Migalhas de Peso

O fim da dogmática jurídica?

Acredito que a dogmática jurídica, assim entendida a teoria jurídica que estuda as normas jurídicas (princípios e regras como objeto de estudo), também chegou a um esgotamento.

27/10/2017

Tversky teria comentado a um colega de faculdade (Michael Lewis) que Filosofia não era para ele. Com efeito, após alguns cursos na matéria, teria dito que ela não seria uma boa profissão, pois os maiores problemas da Filosofia teriam já sido resolvidos pelos gregos. Em resumo, não haveria muito a agregar de inovador; era um campo “seco” do conhecimento para “intelectuais estratégicos”.

Como é sabido, Tversky (conjuntamente com Kahnemann) ganhou um nobel de economia utilizando conceitos de psicologia ao raciocínio econômico. Não se pode dizer que não tenha sido um inovador, nem bem sucedido.

Eu mesmo assisti a alguns cursos de filosofia e pude constatar que muito de seu estudo ainda remonta autores “clássicos” – não necessariamente gregos, mas, em sua maioria, autores com obras publicadas há pelo menos mais de cem anos. O custo de se inovar é enorme e sempre haverá um professor carrancudo disposto a desencorajar alunos a empreenderem novos caminhos. Entender o que já existe é um caminho suficientemente árduo. A sua aplicação à realidade, uma certa diminuição intelectual.

Talvez por isso, filósofos tenham perdido a capacidade – se é que já tiveram algum interesse – em refletir e ajudar a resolver problemas concretos da nossa sociedade. Poucas áreas são tão herméticas e isoladas de realidade quanto a Filosofia.

Pois acredito que a dogmática jurídica, assim entendida a teoria jurídica que estuda as normas jurídicas (princípios e regras como objeto de estudo), também chegou a um esgotamento. Os maiores problemas da “ciência jurídica” foram já resolvidos por autores com obras publicadas há muitos anos. Como bem argumenta Posner, sofisticar a teoria jurídica (ensimesmada em recitação de opiniões de autoridade) pouco contribuirá com os problemas complexos do mundo contemporâneo trazidos, sobretudo, pela tecnologia.

Se Tversky fosse a um congresso ou frequentasse cursos em qualquer tradicional faculdade de direito brasileira, chegaria a mesma conclusão a que chegou sobre a filosofia. Não há substancialmente mais nada a acrescentar ali. É um campo ''seco''. Estarão juristas concentrados debatendo a milésima teoria da ação, os princípios medievais dos títulos de crédito e o sinalagma e boa fé contratuais.

O que se segue depois do esgotamento de um campo do conhecimento humano é sua mera repetição ou, no máximo, adaptação. Nesse ambiente relativamente hostil à inovação teórica, a pesquisa interdisciplinar pode ser uma boa saída para pensar a solução de problemas novos. Com isso, aproveitamos o estoque de conhecimentos já desenvolvido em diversos campos científicos e o mesclamos para o bem da renovação da ciência. Tversky mesclou economia com psicologia.

E o que houve de mais inovador no campo da teoria jurídica? Foi a sua mescla com outros campos das ciências sociais, especialmente com a Economia (Law and Economics). De quebra, ganhamos com a Economia, os influxos da psicologia comportamental.

Ora, os Estados Unidos têm, disparado, o melhor sistema universitário do mundo. Lá, para começar, é preciso estudar alguma graduação antes de se fazer Direito (que é pós graduação); só isso já garante que estudantes de Direito sejam antes biólogos, matemáticos, economistas, contadores, engenheiros, antes de estudarem o Direito. E isso faz muita diferença! Fica difícil não ser interdisciplinar nesse cenário.

Mais que isso. Também os norte-americanos foram os mais inovadores no ensino jurídico, ao aposentarem a dogmática jurídica e o ensino de Direito expositivo e doutoral e optarem por um método socrático de discussão de casos, que torna o debate e a argumentação mais importante que o resultado ou a disputa de opiniões de autoridade. Não que opiniões e autoridades não sejam importantes; mas, elas estarão sempre a disposição para consulta quando se tiver de resolver um caso prático.

Associado a isso, praticamente não existe doutorado em Direito, já que não faz muito sentido estudar as normas jurídicas sem um contexto político, econômico e social. Desse modo, professores que ensinam Direito (que fizeram graduação em outra área), farão também seu doutorado em outro campo das ciências sociais, normalmente economia, sociologia ou ciência política. Por lá, aprenderá a fazer pesquisa empírica e a confrontar as normas jurídicas com a realidade.

Talvez o que se passou com a filosofia e com a teoria jurídica seja algo natural, humano. Igualmente a música erudita parece ter ''terminado'' no século XIX, o rock and roll no século XX. Muito da música contemporânea é fruto de combinações de gêneros e de misturas. Esse seria o melhor caminho para a teoria do Direito se soubermos ser intelectualmente mais humildes e genuinamente curiosos.

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*Luciano Benetti Timm é professor, mestre e doutor em Direito. Presidente da ABDE e sócio do escritório Carvalho, Machado e Timm Advogados.

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