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A Lei nº 10.695/03 e seu impacto no Direito Autoral Brasileiro

Anteriormente à entrada em vigor da Lei 10.695/03, o artigo 184 do Código Penal tipificava como crime apenas a violação a direito de autor. Com a nova redação, foram incluídos na tipificação penal os direitos conexos aos de autor, os quais, de acordo com o artigo 89 da Lei nº 9.610/98 (“Lei de Direitos Autorais”), são aqueles pertencentes aos artistas intérpretes ou executantes, aos produtores fonográficos e às empresas de radiodifusão.

9/9/2003

A Lei nº 10.695/03 e seu impacto no Direito Autoral Brasileiro

 

Guilherme C. Carboni*

 

No dia 2 de agosto de 2003 entrou em vigor a Lei nº 10.695, que altera dispositivos do Código Penal e do Código de Processo Penal em questões relativas à tipificação do crime de violação de direito autoral e às medidas processuais correspondentes. A seguir, examinaremos alguns aspectos da Lei 10.695/03 que entendemos causarem maior impacto no direito autoral brasileiro.

 

Anteriormente à entrada em vigor da Lei 10.695/03, o artigo 184 do Código Penal tipificava como crime apenas a violação a direito de autor. Com a nova redação, foram incluídos na tipificação penal os direitos conexos aos de autor, os quais, de acordo com o artigo 89 da Lei nº 9.610/98 (“Lei de Direitos Autorais”), são aqueles pertencentes aos artistas intérpretes ou executantes, aos produtores fonográficos e às empresas de radiodifusão.

 

No entanto, a referida lei cometeu um deslize nos parágrafos 1º, 2º e 3º do artigo 184 ao fazer menção apenas aos artistas intérpretes ou executantes e aos produtores fonográficos, deixando assim de incluir as empresas de radiodifusão na tipificação legal. Portanto, a rigor, apenas a regra geral estabelecida pelo caput do artigo 184 seria aplicável à violação de direitos conexos detidos por empresas de radiodifusão.

 

Apesar de o artigo 184, caput, do Código Penal, tipificar o crime de violação de direito de autor e direitos conexos sem intuito de lucro, parece-nos que a tônica da Lei 10.695/03 é penalizar, principalmente, a prática que tenha intuito de lucro direto ou indireto, conforme expressamente estabelecem os parágrafos 1º, 2º e 3º desse mesmo artigo. Para esses casos, o legislador aumentou a pena, com o claro intuito de combater a prática da pirataria de obras protegidas por direitos autorais, inclusive nas novas tecnologias, como a Internet, cujo tipo penal foi definido pelo parágrafo 3º do artigo 184.

 

Além disso, a Lei 10.695/03 resolve definitivamente a polêmica questão acerca da cópia única para uso privado do copista, sem intuito de lucro, ao inserir o parágrafo 4º no artigo 184, que exclui tal prática, de forma expressa, da incidência das penas previstas nos parágrafos precedentes. Portanto, copiar obra integral, em um só exemplar, para uso exclusivamente privado, sem intuito de lucro, não é tipificado como crime.

 

Essa, porém, não era a regra do nosso ordenamento jurídico até a entrada em vigor da Lei 10.695/03, razão pela qual tal alteração é muito bem vinda. De fato, o artigo 46, inciso II, da Lei de Direitos Autorais, diz que não constitui ofensa aos direitos de autor “a reprodução, em um só exemplar, de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro”. Portanto, a limitação ao direito de autor contida no referido artigo legal seria aplicada apenas à reprodução de pequenos trechos e não de obra integral. É por essa razão que a cópia integral de uma obra qualquer, como um livro, por exemplo, até a entrada em vigor da Lei 10.695/03, era tipificada como crime de violação de direito de autor.

