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A lei de repatriação e seus desdobramentos

Recentemente foi editado o Parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) 1.290/17, o qual, respondendo questões formuladas pela Receita Federal do Brasil (RFB), trouxe diversos entendimentos, cujas primeiras e principais preocupações passamos a manifestar adiante.

1/11/2017

Passadas as duas fases do Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), deu-se início às fiscalizações dos ativos de brasileiros no exterior, decorrentes tanto do Foreign Account Tax Compliance Act (FATCA), como dos acordos bilaterais de mútua cooperação, sem que ainda tenha havido, ao menos formalmente, procedimentos específicos de fiscalização das próprias Declarações de Regularização Cambial e Tributária (DERCAT’s).

Muito embora as DERCAT’s não possam ser ponto de partida para investigações e fiscalizações, não há, no cenário que se desenha, muita clareza acerca das programações e direcionamentos das fiscalizações que se iniciam.

Ou seja, não se sabe ‘o que está gerando o que’, em outras palavras: se as trocas automáticas e/ou a pedido estão gerando as fiscalizações (que, por sua vez, acidentalmente relacionam-se com as DERCAT’s); ou se as DERCAT’s estão pautando e direcionando os desdobramentos das trocas automáticas e/ou a pedido, e/ou acionando as ferramentas de mútua cooperação.

Nesse contexto, recentemente foi editado o Parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) 1.290/17, o qual, respondendo questões formuladas pela Receita Federal do Brasil (RFB), trouxe diversos entendimentos, cujas primeiras e principais preocupações passamos a manifestar adiante.

Logo no primeiro questionamento, a RFB manifesta dúvida se haveria ofensa à lei se a RFB aplicasse critérios para levantar indícios que possam vir a motivar a retirada dos efeitos do programa.

A profundidade e extensão da pergunta não são muito claras, o que leva à suposição, ao menos em tese, de que a RFB pretende utilizar as DERCAT’s como ponto de partida para outras investigações ou fiscalizações. Até porque, na formulação do quesito a RFB já antecipa seu posicionamento, manifestando que, se entende que os ativos decorrentes do RERCT e que estejam presentes nessas declarações poderão fundamentar procedimentos administrativos tributários diversos.

Porém, a lei 13.254/16 parece ser suficientemente clara a respeito, ao dispor, que a declaração de regularização não poderá ser por qualquer modo, utilizada como único indício ou elemento para efeitos de expediente investigatório ou/e para fundamentar, direta ou indiretamente, qualquer procedimento administrativo.

E mesmo na hipótese de exclusão do programa, deixa claro que a instauração ou a continuidade de procedimentos investigatórios relacionados à origem dos ativos a serem repatriados somente poderá ocorrer se houver evidências documentais não relacionadas à declaração do contribuinte.

Criando uma estranha regra de presunção, a PGFN apresenta entendimento de que os contribuintes intimados pela RFB para comprovar a origem lícita dos ativos regularizados na DERCAT, não o fazendo, serão excluídos do RERCT, por presumir-se a falsidade de sua declaração quanto à licitude da origem dos ativos. Não obstante, os documentos previstos na lei 13.254/16, e que o contribuinte é obrigado a manter e apresentar à RFB, são aqueles necessários para a comprovação dos valores de mercado dos ativos declarados.

Nesses termos, a lei 13.254/16 dispõe que as declarações devem ser acompanhadas de documentos e informações sobre a sua identificação, titularidade ou destinação. Não se fala, portanto, em documentos sobre a origem lícita, até porque tal exigência, já no debate legislativo, foi expressamente excluída do texto legal aprovado.

E a própria RFB, em seu ''Perguntas e Respostas'', já havia manifestado que o contribuinte deve identificar a origem dos bens e declarar que eles têm origem em atividade econômica lícita na Dercat. Não há obrigatoriedade de comprovação. O ônus da prova de demonstrar que as informações são falsas é da RFB.

Sobre a possibilidade de comunicar a exclusão do RERCT ao Ministério Público Federal (MPF), entendeu-se que sim (observado o iter procedimental, com processo administrativo específico, recurso, e final decisão pela exclusão do contribuinte). Contudo, a comunicação não é para que o MPF instaure e inicie persecuções penais, mas sim, tão somente, prossiga eventuais investigações com base em elementos outros que não unicamente as informações da DERCAT.

Por fim, a PGFN manifesta entendimento sobre a possibilidade de compartilhamento das Declarações de Ajuste Anual (DAA) retificadoras com os Estados e Municípios (nas quais há informação da DERCAT), permitindo a fiscalização e autuação de ICMS, ITCMD e ISS.

Em primeiro lugar, destaca-se que a lei 13.254/16, dispõe que é vedada à RFB e os demais órgãos intervenientes do RERCT a divulgação ou o compartilhamento das informações prestadas pelos declarantes que tiverem aderido ao RERCT com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, inclusive para fins de constituição de crédito tributário.

A vedação de compartilhamento, pois, é das informações prestadas no âmbito do RERCT, o que impede o compartilhamento das DAA-Retificadoras, ao menos em relação às fichas pertinentes ao RERCT.

Em segundo lugar, as DAA-Retificadoras informam tão somente o ativo regularizado, não a sua origem e natureza. Assim, difícil imaginar como Estados e Municípios exerceriam sua fiscalização sem acesso às informações da DERCAT.

Espera-se que o programa brasileiro de anistia seja tratado com a devida responsabilidade, cumprindo às autoridades fazendárias conferirem a necessária segurança jurídica ao RERCT, sem desestabilização de expectativas num momento de fragilidade econômica.

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*Marcos Paiva é sócio fundador do escritório Choaib, Paiva e Justo Advogados Associados.

*Rodrigo Massud é sócio do escritório Choaib, Paiva e Justo Advogados Associados.

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