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O investidor-anjo e a tributação de seus rendimentos

Além da necessidade de maiores discussões sobre as regras do investimento anjo, existem detalhes práticos que não podem ser ignorados pelos players, investidores e demais envolvidos no cotidiano empresarial, sob pena de inviabilizar operações.

1/9/2017

Reunir os recursos necessários ao desenvolvimento de uma atividade empresarial nem sempre é tarefa das mais fáceis. Na verdade, a realidade dos negócios embrionários, como é o exemplo das startups, e/ou de menor porte, mostra que "só" uma boa ideia, aliada a um conjunto de habilidades ou técnicas, quase nunca é o suficiente para se estabelecer, se consolidar e crescer no mercado.

São necessários capitais, profissionais capacitados, investimentos em máquinas, sistemas e outros bens considerados indispensáveis à atividade. E, geralmente, os sócios fundadores, idealizadores daquele negócio, não dispõem de todo esse aparato no momento inicial.

Surge, então, um dos maiores obstáculos a um projeto em constituição: quem poderá ajudar a financiar o começo de tudo?

O modelo tradicional direciona para os bancos. Entretanto, empréstimos junto às instituições financeiras tendem a ser mais caros, devido às altas taxas de juros brasileiras, e o acesso ao crédito nem sempre é fácil para entrantes ou players de menor porte.

Outro caminho é procurar investidores, especialmente fundos, como os de venture capital e private equity. Todavia, também não costuma ser simples convencer um investidor a investir no negócio. E a dificuldade não reside apenas em encontrar e cativar com a ideia quem possui o capital, mas, principalmente, chegar em um consenso sobre quanto vale o investimento.

A forma como a prática empresarial e o direito, no Brasil, tratam esse tipo de relação entre investidor e investido é calcada no vínculo societário: troca-se aporte financeiro por um percentual da sociedade. Isso, inevitavelmente, restringe aos que já estão melhor estruturados ou, por exemplo, possuem um MVP (Minimum Viable Product ou Produto Mínimo Viável, que é uma espécie de protótipo) mais concreto, o acesso a essa seleta fonte de recursos, qual seja, os investidores financiadores de empresas.

Afinal, comprar uma participação societária em um negócio no início ou ainda de menor porte é um investimento de risco considerável, e isso se justifica por vários motivos: I) ser sócio significa participar tanto dos lucros, quanto dos prejuízos; II) a perspectiva de rentabilidade futura, na qual se baseia o cálculo do valor do investimento, é, como o próprio termo sugere, uma expectativa, que pode ou não se concretizar; e, por fim, III) esse tipo de investimento tem como pressuposto básico a aquisição de quotas ou ações para venda após sua valorização, e essa venda a terceiros também depende de várias condicionantes, futuras e incertas.

Não só o acesso aos investidores é difícil, mas, a própria decisão de investir em uma startup, por exemplo, depende de diversos fatores e costuma resultar de um processo mais complexo de análise, haja vista o nível de risco envolvido.

Como facilitar, então, o estabelecimento desse tipo de relação?

Justamente com a mentalidade de simplificar o ambiente de investimentos foi editada a lei complementar 155/16, regulamentadora da figura do investidor-anjo; figura essa que já era tratada, informalmente, na praxe do mercado, como a pessoa física ou jurídica que aporta recursos mais modestos em negócios embrionários.

A regulamentação legal não seguiu essa definição: tratou o investimento anjo como uma hipótese de participação em sociedade que não estabelece vínculo societário.

Nos termos do art. 61-A da lei complementar 123/06, acrescentado pela lei complementar 155/16, entende-se por investidor-anjo aquele (pessoa física ou jurídica, inclusive os fundos de investimento) que, visando fomentar a inovação e investimentos produtivos, aporta recursos numa sociedade enquadrada como microempresa ou empresa de pequeno porte1, mas, não recebe em troca qualquer participação societária; isto é, coloca dinheiro no negócio, sem dele se tornar sócio.

Com isto, o capital aportado não integra o capital social da empresa investida, tampouco é considerado receita da sociedade para fins de enquadramento desta como microempresa ou empresa de pequeno porte.

