No contexto do ajuste de contas do Governo Federal, foi publicada a Medida Provisória 806, em edição extraordinária do Diário Oficial da União de 30/11/17, pela qual as regras de diferimento de tributação aplicáveis aos fundos fechados foram substancialmente alteradas. Por meio da MP 806/17, o Governo pretende acabar com o regime de diferimento de tributação dos investimentos em fundos fechados, os quais passarão a ser tributados, como regra geral, segundo as regras atualmente aplicáveis aos fundos abertos.
A seguir, apresentamos as principais alterações promovidas pela MP 806/17, bem como os seus pontos polêmicos, que deverão resultar em discussões entre contribuintes e o Fisco caso a MP seja convertida em lei.
Fundos fechados impactados pela MP 806/17: os fundos de investimento fechados em geral, como Fundos de Investimento Multimercados (FIMs). Fundos de Investimento de Participações (FIPs) também tiveram seu regime de tributação alterado pela MP 806/17, conforme será comentado em mais detalhes adiante.
Fundos fechados não impactados pela MP 806/17: Fundos de Investimentos Imobiliários (FIIs); Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs/FIC-FIDCs); Fundos de Investimento em Ações (FICs/FIAs); Fundos de Investimento constituídos exclusivamente por investidores não-residentes; e Fundos de Investimento fechados em geral cujos regulamentos estabeleçam, de forma improrrogável, a liquidação dos fundos em 31/12/18.
Novo regime de tributação aos fundos fechados alcançados pela MP 806/17:
Tributação do ''estoque'': em 31/5/18, os rendimentos e ganhos auferidos pelos fundos fechados que não tenham sido distribuídos aos cotistas até tal data serão tributados, pelo imposto de renda na fonte (IRF), de acordo com alíquotas regressivas (22.5% à 15%), dependendo do prazo do investimento e da carteira do fundo, tal como ocorre em relação aos fundos abertos em geral. O administrador do fundo será responsável pelo recolhimento do imposto devido, que corresponderá à diferença positiva entre o valor patrimonial da cota em 31/5/18 e o respectivo custo de aquisição ajustado pelas amortizações ocorridas.
Tributação dos rendimentos/ganhos futuros: a partir de 1/6/18, os rendimentos/ganhos auferidos em razão de investimentos em fundos fechados alcançados pela MP 806/17 estarão sujeitos à incidência do IRF de acordo com alíquotas regressivas no último dia útil dos meses de maio e novembro de cada ano ou no momento de amortização ou resgate de cotas (em razão da liquidação do fundo), se ocorridos em data anterior. Instituições financeiras em geral (i.e. bancos, DTVMs, seguradoras, corretoras, etc.) não estão sujeitas à incidência do IRF em relação a investimentos em fundos fechados.
Operações de cisão, incorporação, fusão ou transformação de fundo de investimento: a partir de 1/1/18, ''reestruturações societárias'' envolvendo fundos de investimentos, que antes não eram tributadas se determinadas circunstâncias fossem atendidas, passarão a ser automaticamente tributadas. A tributação pelo IRF, a ser promovida pelo administrador do fundo, corresponderá à diferença positiva entre o valor patrimonial da cota na data do evento e o respectivo custo de aquisição, ajustado pelas amortizações ocorridas ou o valor da cota na data da última incidência do imposto.
Novo Regime de Tributação aplicável a FIPs: de acordo com os termos da MP 806/17, o regime de tributação aplicável aos FIPs dependerá da qualificação de tais veículos como ''entidade de investimento'' ou como ''não entidade de investimento''.?
FIPs ''entidades de investimento'': de acordo com os artigos 4º e 5º da Instrução CVM 579/16, são qualificados como entidades de investimento os FIPs que, dentre outras características, atribuam o desenvolvimento e gestão da carteira a um gestor qualificado, que deve ter plena discricionariedade na representação e tomada de decisão junto às entidades investidas, visando à obtenção de retorno principalmente por meio do desinvestimento dos ativos detidos pelo fundo, que, regra geral, devem ser avaliados com base no valor justo. Segundo a MP 806/17, os FIPs ''entidades de investimento'' não estão sujeitos à tributação semestral do IRF. Entretanto, na hipótese de alienação de ativos do fundo, haverá tributação pelo IRF (à alíquota de 15%, como regra geral), independentemente de qualquer distribuição de valores aos cotistas, a partir do momento em que, cumulativamente, os valores distribuídos, ou considerados como distribuídos, passem a superar o capital total integralizado pelos cotistas.
FIPs ''não entidades de investimento'': estarão sujeitos à tributação tal como fossem pessoas jurídicas. Segundo a MP 806/17, os ganhos acumulados pelos FIPs até 2/1/18 serão considerados como distribuídos aos cotistas nesta data e oferecidos à tributação à alíquota de 15% (tributação do estoque). Somente os ganhos auferidos a partir de 2/1/18 dos FIPs não qualificados como ''entidades de investimento'' é que estarão sujeitos a tributação como pessoa jurídica, nos termos mencionados acima.
Benefícios fiscais aplicáveis a FIPs detidos por investidores não-residentes: como regra geral, os benefícios fiscais previstos no artigo 3º da lei 11.312/06 permanecem aplicáveis aos investidores estrangeiros que detenham investimentos em FIPs, desde que as condições previstas na legislação específica sejam atendidas.
O novo pacote de maldades trazido pelo Governo Federal impacta significativamente a indústria de fundos de investimento fechados. Várias disposições da MP 806/17 são controversas e devem gerar questionamentos entre Fisco e contribuintes, destacando-se: (i) tributação retroativa dos ganhos acumulados por fundos fechados; (ii) criação de hipóteses fictas de tributação de resultados; (iii) equiparação de tributação de fundos a pessoas jurídicas; (iv) tributação de ''reorganizações societárias de fundos'' a partir de 1.1.2018, etc.
No caso de fundos fechados equiparados a pessoas jurídicas, poderá haver discussão em relação a como deverão ocorrer as tributações de futuras distribuições de dividendos e juros sobre o capital próprio, já que os artigos 9 e 10 da lei 9.249/95 foram elaborados para pessoas jurídicas efetivas e não para fundos de investimento equiparados a pessoas jurídicas.
É uma pena que, mais uma vez, o Governo Federal busque solucionar seus problemas fiscais mediante a solução (mais fácil) de aumentar a carga tributária. Como a MP terá que ser aprovada pelo Congresso Nacional até 31/12/17 para poder viger em 2018, espera-se que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal possam rechaçar essa medida provisória, buscando outras alternativas para o ajuste fiscal que não o simples aumento de carga tributária. Ademais, a tributação dos ganhos acumulados antes da publicação da MP 806/17 e a modificação do regime tributário de fundos já existentes sempre reduzirá a confiança de investidores estrangeiros e nacionais, aumentando a percepção do risco de se investir em nosso País.
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*Giancarlo Chamma Matarazzo é sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados.
*Flávio Veitzman é sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados.
*Pedro Augusto do A Abujamra Asseis é associado do escritório Pinheiro Neto Advogados.
*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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