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Consulta 1229 – TSE- Revisão geral versus reajuste

Em julgado recente o TSE decidiu que a revisão geral do salário dos servidores públicos, que exceda a recomposição do poder aquisitivo, é proibida no período de 180 dias antes das eleições até a posse dos eleitos. Este entendimento causou furor em vários Estados e no Governo Federal. Todos vinham seguindo a cartilha do Calendário Eleitoral e os prazos da Lei de Responsabilidade Fiscal e estavam seguros de estar cumprindo à risca suas determinações.

27/6/2006

 

Consulta 1229 – TSE

 

Revisão geral versus reajuste

 

Maurício Thadeu de Mello e Silva*

 

Em julgado recente o TSE decidiu que a revisão geral do salário dos servidores públicos, que exceda a recomposição do poder aquisitivo, é proibida no período de 180 dias antes das eleições até a posse dos eleitos.

 

Este entendimento causou furor em vários Estados e no Governo Federal. Todos vinham seguindo a cartilha do Calendário Eleitoral e os prazos da Lei de Responsabilidade Fiscal e estavam seguros de estar cumprindo à risca suas determinações.

 

Em resposta a uma consulta, o TSE afirmou que o prazo para revisão geral era de 180 dias antes do pleito, ou seja, o prazo findou-se no dia 4.4.2006. Grita geral!

 

O TSE está correto, o prazo de 180 dias antes do pleito já está valendo a um certo tempo, e está expresso na Resolução 22.158 do TSE. Vejamos:

Art. 36. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais (Lei nº 9.504/97, art. 73, caput, I a VIII):

 

[...]

 

VIII – fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir de cento e oitenta dias antes da eleição e até a posse dos eleitos.”  (grifamos)

Não se pode alegar que as condutas previstas no art. 73 ficam proibidas três meses antes do pleito segundo o Calendário Eleitoral, porque a resolução 22.124 do TSE, ao prever a proibição de diversas condutas aos agentes públicos no período de 3 meses antes do pleito em momento algum menciona o inciso VIII deste artigo. Observem o que diz o Calendário Eleitoral:

“1º de julho – sábado

 

Data a partir da qual são vedadas aos agentes públicos as seguintes condutas previstas, art. 73, incisos V e VI, a):

 

Data a partir da qual é vedado aos agentes públicos cujos cargos estejam em disputa na eleição (Lei n° 9.504/97 (clique aqui), art. 73, VI, b e c, e § 3o)”.

Assim, realmente não deveria causar espanto a decisão do TSE. Porém, o uso correto da terminologia adequada, neste momento, é de extrema importância. Note-se que o que está proibido é a revisão geral do salário dos servidores públicos.

 

As notícias, inclusive as do próprio sítio do TSE na internet, veiculam sempre a palavra REAJUSTE. Existe uma grande diferença na definição de reajuste e revisão geral.  Por vezes, na falta de um cuidado técnico, se referem á revisão geral como reajuste geral. No entanto são dois termos distintos.

 

A distinção existe e é reconhecida por Ministros do STF. Vejamos um trecho do voto proferido pelo eminente Ministro Carlos Velloso:

“(...) o acórdão recorrido, interpretando, soberanamente, a legislação local, decidiu que não se trata, no caso, de revisão geral de vencimentos (C.F., art. 37, X), mas de reajuste setorial. A interpretação de legislação local, feita pelos Tribunais locais, não pode ser revista em sede de recurso extraordinário.” (RE 307.302 ED, unânime, DJ de 22.11.2002)

No mesmo sentido da diferenciação dos termos, temos trecho do voto-vista do Min. Joaquim Barbosa:

 “A situação dos presentes autos é diversa. Trata-se de extensão de abono concedido por decreto para algumas categorias de servidores públicos estaduais (de vencimentos mais reduzidos), a qual o acórdão recorrido enquadrou como revisão geral, porque discriminatória em relação às categorias excluídas (defensores públicos, procuradores do estado e delegados de polícia). Ora, a concessão de abono a algumas categorias não pode gerar a conclusão de que se trata de revisão geral, não se podendo invocar como precedente o decidido no RMS 22.307. Na mesma linha de raciocínio, o acórdão recorrido, ao entender como revisão geral o abono concedido pelos Decretos 16.717/1991 e 16.950/1991 e pela posterior Lei estadual 2.005/1992, violou a norma contida no então vigente art. 37, X (antes da redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional 19/1998), porquanto aplicou impropriamente o texto constitucional à hipótese dos autos. Não há que se falar em revisão geral quando o abono em questão aproveitou apenas a algumas carreiras.” (RE 393.679) (grifamos)

O reajuste nada mais é que uma a conveniência da Administração Pública de proceder à correção de distorções remuneratórias.

