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Midiatismo, dignidade da pessoa humana e a filosofia do Profeta Gentileza

É cediço que o direito de informação teve seu aporte no documento ‘inter mirifica’ do Concílio Vaticano II, tratando especificamente sobre o uso dos meios de comunicação, com a finalidade única de que as almas sejam ajudadas para disseminar o progresso da humanidade, em consonância com alguns postulados do direito natural. Às autoridades estava incumbida a tarefa de zelar pela verdadeira e justa informação, mediante a promulgação e execução das leis, sendo veemente vedado os abusos que eventualmente poderiam ocorrer.

23/6/2006

 

Midiatismo, dignidade da pessoa humana e a filosofia do Profeta Gentileza

 

Tathiana Lessa*

 

Insipiente é mesmo o meio de comunicação nas conjunturas atuais!

 

É cediço que o direito de informação teve seu aporte no documento ‘inter mirifica’ do Concílio Vaticano II, tratando especificamente sobre o uso dos meios de comunicação, com a finalidade única de que as almas sejam ajudadas para disseminar o progresso da humanidade, em consonância com alguns postulados do direito natural. Às autoridades estava incumbida a tarefa de zelar pela verdadeira e justa informação, mediante a promulgação e execução das leis, sendo veemente vedado os abusos que eventualmente poderiam ocorrer.

 

O teor do referido documento alertava sobre o respeito à caridade, verdade e justiça, enfim, respeito às leis morais do homem, principalmente no que toca à dignidade.

 

Rousseau nos aclarava que o homem nasce livre, mas também acorrentado, haja vista a mantença da liberdade estar verticalmente ligada à sua limitação. Inerente aos meios de comunicação está a liberdade de expressão, mas esse direito não é absoluto. O direito de informar abarca uma série de dados objetivos e subjetivos (v.g, opiniões, juízos, exatidão, verdade, interesse geral, entre outros), sendo que a barreira intransponível está exatamente na dignidade da pessoa humana.

 

E a indignidade está na não harmonização dos princípios fundamentais. Ou como bem ensina Canotilho1 , na sua devida ponderação. Logo, não é somente pelo motivo dos meios de comunicação gozarem de liberdade de pensamento que podem massacrar, em prol do ‘interesse social’, a dignidade da pessoa. Tais valores devem harmonizar-se, pois não há que se falar, quando o assunto é direitos fundamentais, em direito que deva ser colocado em um plano axiológico superior. Não há privilégios. O que deve acontecer é a harmonização.

 

Nas palavras de Gesta Leal2 , os direitos da pessoa humana ao serem remetidas para os direitos humanos e fundamentais, proporcionam uma base política, sendo essas: (a) os direitos humanos também são um conceito jurídico; (b) os direitos humanos se referem tanto ao homem quanto ao cidadão e (c) os direitos humanos são capazes de proteger o indivíduo que não está em conflito com o Estado.

 

Posições contrárias em nada contribuem para a democracia, afinal de contas vivemos em caráter recíproco, em plena interação social, econômica, política e cultural. E a liberdade de imprensa encontra restrições por estar em paridade com as demais liberdades individuais do homem.

 

Atualmente percebe-se claramente que tudo o que foi dito até então nesse pequeno ensaio foi olvidado pela imprensa falada e escrita, onde esta continua a disseminar a retórica do velho mundo novo, com programas televisivos e jornais cada dia mais sensacionalistas e manipuladores, como fito de angariar sempre o malfadado IBOPE.

 

Programas televisivos tem como enfoque o constrangimento (brutal) a que submetem certos indivíduos, os menoscabando, afrontando visceralmente a harmonia dos direitos fundamentais.

 

Vende-se o pai alcoólatra, a mãe homicida, o filho drogado, o tio traficante, o avô político mau caráter, enfim, a família pronta a ser degolada e posta na banca sanguinária dos meios de comunicação. Vende-se o nome de Deus e do Diabo, pois crescem abruptamente os filmes e livros com este Ideal Exorcista. O estúpido e o vulgar se atrelam e converte-se em oligofrenia cultural.

 

A forma de noticiar séria e objetiva de alguns jornais resta comprometida, uma vez que as informações em sua grande maioria são enganosas, camufladas para dar ‘ares’ bem diferentes daquilo que efetivamente ocorreu. Nisto incorre as convicções permeadas de preconceitos inculcadas nos indivíduos, consumidores verazes desta montagem circense. O informador acaba por afetar drasticamente a essência do informado. Passa-se da esfera objetiva para a exclusivamente subjetiva.

