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CPC/2015 – do cabimento do agravo de instrumento em face de decisão interlocutória que afasta a prescrição no processo de conhecimento

Algumas perspectivas após a aprovação dos enunciados da I Jornada de Direito Processual Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça federal em agosto de 2017.

1/9/2017

1. O CPC/2015 e as modificações em torno do rol das decisões agraváveis.

A edição da lei 13.105/15 trouxe várias alterações no campo recursal, mas, certamente, uma das “modificações” de maior octanagem é a da ressurreição do rol taxativo de cabimento do agravo de instrumento, disposta no artigo 1.015 do Código em vigor.

Em suma, o legislador resolveu resgatar a técnica de fechamento das hipóteses de interposição do referido recurso, preconizada pelo CPC/391 , ao invés de submetê-las, como estabelecido no CPC/732 , à avaliação ope iudicis de cabimento.

No CPC revogado o juiz verificava a presença de conceitos jurídicos indeterminados, tais como “decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação”, mensurando se a hipótese seria de agravo de instrumento ou agravo retido. O atual diploma criou uma lista fechada de cabimento, pretendendo não dar brecha a quaisquer casos dela apartados.

Atualmente, pois, o preceito 1.015 do codex, com incisos e parágrafo único, está assim redigido:

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:

I - tutelas provisórias;

II - mérito do processo;

III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem;

IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica;

V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação;

VI - exibição ou posse de documento ou coisa;

VII - exclusão de litisconsorte;

VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;

IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;

X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução;

XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1;

XII - (VETADO);

XIII - outros casos expressamente referidos em lei.

Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.

2. Interpretação literal x interpretação extensiva

Dadas as restrições, não tardaram surgir entendimentos antagônicos acerca do dispositivo, bipartindo-se duas correntes bem definidas sobre o tema.

A primeira, de caráter estrito, partilha a ideia de que havendo lei expressa, não pode o intérprete pretender estendê-la a outros casos não disciplinados. Outrossim, também advoga o perigo da criação de exceções contra o regime de preclusão dos conteúdos não regulados para a hipótese, submetidos, em tese, a espera do apelo, ex vi do art. 1.009, §1 3.

Portanto, para os partidários dessa linha de pensamento, o caminho seria a alteração legislativa e não a distorção do sentido da norma4 .

A segunda corrente professa a aplicação da interpretação extensiva para certos casos ressentidos de previsão literal nos incisos do art. 1.015, tais como o da declinação de competência e a negativa de eficácia a negócio jurídico processual5 .

Com o respeito devido e merecido aos defensores da linha restritiva, estamos em que o rol do agravo deve realmente receber a interpretação extensiva.

A investigação histórica do recurso de agravo revela sua utilidade prática em basicamente todos os países que o adotaram. Sempre serviu como válvula de escape de questões urgentes, cuja análise não poderia ser relegada para momento mais avançado do processo. Se desvios ocorreram, frutificados do amplo acesso à justiça e da cultura latina de litígio, cuidam-se de fatores incontornáveis pelos entraves agora recriados pelo legislador.

De outro norte, a mimetização do rol taxativo do CPC de 1939, desconsiderou completamente a imensa gama de problemas já detectados sob a égide daquela legislação. O decreto-lei 1.608, de 18 de setembro de 1939, vigeu por quase quatro décadas amargando essa escolha numerus clausus e o Supremo Tribunal Federal, dantes detentor da jurisdição hoje outorgada ao Superior Tribunal de Justiça, foi chamado inúmeras vezes a pronunciar-se pela inviabilidade e insuficiência de tal tipologia jurídica.

Dos vários precedentes favoráveis à interpretação extensiva, recuperamos o seguinte:

“O agravo é recurso que cabe somente nos casos que, de modo expresso, a lei enumera. É, pois, inadmissível que o intérprete amplie, pelo método analógico, os casos especiais, que constituem um domínio limitado. A analogia conduziria a infringir a letra da lei.

Os casos expressos de agravo permitem, entretanto, a interpretação extensiva, que completa a letra da lei. Se a fórmula adotada pelo legislador é demasiadamente restrita, cumpre que seja corrigida pela ampliação. Desde o caso expressamente previsto é apenas uma espécie, justifica-se que todo o gênero se compreenda na disposição formulada com estreiteza (...) A regra do art. 842, VIII, do Código de Processo Civil presta-se a ser generalizada (...)

