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Condução coercitiva – mecanismo de persecução penal menos invasivo ao direito de liberdade do cidadão

Condicionar a condução coercitiva à intimação prévia, conforme se denota, constituiria um serviço (uma proteção) à criminalidade, vez que alertaria os componentes do bando criminoso, que, a partir do conhecimento da deflagração da investigação, movimentar-se-iam para ocultar e destruir provas.

6/9/2017

A condução coercitiva de quem foi intimado e deixou de comparecer perante a autoridade encontra amparo no ordenamento jurídico nos artigos 201, § 1º, 218, 260, 278 e 461, § 1º, todos do Código de Processo Penal, artigo 80 da lei 9.099/95 e artigo 187 do Estatuto da Criança e do Adolescente. O agente pode inclusive ser responsabilizado criminalmente pela desobediência, nos termos do artigo 330 do Código Penal. É uma sanção processual, que tem origem nas Ordenações Filipinas, de onde se extraiu a difundida expressão "conduzir debaixo de vara".

Ela também tem sido utilizada na fase investigatória com o pleno aval das cortes superiores, conforme se verifica do teor do Resp. 761.938/SP (rel. ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 4/4/06, DJ 8/5/06, p. 282).

Sob outro enfoque, a condução coercitiva há muito vem ganhando espaço no meio jurídico, fora das hipóteses acima apontadas, ou seja, sem prévia intimação, como eficiente mecanismo de persecução penal. Na verdade, trata-se de uma excelente ferramenta para as investigações, principalmente para as mais vultosas, referentes a associações e organizações criminosas, em relação às quais a obtenção de provas geralmente é mais trabalhosa, devido às suas ramificações e o modo de agir dos criminosos, os quais, invariavelmente, contam com a colaboração de vários agentes, estrutura, organização e logística previamente pensadas para dificultar, senão anular as chances de êxito de qualquer trabalho investigativo.

Nesse sentido, aliás, há julgados tanto do Supremo Tribunal Federal (HC 107644/SP) quanto do TJGO (agravo regimental em medida cautelar 161912-29.2013.8.09.0000, rel. des. João Waldeck Felix de Sousa, Corte Especial, julgado em 14/1/15, DJ 1725 de 10/2/15), admitindo a condução coercitiva.

O crime organizado, como é ressabido, dispõe de estrutura organizacional que exige métodos investigativos mais arrojados e eficientes, porquanto seus integrantes normalmente atuam em sintonia adredemente acordada, sem falar que se utilizam de recursos tecnológicos, parcerias firmadas no âmbito nacional e internacional, e expedientes quase que impermeáveis aos tradicionais instrumentos de investigação. Em consequência, a oitiva individualizada dos investigados, arrimada em intimação prévia, tenderia a frustrar a obtenção dos elementos probatórios necessários à elucidação dos crimes complexos perpetrados pela organização.

Condicionar a condução coercitiva à intimação prévia, conforme se denota, constituiria um serviço (uma proteção) à criminalidade, vez que alertaria os componentes do bando criminoso, que, a partir do conhecimento da deflagração da investigação, movimentar-se-iam para ocultar e destruir provas.

Em virtude de sempre ser decretada no bojo de procedimento investigatório sigiloso, de breve duração, suprarreferida medida cautelar nunca despertou muita atenção, no entanto, após a exibição na imprensa da condução coercitiva do ex-presidente da República Luís Inácio Lula da Silva, investigado na Operação Lava Jato, referido instrumento coercitivo passou a ser alvo de discussões, tanto que figurou como crime no projeto de lei 280/16 – que trata do abuso de autoridade, que tramitou no Senado Federal e foi aprovado dia 26/4/17, e segue agora para a Câmara dos Deputados.

Não satisfeito, o Partido dos Trabalhadores ajuizou no STF ação de descumprimento de preceito fundamental 395/DF, requerendo a declaração de inconstitucionalidade do artigo 260 do Código de Processo Penal.

Nesse prisma, destaco que a condução coercitiva, por consubstanciar medida cautelar menos agressiva ao direito de liberdade do cidadão, e não desrespeitar os direitos constitucionais do indivíduo de permanecer em silêncio e de não produzir prova contra si mesmo ("nemo tenetur se detegere"), não pode ser considerada medida inconstitucional, inconvencional ou abusiva, como querem fazer crer os que a criticam, porque não caracteriza medida de privação de liberdade.

Com o escopo de possibilitar a oitiva conjunta dos investigados e evitar a prévia combinação "falsa" de versões, e, ainda, a ocultação e destruição de provas ou, até mesmo, a fuga do agente, pode o juiz, valendo-se do seu poder geral de cautela (CPC, art. 798; CPP, art. 3º), autorizar a condução coercitiva, como medida cautelar menos invasiva que a prisão, respeitando sempre os direitos constitucionais do indivíduo de permanecer em silêncio e de não produzir prova contra si mesmo.

