O entendimento do STJ acerca das vias alternativas e a problemática subjacente
Rafael Wallbach Schwind*
1. No dia 2 de maio de 2006, foi publicado acórdão em que a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, deu provimento a recurso especial interposto por concessionária de rodovias no Estado do Paraná para o fim de anular acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da Quarta Região.
2. Inicialmente, o juiz de primeiro grau indeferiu o pedido de liminar. Um dos fundamentos adotados pela decisão foi o de que não havia prova concreta acerca da efetiva ausência de via alternativa.
Contudo, o Município interpôs agravo de instrumento ao Tribunal Regional Federal. O Relator entendeu pertinentes os fundamentos expostos pelo Município e antecipou os efeitos da tutela recursal. Posteriormente, o colegiado deu provimento ao recurso. Desse modo, determinou-se que a concessionária se abstivesse da cobrança do pedágio “até que sejam dadas plenas condições de trafegabilidade na via alternativa apontada”.
A concessionária, então, interpôs recurso especial em face dessa decisão. O Superior Tribunal de Justiça deu provimento a esse recurso, acolhendo a alegação da concessionária de que havia uma série de omissões no acórdão recorrido que precisavam ser supridas.
3. Apesar de não ter havido uma decisão do Superior Tribunal de Justiça nesse caso a respeito da necessidade ou não de existir via alternativa à rodovia pedagiada – matéria que constitui o cerne da discussão na ação de origem –, é inegável que o acórdão em questão provoca uma série de questionamentos a respeito do tema. Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a discussão não diz respeito apenas ao direito dos usuários de ir e vir. Existe uma complexa problemática em torno do assunto. Devem ser considerados também os direitos e deveres do concessionário, bem como o papel do Poder Concedente na definição dos termos da concessão.
4. Acerca da necessidade ou não de haver via alternativa à rodovia pedagiada, a jurisprudência ainda é controversa.
Aqueles que defendem a necessidade de via alternativa sustentam que a cobrança de pedágio constitui uma restrição indevida ao direito constitucional de ir e vir, previsto no inciso XV do artigo 5º da Constituição Federal. Esse dispositivo estabelece que “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, aos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”.
Por outro lado, os que defendem a desnecessidade de via alternativa destacam a expressão “nos termos da lei” prevista nesse dispositivo. Entendem, assim, que a lei pode criar limitações ao exercício desse direito, inclusive mediante a previsão de cobrança de pedágio em rodovia. O pedágio, desse modo, não impediria o exercício do direito de ir e vir. Seria mero condicionamento ao exercício desse direito de locomoção nos casos em que a pessoa deseja se deslocar por uma rodovia mediante a utilização de veículo automotor.
Acerca disso, é interessante notar que o Tribunal Regional Federal da Quarta Região já proferiu acórdão no qual entendeu que o fato de haver via fluvial já era suficiente para configurar a existência de via alternativa. Ou seja, ainda que se entenda pela necessidade de via alternativa, não há obrigatoriedade de que se trate necessariamente de rodovia (Apelação em Mandado de Segurança nº. 2001.70.02.000197-1/PR, Rel. Des. Fed. Marga Inge Barth Tessler, j. 15/4/2003, DJU 7/5/2003, p. 664).
Não se pretende aqui aprofundar a discussão a respeito dos argumentos acerca da necessidade ou não de existir via alternativa. É premente destacar, contudo, que o Superior Tribunal de Justiça vem consolidando o entendimento de que não constitui exigência constitucional nem legal a existência de via alternativa à rodovia pedagiada.
A esse respeito, pode ser mencionado o acórdão proferido pela Primeira Turma no Recurso Especial nº. 417.804/PR. Dois são os fundamentos adotados por aquela Corte Superior.
Em primeiro lugar, entendeu-se que o artigo 150, V, da Constituição Federal autoriza a cobrança de pedágio, inobstante a limitação de tráfego que tal cobrança acarreta. Esse dispositivo prevê que é vedado aos entes da Federação “estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público”. Assim, a existência de via alternativa não configura requisito constitucional para a cobrança de pedágio em rodovia.
Em segundo lugar, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que nem mesmo a lei exige a existência de via alternativa. Bem ao contrário, o parágrafo primeiro do artigo 9º da Lei 8.987/95, com a redação dada pela Lei 9.648/98, estabelece que “A tarifa não será subordinada à legislação específica anterior e somente nos casos expressamente previstos em lei, sua cobrança poderá ser condicionada à existência de serviço público alternativo e gratuito para o usuário”. Ou seja, a regra geral é a da desnecessidade de existência de serviço gratuito alternativo ao serviço público prestado mediante cobrança de tarifa. Com base nesse dispositivo, entende-se que não constitui requisito legal a existência de via alternativa gratuita àquela em que o serviço público de conservação é desempenhado mediante contraprestação cobrada na forma de pedágio.