 

Importante destacar trecho da ementa do acórdão proferido no julgamento da ADI 525, relatada pelo Ministro Sepúlveda Pertence:

“Revisão geral da remuneração dos servidores públicos, sujeita à isonomia (CF, arts. 37, X, e 39, § 1º), e reavaliação dos vencimentos de grupos ou cargos de atribuições e hierarquia diferenciadas: diferença. 4. O art. 37, X, da Constituição, corolário do princípio fundamental da isonomia, não é, porém, um imperativo de estratificação da escala relativa de remuneração dos servidores públicos existentes no dia da promulgação da Lei Fundamental: não impede, por isso, a nova avaliação por lei, a qualquer tempo, dos vencimentos reais a atribuir a carreiras ou cargos específicos, com a ressalva única da irredutibilidade.”( Acórdão, DJ 2.4.2004.)

O Min. Pertence, em seu voto, ao esclarecer que se tratava de lei que dava aumento a categorias funcionais ou a um conjunto de cargos específicos, em relação a cada um dos quais se concederam novos padrões de vencimentos ou se preceituaram alterações parciais à disciplina do seu regime anterior de remuneração, esclareceu que em princípio, nestas hipóteses, seria errôneo falar em simples revisão, com o significado dado pelo art. 37, X da Constituição.

 

Por tratar-se de cargos de atribuições e hierarquia diferentes não se trata do previsto no art. 37, X, portanto exclui-se o imperativo da isonomia previsto no art. 39.

 

Enfatiza ainda que a particularidade dos conjuntos funcionais serve para descaracterizar o mero reajuste de vencimento e evidencia de que se trata de uma reavaliação de cargos, grupos ou carreira.

 

Insuperável o seguinte trecho do voto do Min. Sepúlveda Pertence, no qual destaca de forma clara a diferença entre reajuste e revisão geral do salário dos servidores públicos, prevista no art. 37 da Carta Magna.

“24. O art. 37, X, da Constituição Federal, que impõe se faça na mesma data a “revisão geral da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares”, é um corolário do princípio fundamental da isonomia; não é, nem razoavelmente poderia ser, um imperativo de estratificação perpétua da escala relativa dos vencimentos existente no dia da promulgação da Lei Fundamental: não impede, por isso, a nova avaliação, por lei, a qualquer tempo, dos vencimentos reais a atribuir a carreiras ou cargos específicos, com a ressalva expressa de sua irredutibilidade (CF, art. 37, XV), Essa, significativamente, a opinião comum dos doutrinadores (Adilson Dallari, O regime Constitucional dos Servidores Públicos, 1990, p. 58; Maria Sylvia di Pietro, 1991, p. 313)

 

25. O que no art. 37, X, se veda é o reajuste discriminatório, que, a vista de um fator comum a todo  universo dos servidores  públicos – qual, a depreciação da moeda -, cuidasse de remediar apenas a perda do poder aquisitivo de retribuição de alguns segmentos dele ou, embora beneficiando a todos, o fizesse com índices diversos.” (ADIN 525 –MC)

Restando clara a distinção de reajuste e revisão geral do salário dos servidores públicos, e levando-se em consideração que a decisão do TSE trata da segunda hipótese, e não da primeira, essa fica a ser regulamentada pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

 

A mencionada Lei Complementar trata do assunto em seu art. 21 no qual restringe o crescimento da despesa de pessoal nos 180 dias que precedem o final do mandato. Ou seja, a partir do dia 1º de julho do ano eleitoral.  Depois desta data não deve haver aumento na “rubrica” pessoal e encargos.

 

Este entendimento aqui defendido ampara-se ainda na interpretação sistêmica da própria Lei Complementar, que no inciso I, do parágrafo único do art. 22 determina que se a despesa total com pessoal exceder a 95% do limite fixado na LRF, fica vedado aos Poderes e ao Ministério Público a concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a qualquer título, salvo os derivados de sentença judicial ou de determinação legal ou contratual, ressalvada a revisão prevista no inciso X do art. 37 da Constituição.

 

O legislador, ao utilizar o vocábulo revisão, no art. 22, referiu-se à revisão geral anual do inciso X do art. 37 da Constituição.  

 

Concluí-se então que ao se interpretar a norma de uma maneira cientifico - jurídica, na qual as palavras têm definições próprias e exatas, a decisão do TSE encontra-se correta, se nela tratar-se da revisão geral do salário dos servidores públicos, que difere de reajustes salariais atribuídos a carreiras ou cargos específicos.

 

Os reajustes são legais, se feitos dentro do prazo e parâmetros estabelecidos pela LRF, haja vista não haver outra norma específica sobre o assunto nem tampouco estar abrangido pela Resolução do TSE.

 

Espera-se que a elaboração do acórdão do TSE na consulta 1229 venha com a precisão jurídica esperada da mais alta Corte Eleitoral deste país, especialmente em um ano eleitoral. Principalmente em razão da decisão do TSE de que não haverá mudança nas regras, que o que se decidiu deve assim se manter.

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*Advogado do escritório Valle Abreu, Mello e Silva - Advogados.

 

 

 

 

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