O investidor-anjo não terá direito a interferir na administração do negócio, muito menos a votar em suas deliberações sociais. Como não é sócio, não responderá pelas dívidas da sociedade, inclusive em caso de recuperação judicial, não estando sujeito à aplicação do art. 50 do Código Civil Brasileiro, que trata da desconsideração da personalidade jurídica2. Assim, ainda que os sócios e/ou administradores da investida respondam com bens particulares pela dívida da sociedade empresária, em razão de abuso da personalidade jurídica, o Investidor-Anjo não será diretamente afetado.

Para formalizar a relação de investimento, deve celebrar com a sociedade investida um contrato de participação, regrando as condições do aporte, dentre elas, principalmente, a sua remuneração, que deverá ter como base de cálculo os resultados distribuídos pela sociedade, limitada a 50% (cinquenta por cento) dos lucros do exercício.

A lei define ainda que o investidor-anjo somente poderá resgatar o capital aportado depois de, no mínimo, 2 (dois) anos contados do investimento, cujo pagamento será feito na forma do art. 1.031 do Código Civil Brasileiro, e não poderá ultrapassar o valor investido corrigido.

A cessão da titularidade do aporte para terceiros, pelo Investidor-Anjo, é permitida, mas depende do consentimento prévio dos sócios da sociedade investida, salvo se previsto de forma diversa no contrato de participação.

Apesar do objetivo de não caracterizar essa relação como societária, foram conferidos ao Investidor-Anjo alguns privilégios especiais, comuns a investimentos realizados por meio de aquisição de quotas ou ações, como, por exemplo: (I) direito de preferência na aquisição, e (II) direito de venda conjunta da titularidade do seu aporte, no caso de os sócios da sociedade investida decidirem por vender o negócio. Esses mecanismos visam tornar o aporte mais interessante, do ponto de vista econômico.

Todas essas regras e características têm por finalidade facilitar o acesso dos pequenos players, dos negócios embrionários, como as startups, a fontes de recursos além das instituições financeiras.

No caso do Investidor-Anjo, possibilitar o aporte de recursos sem o risco inerente à assunção da posição de sócio tende a facilitar o aumento de investimentos em negócios ainda não consolidados, por mitigar os riscos da operação.

Apesar de trazer vários conceitos e regras, a lei complementar 155/16 não havia tratado sobre um aspecto de grande relevância prática para esse contexto: a tributação do investimento. Preferiu delegar ao Ministério da Fazenda tal competência.

No exercício dessa atribuição, a Receita Federal do Brasil editou, recentemente, a instrução normativa 1.719 de 19 de julho de 2017.

Ocorre que a matéria disciplinada pela IN 1.719 extrapola a competência do Secretário da Receita Federal, tendo em vista que inova na ordem jurídica tributária ao dispor sobre tributação relacionada às operações de aporte de investidores-anjo. A própria lei complementar 155/16 não poderia ter "delegado" esta função, de dispor sobre a tributação na retirada do capital investido, ao Ministério da Fazenda, considerando que tal papel cabe à lei em sentido estrito, ou seja, a ato emanado do Poder Legislativo.

A exigência de lei para instituir ou majorar tributos nada mais é do que uma proteção, ao menos em tese, dos cidadãos frente aos anseios arrecadatórios do Estado.

A nova instrução normativa conferiu aos investimentos de investidor-anjo o mesmo tratamento das aplicações financeiras de renda fixa e variável. Nestas, quanto maior for o tempo do investimento, menor será a alíquota do Imposto de Renda incidente sobre os rendimentos. É a chamada tributação pela tabela regressiva.

Ocorre que, no caso das operações no mercado financeiro, já existe lei específica para tratar do assunto, a lei 11.033/04, na qual se estabeleceu a tributação pela tabela regressiva, representada pela variação da alíquota do imposto de renda de forma inversamente proporcional ao prazo do investimento. De certa forma, a IN 1.719 "tomou" emprestado este modelo de tributação e o aplicou às operações de aporte de capital de investidores-anjo.

Inclusive, o imposto de renda retido na fonte nestas operações terá o mesmo tratamento das aplicações financeiras de renda fixa e de renda variável; ou seja, será considerado definitivo para investidor pessoa física ou pessoa jurídica optante do Simples Nacional, e antecipação do imposto devido para empresas tributadas pelo lucro real, presumido ou arbitrado.

