Após intenso e tumultuado processo legislativo acabou por ser aprovada a lei 13.467/17, que trata da alteração de dezenas de artigos da CLT, bem como de artigos da lei 6.019/74 (trabalho temporário), da lei 8.036/90 (FGTS) e da lei 8.212/91 (Plano de Custeio Previdenciário).
Trata-se de uma norma de profundo alcance no mundo do trabalho e que, sem medo de errar, produzirá profundas transformações na relação entre o capital e trabalho, entre os trabalhadores e suas entidades sindicais, entre a sociedade e a Justiça do Trabalho e, quanto a esta última, não há dúvidas de que terá seu futuro moldado a partir dos reflexos que todas as mudanças que ora se iniciam forem se implementando.
Não se sabe ao certo qual rumo as relações de trabalho tomarão a partir de agora, mas o que é certo é que diversos institutos e princípios foram revistos, diversos entendimentos cristalizados foram abalados, inúmeras posições ideológicas foram alteradas, enfim, os efeitos dessa profunda alteração promovida na legislação trabalhista não podem ser corretamente dimensionados neste momento. O certo, contudo, é que serão de grandes proporções.
A denominada reforma trabalhista surge em um dos cenários políticos mais adversos, no qual o Presidente em exercício,-que substituiu uma Presidente deposta do cargo após processo de impeachment-, apresenta uma das mais baixas popularidades da história do País, em que existem denúncias pairando sobre sua conduta no exercício do cargo, em um momento em que os partidos aliados ameaçam abandonar a base do governo, com diversos políticos, quer sejam da oposição quanto da situação sendo denunciados por envolvimento em crimes de toda a natureza, enfim, não poderia haver cenário pior para a apresentação de uma reforma dessa amplitude e desta natureza, pois foi praticamente impossível uma discussão técnica e isenta destas matérias em um ambiente político tão conturbado.
Por paradoxal que possa parecer, estou convencido que uma reforma dessa magnitude somente foi possível exatamente em razão deste cenário politicamente caótico.
Discute-se há décadas a necessidade de atualização das normas trabalhistas e nenhum dos governos democraticamente eleitos foi capaz de levar a cabo reformas desta magnitude, exatamente por força dos inúmeros interesses envolvidos e da antipatia generalizada da classe trabalhadora, -que forma o grande contingente de eleitores-, com relação aos rumos das discussões e dos inúmeros direitos que seriam “flexibilizados” a partir da edição da lei ora em análise.
Somente um governante sem qualquer ambição de prosseguimento da vida pública poderia insistir na aprovação de um projeto com tal nível de impacto no mundo do trabalho e nas relações coletivas, especialmente as sindicais.
O presente artigo busca apresentar uma visão de alguém que atua na linha de frente em uma Vara do Trabalho, que realiza dezenas de audiências diariamente, que possui contato diário com partes e advogados e que convive na Justiça do Trabalho há mais de 25 anos, tanto como servidor quanto na condição de magistrado.
Não se trata de texto recheado de citações doutrinárias e de rebuscamento acadêmico.
Pretendo apenas apontar dispositivos que no meu entender vão contribuir para a solução de inúmeros problemas práticos e reparar equívocos que ao longo dos tempos foram sendo acrescidos ao Direito do Trabalho e ao Processo do Trabalho por força de interpretações judiciais, especialmente tomadas pelo TST, que agora serão corrigidas ou atenuadas. Cito também algumas alterações que entendo equivocadas ou inoportunas, bem como algumas que implicaram em evidente redução de direitos dos trabalhadores.
Considerando que são inúmeras as alterações, que na verdade fundam um novo Direito do Trabalho e não se tratam apenas de uma reforma tópica, tratarei de apenas alguns temas que entendo relevantes, tanto no que diz respeito ao Direito Material do Trabalho, quanto de Direito Processual do Trabalho e de Direito Coletivo. Para que fosse possível tratar de todos os temas trazidos com a reforma seria necessário um livro completo sobre o tema e não é esse o objetivo do presente artigo.
Comecemos por algumas das alterações que dizem respeito ao direito material do trabalho:
Horas in itinere
Este tema sofreu profunda transformação a partir da lei 13.467/17.
O texto revogado afirmava que: “Art. 58, § 2 O tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador fornecer a condução.”
Este dispositivo é secundado pela Súmula 90 do C. TST que procura “regulamentar” este artigo.
Em sentido diametralmente oposto, o novo texto afirma que: “Art. 58, § 2 O tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador.” (destaque meu)
Isso significa dizer que a partir da entrada em vigor da nova lei sempre que o trabalhador for conduzido para o trabalho com meios fornecidos pelo empregador esse período em que se encontra no deslocamento residência-trabalho e vice-versa não mais será computado em sua jornada como se em efetivo exercício estivesse.
Um dos maiores argumentos trazidos em defesa da alteração do texto foi a de que nos grandes centros urbanos os trabalhadores levam em média 2 horas em cada trajeto para alcançarem os seus locais de trabalho, pagam todos os custos destas conduções e normalmente as condições dos transportes públicos são deficientes e normalmente superlotados.
Por outro lado, as conduções fornecidas pelos empregadores são exclusivas para os empregados, possuem horários previamente definidos, comportam todos os trabalhadores sem superlotação e são fornecidas de forma graciosa, sem custos.
Isso é verdade, ao menos na grande maioria dos casos.
É verdade também que os custos operacionais das empresas estabelecidas em local de difícil acesso serão reduzidos dramaticamente, pois as horas in itinere normalmente acabavam configurando jornada extraordinária e eram remuneradas com adicional de, no mínimo 50%.
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*Sandro Gill Britez é juiz do trabalho substituto - TRT 9ª Região.