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Assinatura básica do serviço de telefonia

O informativo Migalhas nº. 1.441 noticiou que o Tribunal de Justiça do Paraná editou a Súmula 32, afirmando a ilegalidade da “assinatura básica mensal”. Os termos da aludida Súmula foram defendidos pelo Ilustre Presidente daquela Turma Recursal, J. S. Fagundes Cunha, em artigo acostado àquele Informativo. Os lúcidos argumentos, porém, consideraram apenas uma das inúmeras facetas dos direitos do consumidor que são alcançados por tão complexa questão.

28/6/2006

 

Assinatura básica do serviço de telefonia

 

Eugenia Christina B. Albernaz*

 

O informativo Migalhas nº. 1.441 noticiou que o Tribunal de Justiça do Paraná editou a Súmula 32, afirmando a ilegalidade da “assinatura básica mensal”. Os termos da aludida Súmula foram defendidos pelo Ilustre Presidente daquela Turma Recursal, J. S. Fagundes Cunha, em artigo acostado àquele Informativo. Os lúcidos argumentos, porém, consideraram apenas uma das inúmeras facetas dos direitos do consumidor que são alcançados por tão complexa questão.

 

O direito do usuário à fruição contínua do serviço não prescinde de sua “disponibilidade”. O usuário encontra-se permanentemente conectado à rede. A qualquer instante que retire seu telefone do gancho, o “tom” de discar estará disponível. Da mesma forma, o telefone estará apto a receber chamadas a qualquer instante.

 

Esse acesso permanente à rede caracteriza um serviço efetivamente prestado e, como tal, sujeito à contraprestação mediante o pagamento da tarifa mensal de assinatura básica. A tarifa remunera toda a sofisticada estrutura de rede de telecomunicações por trás de um simples aparelho telefônico, interligada a inúmeras outras redes de telecomunicações que, em conjunto, percorrem toda a extensão do território brasileiro e conduzem aos pontos de interconexão com as demais redes telefônicas mundiais.

 

Afora isso, há uma “última milha” entre a central telefônica e a residência do cliente também passível de remuneração pela tarifa paga. Em linguagem simples, há uma “placa de assinante” na central telefônica correspondente a cada terminal telefônico. Todas as chamadas originadas/destinadas a esse terminal são direcionadas à sua “placa de comutação”. Para completar a chamada, essa “placa” tem que ser conectada fisicamente por um fio metálico até o imóvel no qual se encontra instalado o terminal telefônico.

 

Os equipamentos que permitem o “acesso” exclusivo e não compartilhado do usuário à rede telefônica têm custos de instalação e, principalmente, de manutenção fixos independentemente da quantidade de chamadas efetuadas e esses representam custos significativos da prestação do serviço telefônico.

 

Ao contrário do que alardeiam aqueles que criticam a tarifa, a eventual extinção da tarifa mensal de assinatura básica inviabilizaria, a médio prazo, a universalização do serviço de telefonia fixa, privando as camadas mais pobres da sociedade do serviço de telefonia. Na realidade, a cobrança dessa tarifa contribuiu para que as concessionárias atingissem as exigências e metas fixadas por força da concessão sem onerar em demasiado os usuários de seus serviços nesta primeira geração pós-privatização.

 

Não é demais lembrar que a intricada reestruturação dos serviços de telecomunicações no País foi impulsionada pela necessidade de um modelo de mercado competitivo, e não de monopólio.

 

Nesse cenário, coube às empresas concessionárias privadas a incumbência de modernizar, de forma ordenada e dentro de um cronograma estabelecido pelo Poder Concedente, o complexo que herdaram pela privatização, objeto, inclusive, da concessão outorgada. A modernização do complexo do extinto Sistema Telebrás, nos últimos onze anos, é o que permite a proliferação das novas tecnologias. Se esses avanços ocorreram ao amparo de contratos tidos por repudiáveis sob a ótica do consumidor, o fato é que o objetivo maior sempre foi um mercado competitivo e, sobretudo, favorável ao consumidor. Bem ou mal, a finalidade maior parece ser alcançada.

 

A proliferação de linhas telefônicas, outrora tão raras a ponto de constituir verdadeiro patrimônio, confirma isso. De igual modo, a crescente demanda por telefones celulares é indicativa de alternativas viáveis ao serviço público de telefonia fixa, cuja definição, ou melhor, prestação, não se resume ao aparelho instalado na residência do cidadão.

 

Por outro lado, as questões atinentes ao contrato de concessão também devem ser sopesadas. A segurança jurídica dos contratos administrativos, precedidos de licitação, é um pressuposto do Estado de Direito, assim como a observância do verdadeiro interesse público também é. Nem por isso devem esses pressupostos ser remetidos a escanteio em benefício apenas de um genérico “Direito do Consumidor”.

 

Não se pretende sejam os serviços públicos de telefonia fixa excluídos do alcance ou âmbito de aplicação do Código do Consumidor, mas que a aplicação dessa codificação seja garantida vis-à-vis a especificidade tecnológica dos serviços de telecomunicações, para os quais vige a regra da especialidade.

 

Nesse particular, vale lembrar que a relevância do setor para o interesse público é de tal ordem que o legislador constituinte deliberadamente o excluiu do rol das competências concorrentes indicadas no artigo 24, da Constituição Federal. Sensível à complexidade da causa, o Eminente Ministro Luiz Fux, ao colocar em discussão a própria competência do Juizado Especial para a apreciação das causas envolvendo a cobrança da tarifa mensal de assinatura básica, já alertava: “Não obstante, a matéria objeto do presente conflito “assinatura básica” tem respaldo em ato da Agência Reguladora e objeto transindividual. Destarte, não só pela complexidade, mas também pelo seu espectro, não se justifica que a demanda tramite nos Juizados Especiais, máxime porque, na essência a repercussão transindividual do resultado da decisão atinge a higidez da concessionária e, ad eventum, da própria Fazenda Pública, poder concedente. Ademais, não é outra a ratio esssendi que impede as ações transindividuais nos Juizados. (...) Destaque-se, por fim, que a Justiça Estadual pode definir esses litígios deveras complexos sob o pálio da gratuidade da justiça, tornando-se acessível à população menos favorecida que acode aos Juizados Especiais.” (Conflito de competência nº. 54.119/RN), DJU 29.5.2006, pg.146).

 

Em resumo, a análise da legalidade, ou ilegalidade, da cobrança da assinatura básica mensal não pode se esgotar na esfera do Código do Consumidor apenas. Inúmeros são os variáveis que também têm por finalidade o bem estar do consumidor, ainda que indiretamente, mas que nem por isso são irrelevantes para a controvérsia, cuja solução deve residir no justo equilíbrio dos interesses envolvidos, isto é, na observância dos direitos do consumidor delimitados pela especificidade dos serviços de telecomunicação.

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*Advogada  do escritório Pinheiro Neto Advogados.
 

* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.


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