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Violação positiva dos contratos e limites jurídicos

Existindo o instrumento formalizado, a garantia jurídica será prolongada, de acordo com cada caso em concreto.

5/10/2017

Em regra, as relações negociais são formalizadas e instrumentalizadas com o justo motivo de trazer segurança jurídica aos envolvidos, norteando tal acordo de vontade. E, pensando na livre manifestação do pensamento, liberdade de transigir e conduta de ação, nada mais assertivo e louvável.

Existindo o instrumento formalizado, a garantia jurídica será prolongada, de acordo com cada caso em concreto.

Quando abordamos qualquer contrato (em sentido amplo e nos mais variados modos de instrumentalização), sem dúvidas nos respaldamos e exigimos que o mesmo esteja repleto do princípio já debatido socialmente e superado juridicamente quanto boa-fé contratual, muito bem ilustrado pela brilhante Profa. Dra. Maria Helena Diniz:

..."... o princípio da boa-fé deve estar ligado "ao interesse social das relações jurídicas, uma vez que as partes devem agir com lealdade, retidão e probidade, durante as negociações preliminares, a formação, a execução e a extinção do contrato" (2014, p. 195)...".1

No que concerne aos requisitos contratuais, é incontroverso que devem ser cumpridos na totalidade, conforme preceitua o Código Civil (partes capazes, objeto lícito, forma não proibida em lei e daí por diante). Fato é que, por mais abordado e utilizado que seja o princípio da boa-fé nos contratos e relações (o que é excelente), temos um instituto ainda pouco abordado e levado em conta nas relações contratuais atuais, que é justamente a violação positiva do contrato (originada na Alemanha), que o norteou desde assinatura pelas partes (seja na via física ou viés eletrônico). É esse ponto que queremos trazer ao conhecimento de todos os operadores do Direito, para se atentarem a tal fato na negociação e instrumentalização dos contratos ou futuras discussões.

Em linhas gerais, o justo tema da violação positiva do contrato requer a validade e devida abrangência dos deveres anexos ou laterais que cercam o instrumento, independente de inclusão ou definição expressa em cláusula contratual. Assim, mesmo que não previsto expressamente no contrato alguma cláusula, é fato incontroverso que uma obrigação desigual não poderá ser imposta na realidade da situação fática, isto é, se claramente ferir o espírito do contrato. Ademais, o contrato deve ser interpretado de acordo com o sentido imposto ao mesmo, cabendo as partes serem corretas, idôneas e transparentes ao discutirem o espírito do contrato após efetiva celebração. Se o desentendimento permanecer, o Poder Judiciário deve intervir para equalizar a relação negocial.

Por mais que sejam pensadas e previstas situações diversas em contratos, assertivo que algumas vezes certos pontos ficam de fora ou distorcidos na instrumentalização (inclusive, por esquecimento) e, nesse momento, o princípio da violação positiva do contrato deve ser elencado, para que o aditivo seja entabulado com segurança jurídica e respeitando os anseios das partes. Os meios consensuais de resolução de conflitos (mediação, conciliação e arbitragem), podem ser utilizados na íntegra para rapidamente finalizar o ponto em aberto da negociação.

Fugindo algum aspecto da instrumentalização do acordo de vontades no primeiro momento (cláusula contratual em si – só é pertinente o que está determinado no contrato), é crível que o espírito do contrato deve ser preservado, mantido e seguido pelas partes envolvidas (inclusive em embates judiciais), para equalizar a relação e trazer a paz social, justiça e igualdade (o que sempre buscamos, sem qualquer dúvida).

Forçoso lembrar que, existindo ciência e retidão dos entes envolvidos ao escopo do contrato, é ímpar a real necessidade de equilibrar a balança contratual em consonância com o reportado no artigo 113 do Código Civil Brasileiro, que diz:

"...Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração...".

Sendo fidedigno o espírito contratual quanto as responsabilidades de cada parte e impossibilidade de interpretação negativa a qualquer das partes relacionadas, é factível sempre avaliar o documento ou imbróglio com a melhor liberalidade da interpretação sistemática e lógica possíveis, ou seja, responsabilizar cada parte por seus respectivos ônus ou bônus em eventual discordância de entendimentos gerando problemas diversos.

Não havendo acordo de entendimentos quanto ao espírito contratual, a discussão deverá ser cravada pelo Poder Judiciário (o que devemos sempre evitar, como sociedade).

Na respectiva seara, o Superior Tribunal de Justiça – STJ no julgamento do AREsp 262.823, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 29/04/15, acatou como válida a tese quanto efetivação da violação positiva do contrato, ao bem observamos o trecho do julgamento relacionado ao conflito de entendimento, vejamos:

"...Da boa-fé objetiva contratual derivam os chamados deveres anexos ou laterais, entre os quais o dever de informação, colaboração e cooperação. A inobservância desses deveres gera a violação positiva do contrato e sua consequente reparação civil, independente de culpa...".

Pelo exposto, nossa intenção doravante é reforçar a instrumentalização dos atos, segurança jurídica e fortalecimento da boa-fé e melhores práticas negociais. Outrossim e havendo desentendimento contratual por certos aspectos (previstos ou não), importante elencar o princípio da violação positiva do contrato, com o justo motivo de equalizar a relação jurídica existente, trazendo a melhor interpretação ao caso concreto e a devida paz social, o que sempre perseguimos. Já no que condiz ao limite jurídico e em eventual debate judicial, o magistrado deverá equalizar os deveres e obrigações para as partes envolvidas, de modo justo. (jamais sobrecarregando qualquer ente).

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1 DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado, 17.ed. São Paulo: Saraiva, 2014

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*Douglas Belanda é advogado corporativo.

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