Inicialmente, necessário pontuar que a arbitragem, regulada pela lei federal 9.307, de 23 de setembro de 1996, prevê uma técnica de solução de controvérsias, sem intervenção estatal, por meio de uma ou mais pessoas (árbitros). Frisa-se que a arbitragem se limita a capacidade de contratar e aos direitos patrimoniais disponíveis, ou seja, os agentes participantes devem gozar de plena capacidade civil, e o bem, objeto da mediação, deve possuir cunho patrimonial e versar sobre direito disponível. Assim é impossível transacionar sobre direito ao próprio corpo, liberdade, igualdade e ao direito à vida. Em resumo, podemos dizer que não são passíveis de arbitragem as questões penais, tributárias e pessoais relativas ao direito de família.
Pois bem, e o direito do trabalho, permite a mediação através da arbitragem?
Para obtermos a resposta para a suscitada questão, necessário separar o direito do trabalho em duas vertentes: direitos individuais e direitos coletivos. Iniciando pelo direito coletivo, necessário enfatizar que o artigo 114, §1º, da Constituição Federal prevê que "frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros". Assim, resta claro que no direito coletivo do trabalho nada obsta aplicação da arbitragem, como, por exemplo, em casos de conflitos decorrentes de greve ou em casos de discussão sobre participação dos empregados, nos lucros e resultados da empresa.
Já no direito individual não existe a mesma clareza sobre a possibilidade de aplicação da arbitragem, sendo que a maioria dos juristas afasta esta possibilidade. Tal posição majoritária se sustenta na própria Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que garante direitos irrenunciáveis e, portanto, indisponíveis aos empregados beneficiários da lei.
Para a corrente contrária a aplicação da arbitragem ao direito individual outro argumento seria eventual hipossuficiência do empregado no que tange a possíveis fraudes decorrentes da imposição da arbitragem.
Em contrapartida, os que defendem a aplicação da arbitragem no direito individual trabalhista aduzem que, com o fim da relação trabalhista, os direitos passam a ser patrimoniais e disponíveis e de natureza indenizatória. Isso porque com o fim da relação de emprego, direitos como férias e 13º salário foram adquiridos e assim, perante eventual conflito, podem ser objeto de transação. Segundo essa corrente a irrenunciabilidade dos direitos previstos na CLT significa exclusivamente que no momento da assinatura do contrato de trabalho o empregado não poderia abrir mão dos direitos nela previsto, como, por exemplo: férias proporcionais.
Necessário pontuar que a transação no Brasil é comum no âmbito judicial quando os trabalhadores abrem mão de determinado direito adquirido aceitando receber menos e muitas vezes de forma parcelada. Assim, cai por terra o argumento que os direitos trabalhistas são irrenunciáveis e, portanto, indisponíveis, pois caso tal premissa fosse verdadeira depois de prolatada uma sentença judicial condenando a empresa ao pagamento de férias seria vedado ao empregado transacionar valor menor a título de acordo judicial trabalhista. Tal situação foge da realidade brasileira, onde os números de acordos trabalhistas crescem em grandes proporções.
Portanto, posto que a jurisdição arbitral é idêntica à jurisdição estatal quanto aos seus efeitos, a irrenunciabilidade dos direitos significa somente que aos árbitros não é admitido prolatar sentença que renuncie qualquer dos direitos reconhecidos na CLT, o que também ocorre com os juízes togados.
Por fim, diante do argumento de eventual hipossuficiente do empregado no que tange a possíveis fraudes decorrentes da imposição da arbitragem, necessário destacar que a arbitragem se trata de uma opção do empregado.
Ou seja, ainda que com a possibilidade de ajuizar uma reclamação trabalhista, o empregado poderá optar pela arbitragem desde que não sofra qualquer pressão sobre sua manifestação de vontade, que deve ser livre e consciente.
Portanto, podemos dizer que existe uma grande tendência de aplicação da arbitragem no direito trabalhista, no que diz respeito aos direitos individuais e coletivos, em total consonância com o que já vem ocorrendo no judiciário do Brasil.
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*Débora Faria dos Santos é advogada associada da Advocacia Hamilton de Oliveira.