requerer ao juiz um provimento de urgência para assegurar provisoriamente a eficácia da decisão sobre o mérito.

Assim também o vetusto e sempre atual artigo 808 do Código de Processo Civil francês4:

"Dans tous les cas d'urgence, le président du tribunal de grande instance peut ordonner en référé toutes les mesures qui ne se heurtent à aucune contestation sérieuse (...)."

Em livre tradução: em todos os casos de urgência, o presidente do TGI pode determinar provisoriamente todas as medidas que não se choquem com uma contestação séria (...).

Veja-se o que a Legislación sobre Enjuiciamiento Civil, Espanhola5, a lei 1/00 diz, em seu artigo 721, ao tratar de medidas heuremáticas:

"721. 1. (...) Todo actor, principal o reconvencional, podrá solicitar del tribunal, conforme a lo dispuesto en este Titulo, la adopción de las medidas cautelares que considere necessarias para assegurar la efectividad de la tutela judicial que pudiera outorgarse en la sentencia estimatoria que se dictare."

Reiterando a posição de J.R. Bedaque,

"Muito mais do que se preocupar com as diferenças existentes entre tutela cautelar e tutela antecipada, mais útil para o sistema é considerá-las como espécies do gênero tutelas de urgência."

Ovídio Baptista da Silva6, ao explicar o chamado "poder geral de cautela", que ontologicamente guarda correlação com aqueloutro que defere as tutelas emergenciais em geral, recorre a Galeno Lacerda, para quem tal poder tem natureza 'discricionária' e, em regra, jurisdicional.

Depois das necessárias explanações, lança colmagem o Lente Sulista para explicar que o poder discricionário conterá sempre um julgamento de oportunidade, e não de legalidade, mas sempre fiel à finalidade prevista em lei.

O artigo 797 do Código de Processo Civil de 73 já assegurava:

"Em casos excepcionais, expressamente autorizados por lei, determinará o juiz medidas cautelares sem a audiência das partes."

Sobre a antecipação dos efeitos da tutela, diz J.R. Bedaque, que vimos citando:

Item 21. (...)

Nem mesmo a exigência do contraditório constitui empecilho insuperável à posição ora adotada (tutela emergencial inaudita altera parte). Tal solução, excepcional evidentemente, não viola o contraditório, pois a parte contrária, ao tomar conhecimento da medida, possui meios prontos e eficazes para alterá-la. E o princípio em questão, como de resto, todos os demais, deve ser analisado em conformidade com os escopos maiores do sistema processual.

Toda a legislação estrangeira consultada tem mais disposições sobre as tutelas emergenciais, e que estão fora do capítulo específico a elas destinados. Os nossos também sempre tiveram, embora as receitas de bolo gigantes, nos artigos destinados àquilo tudo.

A verdade, porém, é que o juiz, ao decidir, avaliará a urgência. Se ela houver, seja em que momento for, ou se haja sérios indícios de prejuízo, isso é que valerá. Se a medida é antecedente ou incidente, se há mais palavras que o necessário, se há mais 'ontem' do que 'hoje', se há mais rótulos que conteúdo, tudo isso é filigrana processual ou requinte de ourivesaria, na prática.

Narra mihi factum dabo tibi jus é o brocardo imortal que haveria de resolver todas as questões jurídicas atinentes às tutelas emergenciais também.

Indício claro estava, no CPC/73, assim:

Art. 273. ... § 7o Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)

E no atual há isto:

Art. 305. A petição inicial da ação que visa à prestação de tutela cautelar em caráter antecedente indicará a lide e seu fundamento, a exposição sumária do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Parágrafo único. Caso entenda que o pedido a que se refere o caput tem natureza antecipada, o juiz observará o disposto no art. 303.

Preencham-se os requisitos da petição, e se a realidade mostrar necessidade de tutela emergencial, dê-se-lhe o nome que se lhe der, a ordem será concedida, como sói acontecer, independentemente do rótulo, em todos os países ocidentais em que se prefira, à forma, a proteção oferecida pelo Poder Judiciário ao jurisdicionado.

Em A Igreja do Diabo, Machado de Assis põe na boca de Satanás a seguinte explicação, para o sucesso que deveria ter sua própria Igreja: "as virtudes, filhas do céu, são em grande número comparáveis a rainhas, cujo manto de veludo rematasse em franjas de algodão".

Esse manto de veludo, rematado em franjas de algodão, é o excesso de disposições sobre medidas emergenciais: "tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada" (art. 294, par. ún., CPC), "tutela de evidência" (art. 311) ... o excesso já começa pelos nomes. Para que tantos, se o objetivo é um só?

Milhares de juristas devem sonhar com o dia em que Deus responda ao Anhangá: "Que queres tu, meu pobre Diabo? As capas de algodão têm agora franjas de seda, como as de veludo tiveram franjas de algodão". Nesse dia, nosso Código seria menos burocrático e mais efetivo. Se o processo deve andar celeremente, que ele não seja obstado por excesso de sintagmas.

Apenas para dar uma última palavra sobre burocracia processual, em "O Crocodilo", Dostoiévsky narra que Karlchen (Carlinhos), o réptil, estava exposto a visitação de quem desejasse vê-lo, por um quarto de Rublo. Um servidor público abaixou-se para cutucá-lo e permitir à esposa que também o visse mexer-se. Em tal momento, Carlinhos o abocanhou. Refrega vai, refrega vem, e o homem ficou entalado da boca do crocodilo para dentro. O crocodilo não conseguia digeri-lo, pois sua indumentária lho impedia; o homem não morria, porque se alimentava dos ácidos estomacais do animal.

Imagem emética da burocracia de então e que, em alguns processos que precisamos enfrentar, é tão nauseabunda quanto. Seja pelo excesso de exigências ritualísticas, seja pelo excesso de normas, que às vezes leva advogados mal intencionados a lutarem pelos detalhes processuais em verdadeiras chicanas que nos abocanham, como Karlchen7. O gosto da estagnação de um processo é, efetivamente, o do retrocesso, pois, como tão bem cantava Cazuza, "o tempo não para". Se o processo parar...
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1 G. Giappichelli, Quarta edizione, coord. Ferruccio Tommaseo.

2 Codice di procedura civile

3 Código de Processo Civil Interpretado, Atlas, 2ª Edição, coordenação de Antônio Carlos Marcato.

4 Code de Procédure Civile, Juris Classeur, Litec Groupe LexisNexis, Éd. 2002, 15e ed.

5 Ed. Thomson-Civitas, 28ª edição, organizada por Julio Banacloche Palao, 2005.

6 Comentários ao CPC/73, Forense, 2ª Ed., Vol XI: Do Proc. Cautelar, nota ao artigo 798.

7
Resenha Crítica: O Crocodilo (1864) - Um conto de Fiódor Dostoievski
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*Renato Maluf é advogado do escritório Amaral Gurgel Advogados.


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