Em 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) se posicionou contra essa questão, entendendo que a homossexualidade é uma variação natural da sexualidade humana. O órgão definiu que ela não poderia ser considerada como condição patológica. A partir deste entendimento, uma resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP), de 1999, proibiu os profissionais de participarem de qualquer tipo de terapia para alterar a orientação sexual.
Há mais de 40 anos, a Associação Americana de Psiquiatria retirou a homossexualidade de sua lista de doenças. Em 1998, a mesma organização posicionou-se contra qualquer tratamento psiquiátrico de ''reparação'' ou ''conversão'' de homossexuais, como já fizera a Associação Americana de Psicologia.
Porém, o problema é muito mais complexo do que nós, cidadãos favoráveis ao respeito e ao equilíbrio entre as relações humanas e seus partícipes podemos imaginar.
É fato que a vida sexual de uma pessoa não pode ser patologizada. Ou seja, ser hetero ou homossexual não é uma doença. As práticas sexuais, em princípio, também não. Mas, ressalte-se, diversas práticas constituem, de forma inconteste, desvios graves de conduta psíquica, como a atração sexual incontrolável por crianças, a chamada pedofilia. O assunto é tão mais grave do que pensamos, que no mundo inteiro já existem trabalhos no campo da psicologia que querem desvirtuar ou minimizar a conduta do pedófilo. Estranhamente esses trabalhos são liberados sem nenhum tipo de restrição.
No que concerne à ciência da psicologia e do direito devemos estar bem atentos a comum pressão sofrida por organismos internacionais e nacionais de Defesa dos Direitos Humanos, que agem de forma radical e irresponsável em determinados aspectos.
Mas não é bem, ou somente, o que acontece no presente caso.
O assunto do dia 18 de setembro de 2017 foi a decisão judicial que teria ''liberado a Cura Gay''. A decisão, liminar, do Juiz Federal Waldemar Cláudio de Carvalho, causou estranheza em redes sociais e diversos ataques e indignações. Não era para menos.
A polêmica já foi levantada também no Projeto 234/11, de autoria do Deputado João Campos (PSDB), que acabou por ser arquivado. O objetivo do Projeto era tornar sem efeito o parágrafo único do artigo 3º e todo o artigo 4º da Resolução 01/1999 do Conselho Federal de Psicologia.
A decisão judicial, deferida em parte, limitou-se a questionar a interpretação de tais dispositivos à luz da liberdade, tanto dos pacientes, quanto dos psicólogos, quando, voluntariamente, o assunto for de interesse daquele cliente que buscar o consultório com o intuito de extirpar suas angústias e aflições, ainda que no campo da sexualidade, sejam elas quais forem. Para tal, não é preciso que se esteja ''doente'', assim, não há de se falar em cura.
Rezam tais disposições, que tanto geram controvérsia:
''Art. 3º - Os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.
Parágrafo único - Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades.
Art. 4º - Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica'' (grifo nosso).
Portanto, após a leitura desses dispositivos, ficou claro que passou a ser vedado o tratamento não voluntário, ou seja, coercitivo, da homossexualidade, posto que não é uma doença. Ficou claro, ainda, que aos psicólogos passou a ser vedado participar ou promover qualquer tipo de evento que tratasse a homossexualidade como desordem psíquica e, ainda, ampliassem seus estudos científicos nesse particular, ou seja, como uma desordem.
Pois bem. O problema começa agora.
Desde então, iniciou-se um racha absurdo de ordem científica entre os psicólogos. A questão ganhou corpo religioso e também político. Quem saiu perdendo, até então, foram os pacientes que têm reais angústias relativas à sua sexualidade ou questões periféricas a ela. Perderam, ainda, os demais psicólogos, que comprometidos com a profissão sabem que não pode haver radicalismo e nem influências externas na sua relação com o paciente, sob pena de realmente ocorrer censura e alijamento científico.
É fato, sim, que muitos psicólogos, por questões religiosas ou particulares, não concordam ou aceitam a despatologização e falam mesmo em ''cura'' o paciente. Esses, infelizmente, estão na contramão, principalmente da ética profissional.
No entanto, vários, mas vários psicólogos querem tratar dos homossexuais, não como portadores de uma doença, mas como seres humanos que têm todo tipo de aflição e angústia, inclusive no campo da sexualidade. Aqui é que está o cerne da questão.
Tais profissionais passaram o dissabor da lei da mordaça, do medo e da perseguição, que ocorre, lamentavelmente, pelo Conselho Federal de Psicologia, de gestão totalmente política e ditatorial, conforme várias denúncias nesse sentido. Parece estar ultrapassando, em muito, sua função primordial de ordem consultiva, para além de orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão em sua área de competência.
Nos consultórios a palavra homossexualidade passou a ser proibida. O medo da cassação do registro profissional impedia o atendimento, ainda que voluntário, de pacientes que se mostrassem incomodados com qualquer questão relativa a sua sexualidade, principalmente se fosse homo ou bissexual.
Qualquer trabalho ou pesquisa que envolvesse a homossexualidade também ficou proibido, pois era considerado, de plano, promotor de preconceito.
Ora, a homossexualidade é um traço psíquico do ser humano. Faz parte de sua psique e traz consequências tanto positivas quanto negativas de ordem emocional, social e afetiva. Porém, a lei da mordaça e do politicamente correto extirpou qualquer produção intelectual e técnica nesse sentido.
Em assunto correlato, gênero, que significa basicamente dizer que por questões culturais não se nasce com sexo definido, homem ou mulher, o Conselho Federal de Psicologia fomenta todo tipo de pesquisa, mas desde que seja favorável ao tema. Será que não existe um só psicólogo desse país que seja desfavorável à questão de gênero? Realmente muito estranho esse determinismo científico. Para não falar do famigerado direito sexual da criança, que tem vários trabalhos científicos no campo da psicologia e nenhum do campo do direito.
Portanto, não obstante o efeito negativo, pejorativo e simplista que a mídia, os artistas, a comunidade LGBT e os organismos internacionais e nacionais impuseram à presente decisão judicial, verifica-se que se trata, mormente, da angústia na tentativa de solução de um conflito posto em juízo, que abrange muito mais do que, de fato, está nos autos.
Tenha sido ou não ingressada por quem tem interesse nitidamente religioso, seu alcance abrange toda uma classe profissional.
O trabalho do juiz, atualmente, frente às citadas e conhecidas grandes mídias e a todo tipo de pressão, exige muito mais do que competência, imparcialidade e serenidade. Exige uma dose de muita coragem.
Para o bem da sociedade e da democracia, ainda que todos nós sejamos falhos e a decisão venha a ser cassada ou alterada, justa ou injustamente, o mais importante é que o referido Conselho Federal de Psicologia passe a adotar uma postura mais ética e condizente com a sua finalidade, desvestida de alterações externas, uma vez que um levante de profissionais da psicologia altamente qualificados e comprometidos com a profissão aguardavam, por anos, essa liberdade de trabalhar com o que realmente importa: o ser humano.
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*Dênia Francisca Corgosinho Taborda é Juíza do TJ/MG desde 2000. Pós-graduada em Direito Civil.