 

Como se não bastasse tal preocupação, a criminalidade também está sendo banalizada. O lado obscuro do ser humano é reformulado e tratado de forma absurdamente contrária aos postulados garantistas. A pena de morte tem sido debatida de forma nada congruente com a historicidade que o assunto nos propõe. Os meios de comunicação se colocam em patamar inquisitivo. Por este desempenham-se os diversos papéis: investigam, acusam, julgam e executam.

 

É o retorno ao ‘Directorium Inquisitorum’3!

 

Aliás, percebe-se a real incongruência desses discursos, pois com a finalidade de diminuir a criminalidade, explicitam a forma ‘dita correta’ de fazê-lo: exterminando o indivíduo que delinqüiu. Ressalta-se que este proceder é crime, pois incita outrem a cometê-lo, logo, é apologia ao crime.

 

Qualquer aplicador do direito sabe que o princípio da humanidade é o maior empecilho para a adoção da pena capital e prisão perpétua, pois atingem a dignidade da pessoa humana e a constituição físico-psíquica dos condenados nas palavras de Zaffaroni4.

 

Críticas devem ser endereçadas aos operadores de direito que, sob a alegação da defesa da lei e ordem, vilipendiam, de forma cínica, o princípio em comentário. Carregue o indivíduo a pecha ou não de marginal, o Estado Democrático de Direito deve sempre ser um escudo indevassável às discriminações.

 

No filme ‘Code Iconnu’ de Michael Haneke, o mesmo de forma espetacular (para não dizer assombrosa!) vislumbra o real aniquilamento dos pilares da Revolução Francesa, não só na França como no mundo inteiro. Aquilo que foi conquistado com tanto suor e sangue está se transformando em hipocrisia, através da xenofobia, discriminações de todas as espécies e intolerância.

 

Superior a tudo isto, é presenciarmos os agentes do Estado Democrático (policiais, Ministério Público, juízes, advogados e similares), incontrolavelmente afoitos por um momento de glória, ao invés de lutar contra toda essa agressividade e desrespeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, a corja elitizada insiste em aparecer somente nas colunas sociais (que por sinal, são todas sensacionalistas), transformando-se em vedetes de televisão, não recusando qualquer holofote ou câmera de TV que lhes possam projetar para o mundo da fama, violando até o seu dever funcional, emitindo, não raras vezes, julgamentos precipitados.

 

A razão está com Leonardo Boff ao transmitir os magníficos ensinamentos que o saudoso Profeta Gentileza5  (1917-1996) nos deixou

A crítica da modernidade não é monopólio dos mestres do pensamento acadêmico como Freud com seu ‘O mal estar da civilização’ ou a ‘Escola de Frankfurt’ com Horkheimer com seu ‘O eclipse da razão’ e com Habermas com o seu ‘Conhecimento e interesse’ ou mesmo toda a produção filosófica do Heidegger tardio. O Profeta Gentileza, representante do pensamento popular e cordial, chegou à mesma conclusão que aqueles mestres. Mas foi mais certeiro que eles ao propor a alternativa: a Gentileza como irradiação do cuidado e da ternura essencial. Esse paradigma tem mais chance de nos humanizar do que aquele que ardeu no circo de Niterói: o espírito de geometria, o saber como poder e o poder como dominação sobre os outros e a natureza6.

A gentileza, bem como a tolerância funda um princípio eminentemente civilizatório, estupidamente esquecido pela era globalizada e que, nos dias hodiernos, nos mostra de extrema relevância para a humanização de uma sociedade estigmatizada maniqueísta.

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1CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Lisboa: Almedina, 2002, p. 1220 e s.

 

2MEZZAROBA, Orides (org.). Humanismo latino e estado no Brasil. Florianópolis: Boiteux, 2003, p. 321.

 

3EYMERICH, Nicolau. Manual dos Inquisidores. Brasília: Unb, 1993.

 

4ZAFFARONI, Eugenio Raúl; José Henrique Pierangeli. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 171.

 

5https://www.gentileza.org.br

 

6https://www.leonardoboff.com/artigos/2004

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*Advogada criminalista

 

 

 

 

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