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Outorga Onerosa na regularização de edificações em São Paulo

A cidade de São Paulo trouxe a previsão desse instrumento em seu primeiro Plano Diretor Estratégico promulgado em 2002 pela lei municipal 13.430, impondo duas limitações à sua concessão.

25/8/2017

A Outorga Onerosa é um instrumento instituído pelo Estatuto das Cidades (lei federal 10.257/01), pelo qual as Prefeituras municipais concedem ao proprietário do imóvel o direito de construir além do potencial construtivo básico, mediante o pagamento de uma contrapartida financeira.

A cidade de São Paulo trouxe a previsão desse instrumento em seu primeiro Plano Diretor Estratégico promulgado em 2002 pela lei municipal 13.430, impondo duas limitações à sua concessão: (i) o proprietário poderia comprar a outorga onerosa até o limite máximo do potencial construtivo definido para a zona de uso do imóvel, e (ii) deveria observar a disponibilidade no Estoque de Potencial Construtivo Adicional (art. 212 da lei 13.430/02).

O potencial construtivo máximo de um imóvel é definido pelo Coeficiente de Aproveitamento determinado para cada zona de uso. Assim, o proprietário do imóvel poderia edificar a área correspondente ao Coeficiente de Aproveitamento Básico - CAb sem qualquer contrapartida financeira, ou edificar o equivalente ao Coeficiente de Aproveitamento Máximo - CAm, mediante o pagamento da contrapartida financeira (Outorga Onerosa) pela área que exceder o CAb, e desde que existisse Estoque de Potencial Construtivo Adicional disponível.

Com o advento do novo Plano Diretor (lei municipal 16.050/14) e da nova Lei de Zoneamento (lei municipal 16.402/16), a antiga lei 13.430/02 foi revogada e as regras de uso e ocupação do solo sofreram modificações significativas, inclusive na concessão da Outorga Onerosa. A principal alteração refere-se à extinção dos Estoques de Potencial Construtivo Adicional, de modo que todos os imóveis passaram a ter o direito de construir até o limite definido pelo CAm, mediante o pagamento da contrapartida financeira pela Outorga Onerosa. Vale dizer, dos limites à concessão da outorga onerosa previstos no antigo Plano Diretor e mencionados acima, o segundo (ii) não existe mais.

Diante dessa situação surgiram novas questões práticas que ainda não foram revistas pela Prefeitura de São Paulo como, por exemplo, a possibilidade de conceder Outorga Onerosa em processos de Regularização de edificação.

Na legislação anterior, vigente até 2016, valia a regra de que não era possível a aplicação da Outorga Onerosa nos pedidos de regularização, vez que o art. 210 da lei 13.430/02 exigia que a matéria fosse regulada por meio de lei específica, a qual nunca chegou a ser promulgada. Isto é, não era possível regularizar uma edificação já existente com a compra da Outorga Onerosa, pois isso consistiria em "furar a fila" na utilização do Estoque disponível, que é limitado.

Nesse sentido foi o posicionamento da Secretaria Municipal de Negócios Jurídicos, que emitiu os Pareceres 2.227/13 – PGM/AJC e 4.121/SNJ-G/2013, baseados também nas disposições do decreto 44.703/04 e Portaria 09/SMSP/Gab/07, que regulam a concessão de Outorga Onerosa em processos de Alvará de Aprovação e Execução de Obras.

A nova Lei de Zoneamento e o novo Plano Diretor não replicaram o disposto no art. 210 da lei 13.430/02, abolindo o Estoque de Potencial Construtivo Adicional, de forma que é evidente que se pretende aplicar a Outorga Onerosa a todo e qualquer processo, inclusive aos pedidos de regularização.

Também não se verifica nas atuais normas qualquer prejuízo em se conceder a Outorga Onerosa em processos de regularização, vez que todo e qualquer imóvel pode requerer a sua concessão. Vale dizer, nas regras revogadas existia o Estoque de Potencial Construtivo Adicional o qual, uma vez esgotado, impedia que os demais imóveis do mesmo distrito atingissem o CAm. Ou seja, a utilização de Potencial Construtivo Adicional por um imóvel, necessariamente, implicaria no impedimento de outros em utilizar o mesmo benefício.

Nas regras atuais, quando um imóvel utiliza o Potencial Construtivo Adicional não impede que outros imóveis se utilizem do mesmo benefício. Ou seja, o Potencial Construtivo Adicional de cada imóvel é restrito ao imóvel e fica disponível até que o proprietário decida utilizá-lo um dia, ou até que legislação superveniente cancele o benefício.

Não obstante, deve-se observar que o decreto municipal 44.703/04, que regulava os arts. 209 a 216 da revogada lei 13.430/02 regulamentando a Outorga Onerosa, não pode ser impeditivo para a utilização desse instrumento na regularização de edificações pelo simples fato de não fazer previsão expressa a esse respeito. Embora o decreto não tenha sido expressamente revogado pelo Poder Executivo, todas as suas disposições que contrariam a nova lei, inquestionavelmente, ficam automaticamente revogadas, vez que a função do decreto é regulamentar a lei, não podendo criar ou limitar os direitos e obrigações nela previstos. O mesmo se aplica às portarias e qualquer ato normativo infra legal que discorra de forma contrária à lei. Nesse sentido, é bom lembrar que, ainda que não revogado, o decreto deve ser interpretado de acordo com a nova lei.

Assim sendo, verifica-se que na nova Lei de Zoneamento é assegurado a todos os imóveis a utilização do Potencial Construtivo Adicional mediante a concessão de Outorga Onerosa, sendo os requisitos para a sua concessão: (i) o pagamento da contrapartida financeira, independendo o procedimento adotado para se requerer tal concessão, (ii) o limite imposto pela zona de uso correspondente ao CAm.

Portanto, as edificações irregulares que não ultrapassem o CAm podem ser regularizadas mediante a concessão de Outorga Onerosa.

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*Fernando Escudero é advogado do escritório Escudero & Ziebarth Advogados.

*Marco Antonio Ziebarth é advogado do escritório Escudero & Ziebarth Advogados.

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