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As Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs) do Ministério da Saúde e a insegurança jurídica

Muito embora as PDPs possam trazer inúmeros benefícios para a sociedade e o Estado brasileiro, a gestão do programa realizada pelo MS necessita ser aprimorada, a fim de que as regras e princípios previstos no marco regulatório promulgado em 2014 sejam efetivamente aplicados e, assim, conferindo a necessária segurança jurídica ao programa.

11/8/2017

O programa das Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo, conhecidas como PDPs, foi implementado de forma mais estruturada pelo Ministério da Saúde a partir do ano de 2009.

As PDPs foram concebidas como instrumento para capacitar laboratórios públicos oficiais a fabricarem medicamentos considerados estratégicos no âmbito do SUS (Sistema Único de Saúde), reduzindo, assim, o déficit da balança comercial de compra de medicamentos do MS.

A ideia por traz do programa reside na utilização estratégica do poder de compra do Estado, no caso, do Governo Federal, mediante a estruturação de parcerias tripartites, envolvendo uma empresa privada detentora de tecnologia de um medicamento estratégico, um laboratório público oficial e o próprio MS.

Assim, a PDP seria estruturada a partir de um contrato administrativo entre a empresa privada e o laboratório público oficial, por meio do qual a empresa forneceria ao laboratório público a tecnologia de fabricação do medicamento e, durante o prazo de transferência da tecnologia, o laboratório se comprometeria a comprar da empresa determinadas quantidades do medicamento.

Mediante outro contrato, denominado termo de compromisso, o MS então se comprometeria a comprar com exclusividade (ou semi-exclusividade) o medicamento do laboratório público.

Nesse contexto, a empresa obtém, como contrapartida ao fornecimento da tecnologia de fabricação do medicamento, uma garantia de fornecimento do produto a certas quantidades, preços e por um determinado período.

Durante a fase inicial de implementação do programa, havia muitas dúvidas a respeito das PDPs, na medida em que não existia marco regulatório próprio sobre o tema, de modo que a forma de contratação e o próprio rito para formalização de uma parceria não estavam totalmente claros.

Diante daquele cenário de incerteza, foi editada e publicada a portaria 2531/14, que redefiniu as diretrizes e os critérios para a definição da lista de produtos estratégicos para o SUS e, ainda, as regras para o estabelecimento, avaliação e gestão das PDPs.

Apesar de ter sido objeto de algumas críticas, o novo marco regulatório das PDPs foi visto como avanço, já que, pela primeira vez, foram estabelecidas regras claras sobre o processo de submissão de propostas de PDP e avaliação pelo MS, sobre as fases da PDP, monitoramento das parcerias, responsabilidades das partes, etc.

Ocorre que, desde que houve a divulgação do resultado das propostas de PDP vencedoras do ano de 2015 e a interposição de recursos administrativos pelas empresas que não tiveram suas propostas selecionadas, tem-se observado grande retrocesso no MS com relação à gestão das PDPs. Como resultado, o programa, que caminhava para estabilização e melhor nível de segurança jurídica, sofreu substancial desgaste.

Desde então, não houve a divulgação oficial do resultado do julgamento dos recursos administrativos apresentados em 2015 e, diante de tal impasse, o MS sequer publicou a lista de produtos estratégicos para o ano de 2016.

Em 2016, portanto, diante da não divulgação da lista de produtos estratégicos, não foram submetidas propostas de PDP ao MS.

O cenário conturbado do programa permaneceu em 2017, já que a lista definitiva de produtos estratégicos, que deveria ter sido publicada até 31 de dezembro de 2016, somente foi publicada em 10 de março de 2017 (portaria 704 do MS).

Como o prazo de submissão das propostas de PDP previsto na portaria 2531/14 expirava em 30 de abril (partindo-se da premissa de que a lista de estratégicos é divulgada até 31 de dezembro do ano anterior), houve grande incerteza por parte das empresas e laboratórios públicos, já que o MS tardou em informar qual seria o prazo para submissão de propostas de PDP em 2017.

De fato, apenas em 29 de junho de 2017 houve a divulgação de um informe técnico, por parte do ministério, informando que o prazo para submissão de propostas seria 6 de julho de 2017; em outras palavras, da data de confirmação do novo prazo, laboratórios e empresas tiveram apenas uma semana para estruturar e submeter suas propostas de PDP.

Para compor esse cenario de incertezas, o MS decidiu, de ofício, suspender, no início de julho, a PDP firmada entre a empresa farmacêutica Shire e a Hemobrás – Empresa Brasileira de Hemoderivados, cujo objeto é a transferência de tecnologia para fabricação e o fornecimento do produto fator VIII de coagulação (recombinante), destinado ao tratamento de hemofilia A.

Tal decisão foi comunicada por meio de um ofício direcionado exclusivamente à Hemobrás, sem qualquer motivação, e sem que tanto a Shire quanto a Hemobrás tivessem tido a oportunidade de se manifestar antes da decretação da suspensão.

Em virtude dos vícios da decisão, especialmente a falta de motivação e o cerceamento de defesa, a Shire se viu compelida a recorrer ao Judiciário e, felizmente, obteve a concessão de medida liminar revogando a decisão do MS e restabelecendo a vigência de sua PDP.

A liminar foi concedida pelo juiz Frederico Botelho de Barros Viana, da 4ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal, sobretudo por reconhecer que o ato do MS carece de motivação e, ainda, porque não se pode suspender a PDP sem que o ministério comprove, ainda que perfunctoriamente, que não há risco de desabastecimento no SUS.

A decisão do MS, aliás, também foi objeto de questionamentos por parte do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) que, mediante o protocolo de uma representação com pedido cautelar, solicitou ao TCU a revogação imediata da decisão do MS até que se avalie a economicidade da parceria e os eventuais prejuízos que a suspensão/cancelamento poderiam trazer ao erário.

Isso porque, conforme amplamente noticiado, a decisão de suspensão da PDP firmada entre a Shire e Hemobrás teria como pano de fundo as negociações conduzidas pelo atual ministro da saúde Ricardo Barros para implementação de parceria alternativa, envolvendo a empresa Octapharma, que levaria investimentos para uma nova unidade do Instituto de Tecnologia do Paraná – TECPAR, a ser instalada em Maringá, reduto eleitoral do ministro.

Essa alternativa pretendida pelo ministro, além de não respeitar a PDP firmada entre Shire e Hemobrás, ainda vai de encontro aos procedimentos previstos na portaria 2531/14, já que o fator VIII de coagulação (recombinante) sequer consta da lista de produtos estratégicos de 2017 sujeitos a propostas de PDP e, ainda que estivesse, não haveria garantia de que a proposta vencedora seria aquela que contemplasse a empresa Octapharma e o laboratório público TECPAR.

Muito embora as PDPs possam trazer inúmeros benefícios para a sociedade e o Estado brasileiro, a gestão do programa realizada pelo MS necessita ser aprimorada, a fim de que as regras e princípios previstos no marco regulatório promulgado em 2014 sejam efetivamente aplicados e, assim, conferindo a necessária segurança jurídica ao programa.

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*Carlos Eduardo Eliziário de Lima é sócio do escritório Dannemann Siemsen Advogados.

*Rodrigo Augusto Oliveira Rocci é sócio do escritório Dannemann Siemsen Advogados.



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