 

No entanto, apesar de a Lei 10.695/03 ter expressamente excluído da tipificação penal a reprodução privada da obra para uso particular do copista, em um único exemplar, sem intuito de lucro, o fato é que continua em vigor a regra do artigo 46, inciso II, da Lei de Direitos Autorais. Portanto, o titular dos direitos autorais ainda pode ingressar com uma ação na esfera cível, visando a apreensão das obras reproduzidas ou a suspensão da prática, além do pagamento de uma indenização pela reprodução integral não autorizada. Por essa razão, já existem diversos estudos em andamento visando alterar a redação do artigo 46, inciso II, da Lei de Direitos Autorais, de forma a permitir a cópia integral nos mesmos termos estabelecidos pela Lei 10.695/03.

 

Assim, podemos dizer que uma das características mais louváveis da Lei 10.695/03 foi a de ter estabelecido pesos diferentes para as penas aplicáveis à reprodução com e sem intuito de lucro, além de ter excluído da tipificação penal a cópia única para uso privado do copista, sem intuito de lucro, uma vez que cada uma dessas práticas tem diferentes impactos na esfera social e econômica.

 

Apesar disso, ainda perduram algumas dúvidas acerca da tipificação penal da troca de arquivos de música na Internet, através da tecnologia peer-to-peer, que hoje é uma das formas mais discutidas de aquisição de obras intelectuais. Para tanto, é necessário, num primeiro momento, verificar se a disponibilização da obra na Internet ocorreu com o consentimento do titular dos direitos autorais. Em caso afirmativo, decorre que a cópia única dessa obra, para uso particular, sem intuito de lucro, realizada posteriormente à sua disponibilização na Internet, não tipificaria o crime de violação de direitos autorais e conexos. No entanto, se a obra foi disponibilizada na Internet sem a autorização do titular dos direitos autorais, a pessoa que a disponibilizou e os respectivos copiadores privados incidiriam no tipo penal previsto no caput do artigo 184 do Código Penal. Caso haja intuito de lucro, ainda que indireto, da parte de quem a disponibilizou sem autorização, o tipo penal a ser aplicado é o estabelecido pelo parágrafo 3º do referido artigo legal.

 

Finalmente, outra novidade da Lei 10.695/03 que merece atenção é a revogação do artigo 185 do Código Penal, que, em linhas gerais, tipificava como crime a atribuição de falsa autoria a obra literária artística e científica. Sabemos que o direito autoral vem sofrendo uma profunda transformação no sentido de privilegiar o seu aspecto patrimonial, o que pode ser verificado pela própria regulamentação internacional da matéria no âmbito da OMC-TRIPS. Também contribuíram para essa transformação os novos valores trazidos pela Internet e pela tecnologia digital que acabam por revestir de certa “moralidade” alguns atos que, nas obras analógicas, seriam considerados “imorais” ao autor. A produção de obras digitais derivadas, através de recombinações de obras preexistentes, muitas vezes sem autorização do autor primígeno, é apenas um dos exemplos da prática que vem ganhando aceitação social, apesar das restrições legais.

 

Porém, se há um direito moral de autor que necessariamente tem de ser preservado, inclusive com a manutenção do tipo penal específico para incriminar a respectiva violação, é o direito de o autor ser reconhecido como o criador de uma determinada obra. A preservação desse direito não mais tem como fundamento apenas o interesse individual do autor, mas de toda a coletividade, de forma a garantir às pessoas a correta informação acerca da procedência das informações e das obras intelectuais disponibilizadas.

 

Dessa forma, não vemos razão para a Lei 10.695/03 ter suprimido o artigo 185 do Código Penal. Na verdade, a criação de uma tipificação criminal com pena específica para a falsa atribuição de autoria, na redação anterior do Código Penal, justificava-se pelo valor relevante que esse direito moral de autor representa para a nossa sociedade.

 

Podemos assim concluir que o impacto da Lei 10.695/03 sobre o sistema do direito de autor brasileiro foi positivo, pois, de um lado, atende aos interesses da indústria e do governo no combate à pirataria e, de outro, o dos usuários de obras intelectuais, que não mais são penalizados criminalmente pela realização de cópias privadas de obras intelectuais, sem intuito de lucro.

 

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*Advogado do escritório Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados

 

 

 

 

 

 

 

 

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