Foi o que fez o Tribunal de Justiça fluminense, entendendo que cumpria dilatar a fórmula para compreender-se nela a vontade da lei. O legislador previu apenas casos típicos de uma situação, em vez de considerar o gênero. Embora a disposição sobre o agravo tenha índole excepcional, admite a interpretação compreensiva, per quam lex extenditur ad personam vel casum verbis quidem non expressum, mente tamen legislatoris comprehensum ob adeaquatam rationis identitatem (Ferraris, apud Coviello, Manuale di Dir.Civ.Ital., 1929, pags.75, n. 1)...”.

(STF. Recurso Extraordinário n. 11.554 – RJ. Relator: Ministro Hannemann Guimarães. DJ. 22.07.47). No mesmo sentido: Agravo n. 9.900 – Pernambuco. Relator Ministro Octavio Kelly. DJ. 27.10.41; Recurso extraordinário n. 11.083 – Rio de Janeiro. Relator: Ministro Edgard Costa. DJ. 17.01.47; Recurso extraordinário n. 20.911 – São Paulo. Relator: Ministro Ribeiro da Costa. DJ. 14.5.1953)

Como se denota, para evitar o descrédito da lei, a Suprema Corte considerou que a taxatividade do rol do agravo no CPC/39, técnica agora reproduzida no CPC/2015, conviveria pacificamente com a interpretação extensiva, conjurando o risco de imprecisões de linguagem ou silêncios involuntários. Agindo assim, caminhou concorde com a doutrina já sedimentada acerca do assunto:

“A interpretação extensiva...destina-se a corrigir uma formulação estreita demais. O legislador, exprimindo o seu pensamento, introduz um elemento que designa espécie, quando queria aludir ao gênero, ou formula para um caso singular um conceito que deve valer para toda uma categoria (...)

A interpretação extensiva, despojando o conceito das particularidades e circunstâncias especializantes em que se encontra excepcionalmente encerrado, eleva-o a um princípio que abarca toda a generalidade das relações, dando-lhe um âmbito e uma compreensão que, perante a simples formulação terminológica, parecia insuspeitada.
Falso é, pois, o brocardo: ubi lex voluit dixit, ubi noluit, tacuit. As omissões no texto legal, com efeito, nem sempre significam exclusão deliberada, mas pode tratar-se de silêncio involuntário, por imprecisão de linguagem.

A interpretação extensiva é um dos meios mais fecundos para o desenvolvimento dos princípios jurídicos e para o seu reagrupamento em sistema.
E como a interpretação extensiva não é mais do que reintegração do pensamento legislativo, aplica-se a todas as normas, sejam embora de caráter excepcional ou penal...”.

(Francesco Ferrara. Interpretação e aplicação das leis. Coimbra: Arménio Amado. 3ª.ed., 1978, p. 150-151).

“Nas palavras não está a lei e, sim, o arcabouço que envolve o espírito, o princípio nuclear, todo o conteúdo da norma. O legislador declara apenas um caso especial, porém a ideia básica deve ser aplicada na íntegra, em todas as hipóteses que na mesma cabem. Para alcançar este objetivo, dilata-se o sentido ordinário dos termos adotados pelo legislador; também se induz de disposições particulares um princípio amplo.

O texto menciona o que é mais vulgar, constante; dá o âmago da ideia que o intérprete desdobra em aplicações múltiplas...”.

(Hermenêutica do direito. RJ: Forense. 10ª.ed, 1988, p. 199-200).

_____________________

1 CPC/39, art. 842.

2 CPC/73, art. 522.

3 Art. 1.009. Da sentença cabe apelação.§ 1o As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões.

4 Andre Vasconcelos Roque e outros. Hipóteses de agravo de instrumento no novo CPC: os efeitos colaterais da interpretação extensiva.

5 Leonardo Carneiro da Cunha/ Fredie Didier Jr. Agravo de instrumento contra decisão que versa sobre competência e a decisão que nega eficácia a negócio jurídico processual na fase de conhecimento. Uma interpretação sobre o agravo de instrumento previsto no CPC/2015 Revista de Processo | vol. 242 2015 | p. 275 - 284 | Abr / 2015.

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*Marco Antônio Ribas Pissurno é especialista em direito civil e direito processual civil. Foi professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo e Recife, da Escola da Magistratura do Estado de Mato Grosso do Sul e da Escola Judicial do Estado de Mato Grosso do Sul.

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