O STJ julgou importante processo(CC 139519/RJ), que tramitava desde 2014, pelo qual a Petrobras levou ao Judiciário a discussão sobre a extensão da validade de cláusula arbitral de contrato de concessão de petróleo. O caso específico, envolveu a disputa entre Petrobras e ANP em torno dos critérios de cálculo da participação especial (compensação financeira extraordinária) pela exploração de óleo e gás em áreas do Parque das Baleias, no Espírito Santo. O Estado do Espirito Santo por sua vez tem interesse na questão porque, de sua parte pode ser afetado pela distribuição destes valores.
O cerne da questão diz com uma questão técnica e regulatória, consistente em definir o campo sobre o qual se calcula a produção e por conseguinte a avaliação se esta produção justifica ou não a incidência deste plus de participação (royalties extraordinários).
A ANP, administrativamente, determinou a reunião dos campos do Parque das Baleias em um único campo e rejeitou a repartição do Campo de Lula.
A Petrobras levou então a questão à Câmara de Comércio Internacional, câmara indicada no contrato de concessão para dirimir controvérsias relativas à explicação de campo concedida. Seguiu-se então intensa batalha judicial entre Petrobras e ANP sobre a arbitrabilidade da questão. No entendimento da ANP as questões que envolvam ''pretensões que afetem, direta ou indiretamente, a apuração e o pagamento de participações governamentais como a delimitação (limites) do Campo de Petróleo e demais elementos do Plano de Desenvolvimento” seriam, “direitos patromoniais indisponíveis''.
A recente decisão do STJ reconheceu portanto a arbitrabilidade do tema sobre a delimitação (limites) dos Campos de Petróleo. Reflete uma importante evolução do Judiciário não apenas sobre o entendimento de que a arbitragem é o melhor meio de solução para disputas complexas, no setor de infraestrutura e de grandes valores - sendo, neste caso, no Brasil a consolidação da arbitragem no setor de óleo e gás, submete o Estado-regulador à arbitragem, entendendo arbitrável decisão regulatória e avança, em especial, sobre o que sejam os direitos patrimoniais indisponíveis do Estado.
Observa-se que a ANP no caso suscitou uma incapacidade de arbitrar objetiva, atrelada ao fato de que a delimitação dos Campos de Petróleo, atividade esta de cunho absolutamente econômica, tratava-se de direito patrimonial indisponível.
A decisão do STJ é importante também porque reverte decisões anteriores de instâncias do Judiciário que refletiam visões bastante antigas e equivocadas sobre a arbitrabilidade, conforme .
No curso do processo TRF-2, em agravo de instrumento emitiu decisão pela qual, no seu entender, o Poder Judiciário é quem deveria se manifestar sobre a competência e o mérito da questão, pois a delimitação de campo de petróleo seria matéria concernente à atividade fiscalizadora, decorrente de poder de polícia da agência reguladora, logo um direito indisponível que refugiria aos limites da cláusula de compromisso arbitral.
Não só isso. Em ação anulatória do procedimento arbitral instaurado pela Petrobras, o Juízo da 1ª Vara Federal do Rio de Janeiro ( 0005966-81.2014.4.02.5101), consignou que ''me parece que o controle de legalidade dos limites da cláusula compromissória não pode ficar restrito ao convencimento do árbitro''.
Por isso, a recente decisão do STJ, que reconhece a arbitrabilidade no caso em questão consolida importante entendimento sobre (i) a competência do tribunal arbitral para deliberar sobre o alcance e limites das cláusulas compromissórias (em atenção aliás ao disposto no art. 8º. parágrafo único da Lei de Arbitragem); (ii) evidente evolução sobre a capacidade de arbitrar do Poder Público e sobre o conceito de interesse público patrimonial disponível (primário e secundário); (iii) bem como deixa à evidência a evolução das legislação brasileira sobre o instituto da arbitragem desde o decreto 15783/22 (que vedava a arbitragem com a administração pública), passando pelas leis 8987/95 (lei de concessões) e lei 9478/97 (lei ANP , arts. 20,27 e 43) até a lei 13.335/16, complementada pela MP 752/16, convertida na lei 13.448/17.
Ganha com esta evolução a sociedade, a justiça e o instituto da arbitragem, muitas vezes tratado com desconhecimento e algum preconceito pelo Judiciário e pelos órgãos de controle. Mais, reafirma posicionamento que tem se firmado nas Cortes Superiores que a arbitragem é tão jurisdicional quanto o Judiciário, não se tratando de uma instância privada de arbitramento de conflitos). A arbitragem é hoje, certamente, o caminho para a solução das grandes e complexas questões técnicas, econômicas e jurídicas que evoluem com o avanço da própria sociedade. Mais, esta decisão do STJ coloca o Brasil, na seara da resolução dos conflitos, num patamar de maturidade próprio aos países pioneiros neste tema.
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*Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto e Ane Elisa Perez são sócios do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.