Ainda que este caminho busque favorecer os investimentos de maior prazo, dando mais tempo à sociedade investida para desenvolver seu negócio, a tributação dessas operações deveria ter sido implementada por meio de lei, e não mediante um ato normativo expedido pela Receita Federal. Aliás, o próprio Código Tributário Nacional, em seu art. 108, § 1º, veda a tributação pelo emprego da analogia – que é o que se aparenta ter ocorrido com a edição da IN 1.719.

Outra aparente incongruência da nova instrução normativa é a relacionada à tributação da diferença entre o valor aportado e o valor resgatado pelo investidor. De acordo com a IN 1.719, o resgate será limitado ao capital aportado corrigido pelo índice de inflação previamente definido entre as partes. Até aqui, nada de novo em relação à lei complementar 155/16.

O problema começa quando a IN 1.719 dispõe que se entende como rendimento, para fins de incidência do imposto de renda retido na fonte, o "ganho" no resgate do aporte do capital investido. A própria instrução normativa, seguindo a lei complementar 155/16, desautoriza o investidor a resgatar valor superior ao capital aportado corrigido. A diferença, assim, só corresponderá à correção monetária do aporte, de acordo com o índice de inflação previsto no contrato.

Ora, só sendo possível fazer o resgate até o limite do valor aportado corrigido monetariamente, parece-nos incabível a tributação desta diferença pelo imposto de renda. A propósito, é bom que se diga que a correção monetária busca, exclusivamente, a recomposição do poder aquisitivo do capital frente ao fenômeno inflacionário do período considerado, não se traduzindo, portanto, em acréscimo patrimonial.

Outra questão passível de questionamentos, decorrente dessas operações, relaciona-se com o tratamento contábil a ser dispensado aos valores aportados na sociedade investida, haja vista a IN 1.719 se limitar a dispor que esta "deverá manter controles que permitam verificar a correta apuração da base de cálculo" do imposto de renda retido na fonte. Sendo certo que o aporte financeiro não integrará o capital social da investida, surge como solução a sua contabilização no ativo circulante com a contrapartida no passivo exigível, e não no patrimônio líquido.

Ademais, diante da sua semelhança a uma espécie de mútuo – qualificado pelas regras e exigências previstas na lei complementar 155/16 – é possível que a Receita Federal do Brasil encare tais operações, caso o investidor-anjo seja pessoa jurídica, como tributáveis pelo Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros – IOF, incidente sobre o montante aportado, apesar da IN 1.719 nada falar sobre.

Por fim, em relação aos aportes feitos por fundos de investimentos, na condição de investidor-anjo, como já era de se esperar, a Receita Federal dispôs que não haverá retenção do imposto de renda sobre os rendimentos e ganhos líquidos. A tributação pelo imposto de renda retido na fonte, nesses casos, só ocorrerá por ocasião do resgate de quotas ou ações – momento em que os titulares terão a disponibilidade jurídica e econômica dos respectivos rendimentos.

As iniciativas do poder público, no sentido de regulamentar a figura do investidor-anjo, e o seu objetivo de desenvolver o mercado de capitais brasileiro, são, indiscutivelmente, avanços aplaudíveis.

Não obstante, como se tentou demonstrar neste texto, além da necessidade de maiores discussões sobre as regras do investimento anjo, existem detalhes práticos que não podem ser ignorados pelos players, investidores e demais envolvidos no cotidiano empresarial, sob pena de inviabilizar operações.

O risco sempre vai existir; o desafio está, portanto, em identificá-los e mensurá-los, para que nenhuma decisão seja tomada irresponsavelmente.

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1 Conforme disposto no art. 3º da Lei Complementar nº 123/2006, poderá ser enquadrada como (I) Microempresa, a sociedade que aufira, no ano, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais), e (II) Empresa de Pequeno Porte, a que aufira, no ano, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais).


2 Art. 50 do Código Civil: Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica

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*Leonardo Barros Corrêa de Araújo é advogado do escritório r. monteiro de castro advogados e pós-graduando em Direito Societário.

*Pedro Moura de Almeida é advogado do Caribé Advogados e pós-graduando em Direito Tributário.

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