Portanto, o entendimento que tende a se consolidar é o de que não configura requisito constitucional nem legal a existência de via alternativa à rodovia pedagiada. Aliás, já existem diversas decisões nesse sentido, por exemplo, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Agravo de instrumento nº. 598220788, 1ª Câmara Cível, Rel. Des. Irineu Mariani, j. 28/4/1999, DJ 1º/10/1999; Embargos infringentes nº 598391423, 1º Grupo de Câmaras Cíveis, Rel. Des. Irineu Mariani, j. 4/12/1998, DJ 12/4/1999; Apelação nº. 598041804, 2ª Câmara Cível, Rel. Des. João Armando Bezerra Campos, j. 31/3/1999, DJ 30/6/1999; Apelação Cível nº. 598406759, 2ª Câmara Cível, Rel. Des. João Armando Bezerra CAMPOS, j. 25/8/1999, DJ 7/2/2000) e do Tribunal Regional Federal da Quarta Região (Apelação nº. 2002.04.01.022691-3/PR, 3ª Turma, Rel. Vânia Hack de Almeida, j. 16/6/2005, DJU 16/11/2005, p. 745).
<_st13a_metricconverter w:st="on" productid="5. A">5. A segunda questão que merece atenção diz respeito aos efeitos de eventual determinação de suspensão da cobrança de pedágio.
Nesse sentido, é comum as decisões que entendam pela necessidade de via alternativa determinarem a suspensão da cobrança das tarifas até que sejam conferidas à via alternativa condições adequadas de trafegabilidade.
Não se pode negar que a intenção dessas decisões é louvável. Afinal, de nada adiantaria garantir a existência apenas formal de via alternativa se tal rota não apresentasse condições mínimas de trafegabilidade – ainda que menos vantajosas do que aquelas encontradas na rodovia pedagiada. Contudo, a problemática relativa aos efeitos da suspensão da cobrança de pedágio não pode ser desconsiderada, inclusive e principalmente por aqueles que entendem como necessária a existência de via alternativa.
5.1. Em primeiro lugar, a determinação de suspensão da cobrança do pedágio pelo concessionário coloca em risco não só a prestação do serviço público como também a própria viabilidade econômica do concessionário. Como se sabe, a cobrança da tarifa constitui a principal fonte de renda do concessionário. As demais fontes de renda – tais como aquelas decorrentes de cobranças pela utilização da faixa de domínio – são quase insignificantes se comparadas àquelas derivadas das cobranças feitas aos usuários. Se o concessionário for impedido de cobrar o pedágio, não disporá dos recursos necessários à prestação do serviço, o que colocará em risco a manutenção das rodovias e a segurança dos usuários. Além disso, a própria manutenção da concessionária estará em perigo, uma vez que a empresa não terá condições de fazer frente aos seus custos.
Essa problemática é objeto de análise por parte do Superior Tribunal de Justiça. Na Suspensão de Liminar nº. 34, o Ministro Nilson Naves, então Presidente daquela Corte, consignou que “a impossibilidade de a requerente [concessionária] cobrar pedágio dos usuários da rodovia em que é concessionária tem o condão de causar desequilíbrio econômico-financeiro, máxime tendo ela que despender recursos para a melhoria da rodovia alternativa”. Além disso, entendeu que “resta configurada a afronta ao interesse público, porquanto, sem a receita advinda do preço público, poderá ser comprometida a manutenção das rodovias pelas quais a concessionária é responsável, resultando na falta de segurança daqueles que trafegarem no local”.
Ou seja, entendeu-se que a suspensão da cobrança do pedágio até que a via alternativa seja posta em condições adequadas de trafegabilidade (a) tem a potencialidade de causar o desequilíbrio na equação econômico-financeira da concessão, (b) constitui provimento de impossível reversão caso se entenda pela desnecessidade de via alternativa, e (c) pode afrontar o interesse público, pois a manutenção das rodovias objeto da concessão pode ser prejudicada.
5.2. Em segundo lugar, condicionar a cobrança de pedágio à prévia manutenção da via alternativa seria penalizar o concessionário por uma omissão que, na realidade, é do Poder Público. Afinal, o concessionário só é obrigado a conservar e manter as rodovias que forem objeto do contrato de concessão. O dever de conservação das vias alternativas cabe ao Poder Público. Logo, a responsabilização decorrente da inadequada conservação da via alternativa somente pode (e deve) ser imposta ao Poder Público. Não se pode imputar ao concessionário a responsabilidade pelo descumprimento de um dever que não lhe cabe. A esse respeito, reporta-se ao contido em acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, na Apelação Cível nº. 95.368-5 (7ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Jovino de Sylos Neto, j. 6/8/2001, DJ 23/8/2001, JTA 252/182).
