Para aqueles que tiverem a curiosidade de olhar a lei imperial que criou os cursos de Direito no país, haverá muito o que perceber de diferente em relação ao ensino jurídico de hoje. Fica-se sabendo num olhar à lei que um estudante poderia ingressar na faculdade aos 15 anos ou ainda que, entre as cadeiras dos cinco anos de estudos, havia uma dedicada ao direito público eclesiástico – ou seja, estudava-se uma matéria que evidenciava a ligação oficial entre Estado e Igreja durante o Império.
Passados 190 anos, tivemos dois imperadores, muitas crises, uma República nascida sob um golpe de baionetas, que destituiu um monarca até hoje admirado, seguindo-se golpes e contragolpes até os nossos dias, quando a mais recente quebra de um mandato presidencial pelo instituto do impeachment virou golpe na narrativa de quem foi apeado do poder.
Advogados os mais célebres se fizeram formar nas duas primeiras faculdades de Direito deste país e em outras tantas que surgiram em um espaço de quase duzentos anos. E nesse recorte temporal, se o Estado brasileiro alterou-se tanto e a sociedade igualmente transmutou-se, o direito também trafegou nas estradas das transformações.
Muito embora nós, brasileiros, estejamos distantes do direito consuetudinário, é certo afirmar que as alterações de usos e costumes obrigaram legisladores e juízes, legislativos e cortes judiciais a adotar posturas que levassem em conta as transformações culturais e sociais de nosso tempo.
Mas atente-se ao fato de que a raiz do Direito, o reconhecimento de que é lícito e legítimo reconhecer uma demanda, não se altera substancialmente com o passar dos anos. Na lei que cria os cursos de Direito de São Paulo e Olinda, no primeiro ano se estudava o “Direito das gentes”. O que seria isso se não um indicativo de que, já em sua gênese, o estudo do Direito no Brasil focava o ser humano e, por consequência, nos direitos dos seres humanos?
Razão tem-se de sobra para acreditar que o estudo do Direito deverá evoluir para uma abordagem muito mais voltada para os seres humanos – ainda que cada vez mais os advogados valham-se de ferramentas tecnológicas que nem de longe se parecerão com papeis e pergaminhos do passado.
No entanto, a matéria-prima do profissional do Direito será sempre a lei ou, como bem disse Rui Barbosa em sua “Oração aos moços”, são a legalidade e liberdade “as tábuas da vocação do advogado”. Então, ainda que tenhamos abordagens novas no Direito, o acolhimento das transformações sociais e culturais e leituras da lei própria de cada tempo, no cerne do Direito devem estar mantidas como cláusulas pétreas a liberdade, o respeito à norma e ao ser humano.
Princípios fundamentais de direitos humanos jamais podem dar lugar a leituras equivocadas sobre o Direito.
__________
*Álvaro Fernando da Rocha Mota é advogado, ex-presidente da OAB-PI. Presidente do Instituto dos Advogados Piauienses.