Anteriormente ao advento da lei 12.403/11, tínhamos no sistema cautelar penal brasileiro um déficit muito grande quanto à sua estrutura, uma vez que em suma havia somente a prisão cautelar e a liberdade provisória.
À época não raras eram as decisões judiciais que imputavam ao acusado medidas diversas da prisão sem qualquer previsão legal, tais como o recolhimento de passaporte do acusado e restrições de locomoção, dando, portanto, ao magistrado, o famigerado "Poder Geral de Cautela".
Poder este que segundo BRASILEIRO DE LIMA "é um poder atribuído ao Estado-Juiz, destinado a autorizar a concessão de medidas cautelares atípicas, assim compreendidas as medidas cautelares que não estão descritas em lei, toda vez que nenhuma medida cautelar típica se mostrar adequada para assegurar, no caso concreto, a efetividade do processo principal."1
Não obstante, com a entrada em vigor da lei 12.403/11 e a consequente consagração de medidas cautelares diversas da prisão, previstas nos artigos 319 e 320 do Código de Processo Penal, diminuiu em partes a problemática vivida, posto que ainda permanece, ao nosso entender, a impossibilidade de medidas cautelares atípicas, em outras palavras não previstas na legislação.
Isto porque as medidas cautelares só podem ser regidas pelo princípio da legalidade estrita, ou seja, devem estar previstas na lei e observados seus requisitos legais no caso concreto.
Coadunamos, portanto, com o entendimento do prof. Aury Lopes Jr., vejamos:
"No processo penal, forma é garantia. Logo, não há espaço para 'poderes gerais', pois todo poder é estritamente vinculado a limites e à forma legal. O processo penal é um instrumento limitador do poder punitivo estatal, de modo que ele somente pode ser exercido e legitimado a partir do estrito respeito às regras do devido processo."2
Dessa forma, não podemos utilizar de analogias, neste caso em especial do processo civil, para aplicação do poder geral de cautela no processo penal, em razão das medidas cautelares gravosamente implicarem em restrições na esfera dos direitos fundamentais do acusado, ao passo que é exigível a estrita observância do princípio da legalidade.
Complementando nosso posicionamento, citamos Eugenio Pacelli "(...) em tema de restrições de direitos individuais, o critério da legalidade garante um controle mais eficaz de sua racionalidade e validade (...)".3
Não é louvável que se desvalorize um princípio consagrado na lei, principalmente quando estamos a tratar da garantia individual de uma pessoa. E mais, não há aqui um choque entre princípios, mas a aplicação analógica de um instituto processual civil no bojo do processo penal.
NUCCI acertadamente leciona de forma simples expondo o porquê não se pode desvalorizar um princípio: "A subvalorização de um princípio pode levar a uma lesão ao princípio regente do devido processo legal, perturbando todo o cenário de legitimidade da aplicação de eventual punição ao indivíduo."4
Isso pelo motivo de que os princípios, sejam eles quais forem, são norteadores de todo o direito, considerados preceitos fundamentais que dão forma e caráter aos sistemas processuais, portanto, senão em razão de dualidade de princípios, ou seja, quando há um embate entre eles, não há que se falar na desvalorização do mesmo, principalmente em se tratando de preceitos que asseguram os direitos individuais do cidadão.
Buscando ainda fortalecer nosso entendimento, voltamos uma vez mais aos ensinamentos do Desembargador Guilherme de Souza Nucci:
"Salvo entendimento em contrário, sustenta-se que o princípio é, axiologicamente, superior a uma regra, mormente quando se trata do mesmo cenário dos direitos humanos. No entanto, em caso de dúvida intransponível, a não ser por uma eleição subjetiva do operador do Direito, mais indicado é aplicar a regra constitucional, por ser específica e clara. Mas nem toda regra recebe do legislador a clareza merecida; confrontá-la com um princípio pode fazer com que este prevaleça, sem grande esforço da parte do intérprete."5
Por outro lado, em que pese tenhamos acompanhado o entendimento de grandes doutrinadores como Aury Lopes Junior e Eugenio Pacelli, os tribunais superiores têm entendimento diverso ao entenderem que o juiz criminal é detentor do poder geral de cautela, desde que observado os critérios de razoabilidade e proporcionalidade.
Como já bastante demonstrado, não nos parece o entendimento correto, de modo que o magistrado só poderá aplicar as medidas cautelares previstas na legislação. Trata-se de rol taxativo.
Nesse diapasão qualquer aplicação fora desses limites, deve ser considerado ilegal, não podendo o juiz criar medidas cautelares atípicas diversas das legais.
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1 BRASILEIRO DE LIMA, Renato. Código de Processo Penal Comentado. Salvador. Editora JusPodivm. 2017. p. 765.
2 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 14. Ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 584.
3 PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 21. Ed. São Paulo: Atlas. 2017. p. 246.
4 NUCCI, Guilherme de Souza. Direitos Humanos versus segurança pública. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 109.
5 NUCCI, Guilherme de Souza. p. 109.
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