Desse modo, a suspensão da cobrança do pedágio até que as rotas alternativas sejam conservadas ocasiona danos apenas ao concessionário. O Poder Público não é penalizado pela sua omissão na conservação da via alternativa. Ou seja, a suspensão da cobrança de pedágio até que sejam conferidas condições ideais de trafegabilidade à via alternativa cria uma situação sui generis: imputa-se uma penalidade ao concessionário, que não possui qualquer responsabilidade nem controle sobre a manutenção das vias alternativas. Assim, parece-nos que a suspensão da cobrança do pedágio não é a solução mais adequada para se promover a conservação das vias alternativas. Na realidade, devem-se tomar medidas para que o Poder Público exerça seu dever de conservação de tais vias.
5.3. Em tese, é até possível que o concessionário seja responsável pela conservação da via alternativa. Contudo, nesse caso, em que se queira imputar ao concessionário o dever de conservar novos trechos rodoviários, seria necessária a readequação da equação econômico-financeira da concessão – contemplando-se retribuições proporcionais à imposição de novas obrigações. Dessa forma, haveria a necessidade de aumento da remuneração do concessionário de modo a fazer frente aos novos custos. Isso pode se dar tanto pela instalação de novas praças de pedágio na via já pedagiada, como também pelo aumento do valor da tarifa. Sem a prática desses atos prévios, é impossível impor ao concessionário a conservação de trechos rodoviários que não integram o contrato de concessão.
Destaque-se que tais medidas devem necessariamente ser precedidas de estudos técnicos detalhados, uma vez que podem afugentar os usuários da rodovia pedagiada, provocando uma redução da remuneração do concessionário de modo que esta não seja suficiente para a manutenção das rodovias. Ou seja, pode-se chegar à conclusão de que deixar a manutenção da via alternativa a cargo do concessionário não seja a solução mais adequada ao caso concreto. Na realidade, deixar a manutenção da via alternativa a cargo do concessionário normalmente não será a melhor solução.
6. Uma terceira questão decorrente da problemática relativa à necessidade ou não de existir via alternativa diz respeito às responsabilidades do Poder Concedente.
Acima, já se mencionou a responsabilidade do Poder Público pela conservação das vias alternativas. O que se pretende referir aqui é algo diverso. Trata-se da responsabilidade do Poder Concedente pela concepção equivocada dos termos da concessão.
Como se sabe, os termos em que se firma a concessão, contidos basicamente no edital da licitação e no contrato respectivo, são estabelecidos pelo Poder Concedente. O concessionário não dispõe de meios para alterar unilateralmente as condições fundamentais da concessão – ainda que a concessão possa sofrer alterações importantes durante sua execução, por se tratar de contrato de longa duração. Diante disso, Marçal Justen Filho ensina que “O poder concedente será responsabilizável por efeitos danosos derivados da concepção equivocada do empreendimento” (Teoria Geral das Concessões de Serviços Públicos. São Paulo: Dialética, 2003, p. 476).
Ao firmar um contrato de concessão, portanto, o concessionário adere ao projeto concebido pelo Poder Concedente. Apesar de o concessionário deter autonomia com relação a decisões empresariais (daí falar-se que a concessão se firma por conta e risco do concessionário), o fato é que a existência de via alternativa não está sob qualquer controle do concessionário. Assim, caso se decida em determina situação concreta pela necessidade de existir via alternativa, o concessionário não poderá ser prejudicado. Em outras palavras, pelo fato de o concessionário não deter qualquer controle com relação à existência de via alternativa, eventual extinção do contrato de concessão por ausência de via alternativa deverá assegurar ao concessionário todos os direitos que decorreriam das situações de extinção da avença por ausência de culpa do particular (encampação). A situação equivalerá à concepção equivocada de concessão por parte do Poder Público.
<_st13a_metricconverter w:st="on" productid="7. A">7. A título de conclusão, reiteramos que não constitui objeto deste breve ensaio empreender uma discussão acerca da necessidade ou não se existir via alternativa à rodovia pedagiada. Procuramos demonstrar, contudo, que o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça parece se direcionar no sentido de que a existência de via alternativa não é condição constitucional nem legal para a cobrança de pedágio. Além disso, buscamos destacar que a questão não se limita à discussão a respeito da necessidade ou não de existir via alternativa e gratuita. Há uma série de questões, ligadas basicamente à remuneração do concessionário e à responsabilidade do Poder Concedente, que não podem ser esquecidas. Tais questões devem ser levadas em conta quando da discussão a respeito das vias alternativas.
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* Advogado do escritório Justen, Pereira, Oliveira e Talamini – Advogados Associados
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