Em outras palavras, significa dizer que, havendo previsão legal para que o magistrado autorize medida cautelar mais gravosa, como é a constrição cautelar, não se verifica nenhuma ilegalidade ou violação de direitos na adoção de procedimento menos restritivo da liberdade, que, do mesmo modo, pelos critérios da razoabilidade e proporcionalidade, atenda à finalidade da investigação criminal.

Como procedimento persecutório penal, útil à investigação e à obtenção de provas (meio de prova), mas que, de certa forma, restringe direitos constitucionais individuais do conduzido, como a intimidade, o domicílio e a integridade física e moral, a condução coercitiva somente poderá ser decretada, por escrito, pela autoridade judicial competente (reserva de jurisdição). Além disso, é admissível somente quando se fizerem presentes indícios suficientes de autoria e materialidade, para assegurar a garantia da ordem pública, a instrução criminal e a correta aplicação da lei penal, e, ainda, quando demonstradas a urgência e a imprescindibilidade da medida (consubstanciados no fumus comissi delicti e periculum libertatis).

Repito, trata-se de medida cautelar de natureza pessoal autônoma menos gravosa que a prisão temporária ou preventiva, que exige idênticos pressupostos para sua decretação, mas que, diferentemente destas, restringe a liberdade do conduzido tão somente pelo tempo necessário e indispensável à sua oitiva.

O cumprimento do mandado judicial se dará, obviamente, observando-se as regras próprias de cumprimento dos mandados de prisão, estatuídas na Constituição Federal, leis e estatutos específicos (LOMAN, OAB, Lei Orgânica do Ministério Público). Será cumprido durante o dia, entregando-se cópia do mandado ao conduzido, o qual terá o direito de comunicar a medida à sua família ou a pessoa por ele indicada, de permanecer calado e de ser assistido por advogado de sua confiança, dentre outras garantias asseguradas em lei.

Em virtude de se tratar de medida excepcional, diversa da prisão, o uso de algemas somente é permitido nas situações elencadas na súmula vinculante 11 do STF, não se admitindo, ademais, a espetaculização e a exposição desnecessária da imagem do conduzido nos veículos de imprensa, por não serem estes os objetivos da condução. (SE QUISER SUPRIMIR ESTE TRECHO, PODE).

Evidencia a razoabilidade e proporcionalidade da condução coercitiva o fato de poder ser decretada em substituição à prisão preventiva para a identificação criminal (artigo 313, parágrafo único do CPP) ou à prisão temporária com idêntica finalidade (artigo 1º, II, da lei 7.960/89), com clarividentes vantagens para o conduzido.

Nesse sentido, não vejo como avanço, mas sim como um grande retrocesso, nocivo, inclusive, ao direito de liberdade do cidadão, a previsão estampada no artigo 10 do substitutivo do PL 280/16 do Senado Federal1, que visa proibir e, consequentemente, criminalizar a condução coercitiva.

Por certo, não se está defendendo uma nova modalidade de prisão cautelar e muito menos a utilização da condução coercitiva como medida de autoincriminação. O direito ao silêncio e de não se autoincriminar são assegurados constitucionalmente.

Defende-se a condução coercitiva como instrumento de auxílio à investigação (meio de prova), para a salvaguarda de elementos probatórios imprescindíveis para a elucidação de crimes complexos, e à efetivação de outras medidas acautelatórias do processo penal, que restringe apenas momentaneamente a liberdade individual do conduzido, diferentemente das prisões provisórias, que privam o indivíduo de sua liberdade.

Como reforço argumentativo, sobreleva destacar que, se a restrição da liberdade é comportável apenas quando insuficientes outras medidas coercitivas, ilação que se extrai da reforma introduzida no Código de Processo Penal pela lei 12.403/11, precisamente da leitura do artigo 282, caput, do referido codex, com essa mesma fundamentação, está o magistrado legitimado a autorizar a condução coercitiva como medida alternativa à segregação cautelar, sem nenhuma ofensa à Constituição Federal ou a tratados e convenções internacionais2.

Consoante se infere, é inegável que a pretensão de proibição da referida medida cautelar tem por escopo isentar os investigados em operações do jaez da Lava jato da condução coercitiva, precedida ou não de intimação, e, via de consequência, anular as provas produzidas. Feitas essas ponderações, penso que a questão deveria ser melhor discutida com a sociedade brasileira, porquanto a alteração açodada e casuística das leis, ainda mais, com viés de proteção de uma horda de agentes criminosos, conforme se pode verificar, jamais resultou em benefício para o país, ao reverso serviu para a vulneração e enfraquecimento dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.

Precisamos alijar a velha retórica dos pretensos defensores da ordem constitucional e democrática, que não nada mais fazem do que defender os seus mais relés e mesquinhos interesses.

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1 Art. 10 do Substitutivo: "Decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado manifestamente descabida ou sem prévia intimação de comparecimento ao juízo. Pena – detenção, de 1(um) a 4 (quatro) anos, e multa".

2 A Convenção Americana sobre Direitos Humanos em seu artigo 7, item 2, prevê que "ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas constituições políticas dos Estados-Partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas".

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*Placidina Pires é juíza de direito da 10ª Vara Criminal de Goiânia.


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