Migalhas de Peso

Reforma inviável

Governadores, prefeitos e agentes públicos federais conversam muito sobre a divisão do bolo tributário, da forma mais atrativa para todos, menos evidentemente para os contribuintes, que pagam a conta. Estes não são chamados a negociar; ou, quando convidados, não são ouvidos.

12/9/2003

Reforma inviável

 

José Roberto Pisani*

 

Governadores, prefeitos e agentes públicos federais conversam muito sobre a divisão do bolo tributário (principalmente CIDE e CPMF, que pode tornar-se permanente), da forma mais atrativa para todos, menos evidentemente para os contribuintes, que pagam a conta. Estes não são chamados a negociar; ou, quando convidados, não são ouvidos. A Associação Comercial de São Paulo propôs um limitador constitucional à arrecadação tributária, de tal forma que quando esta alcançasse o valor de 2002, as alíquotas seriam reduzidas progressivamente até que a carga fiscal se situasse em torno de 24% do PIB. Outras propostas semelhantes foram apresentadas.

 

Embora agentes públicos e parlamentares federais declarem que a reforma não implicará aumento da carga, a verdade é que as propostas de limitador não foram acolhidas no relatório especial.

 

Afirma-se - o próprio Presidente da República e seu Ministro da Fazenda o fizeram - que a reforma tributária em discussão destina-se a fazer a economia crescer. É difícil entender a lógica dessa afirmação. A economia só vai crescer se o PT cumprir o seu programa de governo: desoneração da produção, das exportações e do investimento produtivo, criação de empregos (falou-se em 10 milhões durante a campanha), redução da carga sobre o assalariado, e sobre os bens de consumo de massa (alimentos, especialmente). No entanto, a aplicação refere-se apenas a algumas das normas programáticas: ampliação da progressividade em impostos já existentes, e implementação da tributação da grande fortuna e da herança. Como é que a economia vai crescer se a intenção é tributar a renda poupada, que é, em última análise, o efeito desse imposto sobre grandes fortunas?

 

Para fazer a economia crescer, além de reduzir a taxa básica de juros, como tem feito o COPOM, é preciso também e principalmente reduzir a tributação sobre a intermediação financeira, que acaba suportada pelo tomador de empréstimos. No entanto, foi aprovada, recentemente, a Lei Complementar 116 que amplia consideravelmente a competência das prefeituras para cobrar ISS sobre serviços bancários e que, portanto, tem a tendência de aumentar ainda mais o custo tributário da intermediação financeira, repassado ao tomador. Aliás, essa mesma lei possibilita a majoração do ISS para diversas outras atividades, o que provocará encargo adicional para um setor - o de serviços - em que a necessidade de mão de obra é sempre presente, mas que já está por demais onerado, o que pode comprometer a sua capacidade de manter e gerar novos empregos.

 

Crescimento da economia significa criação de empregos. No entanto a reforma tributária contém a possibilidade de a contribuição sobre a folha de salários ser substituída, no todo ou em parte, por uma contribuição sobre a receita ou faturamento, sem qualquer limitação. Embora haja previsão de não cumulatividade, a falta de conceituação precisa e a falta de limitação quanto às alíquotas acabam por transformar o pretendido ajuste constitucional num campo fértil para a majoração da carga tributária. Se queremos criar empregos temos que reduzir, e não aumentar, os encargos tributários, previdenciários e trabalhistas decorrentes da relação de emprego. O aumento de tais encargos constitui evidente desestímulo ao emprego formal e, portanto, incentiva, em contra partida, a informalidade.

 

Para fazer a economia crescer precisamos incrementar as exportações de mercadorias e serviços. Contudo, a reforma tributária amplia a base de incidência do imposto de exportação para alcançar também os serviços. Aliás, há outro sério comprometimento à capacidade competitiva de produtos e serviços brasileiros em relação ao exterior: o fim da transitoriedade da CPMF, tributo cumulativo que causa impacto ao preço dos produtos e serviços. Os exportadores de serviços ver-se-ão assim diante da iminência de terem seus contratos de exportação onerados por um imposto em que as alíquotas podem ser alteradas por ato do próprio executivo, independentemente de lei específica. Mais, a LC 116, já mencionada,. cria limitações à não incidência do ISS sobre a exportação de serviços, pela consideração contrária à CF de que não se configurariam como tais os “serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique”, o que acaba por abranger quase todas as hipóteses.

 

Por fim - e aqui ocorre mais uma demonstração do descompasso entre o discurso e a prática -- criam-se barreiras à importação e à absorção de tecnologia estrangeira, mediante possibilidade de tributação da importação de serviços não só pelo imposto de importação, como ainda pelas contribuições sociais (faturamento e receita), para não falar das de intervenção no domínio econômico (CIDE). Aliás, a mesma LC 116 traz ampliação da base do ISS que pode alcançar também a importação de serviços, como se o prestador estrangeiro pudesse se colocar sob o império da lei brasileira, ou como se o “importador” pudesse ser equiparado ao próprio prestador dos serviços.

 

Essa reforma está pois divorciada da realidade, dos anseios e expectativas da sociedade, dos princípios programáticos que elegeram o atual Governo, das promessas de campanha. Para destravar a economia, como se tem afirmado, precisamos travar essa reforma, apagá-la e começar de novo.

 

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* Advogado do escritório Pinheiro Neto Advogados

* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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