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O voto de minerva no TSE

Como homem do direito, não emito opinião alguma sem ter o processo na mão. Mas compartilho, com milhares de brasileiros, a desconfiança e o receio de que Minerva tenha perdido o posto de "coruja da sabedoria"...

16/8/2017

ATENA é MINERVA em latim clássico.

Atribui-se à inspiração de Minerva o voto de desempate, de qualidade. (Vede, por exemplo, o art. 664, parágrafo único, do Código de Processo Penal e o art. 150, § 3º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).

Daí a tradição de benevolência do voto universal.

Em caso de dúvida, deve aplicar-se o princípio do direito romano, formulado pela ciência pandetista.

Minerva fez sair da terra uma oliveira. Seu pássaro favorito foi a coruja, cujo olhar rompe as trevas. A chamada coruja de Minerva só voava no começo do crepúsculo vespertino de uma sociedade.

Seria inspiradora dos sábios conselhos e dos discursos eloqüentes.

Cícero, quando era cônsul, mandou pôr no Capitólio a imagem de Minerva.

Dos versos esquecidos de Humberto de Campos sobre Minerva:

Vieram da proteção e da Sabedoria
Da Senhora Imortal da Grécia e da Cidade.
Esquece, ao trabalhar, as humanas perfídias,
Mostra o teu coração, esculpe a tua idéia:
Como, outrora, imortal, o retrato de Fídias
Gravado no broquel de Palas-Atenea!

Em nosso sofrido século XXI brasileiro, um voto de Minerva (ou de desempate) se tornou o assunto mais comentado de todas as rodas: aquele proferido pelo polêmico ministro Gilmar Mendes, no julgamento que resultou na absolvição da chapa Dilma-Temer. O ministro foi protagonista de tantos memes que seu nome bem que poderia ser alterado para GILMAR MEMES...

Sempre digo ao leigo para tomar cuidado com seus ataques ao Judiciário. Criticar uma decisão judicial sem ter examinado o processo e as provas (e sem deter o conhecimento técnico para tanto) é o mesmo que criticar um diagnóstico médico sem nunca ter examinado o paciente (isso se soubermos alguma coisa de medicina...).

Não obstante, há pontos do julgamento que realmente chamam atenção, seja do cidadão comum, seja do operador do direito.

Um deles é a consistência, admirada por todos, do voto do relator Herman Benjamin. Sustentou que deveriam ser mantidos no processo relatos de executivos da Odebrecht no sentido de que a campanha de 2014 fora abastecida com valores não declarados (o conhecido caixa 2) repassado como propina por contratos celebrados com a Petrobrás. Afastou a ideia de que tenha havido ampliação do espectro de fatos e provas. Não haveria fatos novos, mas apenas fatos não devidamente explicitados anteriormente. Sustentou a tese de unicidade da chapa, afirmando: "No Brasil, ninguém eleve vice-presidente da República".

Também impressionou muito o voto eloqüente e indignado do ministro Luiz Fux, pela cassação da chapa, afirmando que até as pedras da rua sabem da gravidade dos fatos. Declarou que é "inconteste a configuração da plutocratização do processo político nas eleições de 2014, na medida em que há estreito liame entre a ação praticada pelos autores e a ação apontada como abusiva". Confirmou a existência de abuso de poder numa série de fatos elencados pelo relator. Reconheceu a existência de "propina-poupança" na Petrobras; ilícito no sistema de pagamento da Keppel Fels a João Santana e Monica Moura; propinas distribuídas pela Sete Brasil; caixa 2 na conta corrente da Odebrecht; caixa 2 da Odebrecht para os marqueteiros; e ilícitos nos gastos com gráficas. A todo tempo sustentou que os fatos, gravíssimos, não poderiam ser afastados por meras formalidades processuais – e que, como magistrado, não teria paz se o fizesse.

Deixando de lado a hilária "ira do profeta" – do ministro Napoleão Maia, não posso afirmar de que lado está a razão. Como homem do direito, não emito opinião alguma sem ter o processo na mão. Mas compartilho, com milhares de brasileiros, a desconfiança e o receio de que Minerva tenha perdido o posto de "coruja da sabedoria"...
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*Paulo Adyr Dias Amaral é professor de Direito do IBMEC/MG.

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