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O acesso à justiça no Brasil e suas implicações no atual processo de controle abstrato de constitucionalidade

Nos momentos atuais, fala-se ou conceitua-se o controle Abstrato de Constitucionalidade como um grande desafio jurídico, já que se pressupõe que na Constituição conclamam-se e proclamam-se os princípios e valores essenciais que por si mesmos se efetivam, esquecendo-se que a norma constitucional em sua função adjacente precisa de cenários e condições materiais (efetivos) para sua implementação e efetivação em função de atingir diretamente as bases essenciais do conceito de Estado Democrático de Direito, definido no artigo 1º da Constituição Federal de 1988.

7/8/2006

 

O acesso à justiça no Brasil e suas implicações no atual processo de controle abstrato de constitucionalidade

 

Rodrigo Murad do Prado*

 

Nos momentos atuais, fala-se ou conceitua-se o controle Abstrato de Constitucionalidade como um grande desafio jurídico, já que se pressupõe que na Constituição conclamam-se e proclamam-se os princípios e valores essenciais que por si mesmos se efetivam, esquecendo-se que a norma constitucional em sua função adjacente precisa de cenários e condições materiais (efetivos) para sua implementação e efetivação em função de atingir diretamente as bases essenciais do conceito de Estado Democrático de Direito, definido no artigo 1º da Constituição Federal de 1988 (v. abaixo). O grande problema que se vislumbra hoje, no Brasil, são as vias procedimentais e processuais para se chegar a definir, jurídico-constitucionalmente, a função do Controle Abstrato de Constitucionalidade, proporcionando, assim, a efetividade do acesso à justiça1.

 

A sociedade vem buscando, cada vez mais, após a ampliação dos meios para o exercício de um Controle de Constitucionalidade pela Constituição Federal de 1988, um meio de participar de forma mais efetiva do processo abstrato de Controle de Constitucionalidade, seja através dos já legitimados como os Partidos Políticos, com representação no Congresso Nacional, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, das Confederações Sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional ou, de forma tangencial, pela via do “amicus curiae”2 (amigo da corte ou amigo do tribunal), figura consagrada pelo artigo 7º, § 2, da Lei 9868/99 (clique aqui) e pelo artigo 6º, §1º, da Lei 9882/99 (clique aqui)3. O ingresso da sociedade no processo e julgamento das ações que visam o Controle Abstrato de Constitucionalidade4 de normas representa, sem dúvida, uma forma de Acesso à Justiça e a demonstração de que, a sociedade, atualmente, ao procurar participar de forma mais efetiva do processo de “check's and ballances” (freios e contrapesos) entre os três poderes, viabilizando um ideal de DEMOCRACIA participativa. O Supremo Tribunal Federal contaria com a opinião social através do instituto, já referido, do “amicus curiae”, opinião essa, de vultosa importância, pois a lei ou o ato normativo questionado, pode dizer respeito a interesses daquela parcela da sociedade que participa no processo. A intervenção da sociedade ensejaria decisões pautadas na Justiça, Equidade, Eticidade, Sociabilidade e Concretude.

 

A relevância do tema tem fundamentação na visível necessidade de objetivar os procedimentos e processos utilizados no controle abstrato de constitucionalidade, visando a real efetividade que se busca no acesso à justiça, na solução para os conflitos sociais existentes, através de mecanismos que proporcionem menos formalismo e mais celeridade na resolução dos paradoxos sociais que atingem a sociedade brasileira.

 

O Supremo Tribunal Federal vem, cada vez mais, fazendo uma interpretação extensiva e teleológica da Lei 9.868/99 quanto à figura processual do “Amicus Curiae”. Essa extensividade possui imbricações de ordem democrática e de cunho social, pois possibilita que a população possa opinar sobre questões indagadas em Ações Diretas de Inconstitucionalidade, Ações Declaratórias de Constitucionalidade ou nas ações de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental que tem imbricações materiais sobre suas esferas de direitos subjetivos.

 

Nos dias atuais, os estudiosos e aplicadores do Direito têm visto, na prática, nossos Tribunais aplicarem princípios constitucionais que, antes, figuravam apenas em um rol doutrinário, tais como o princípio da Proibição do Retrocesso, da Igualdade Substancial ou Material e do Acesso à Justiça.

 

Fazendo uma reflexão sobre os estudos de Direito Constitucional feitos pelos mais renomados autores, como J. J. Gomes Canotilho, Jorge Miranda, Paulo Bonavides e José Afonso da Silva e pelos votos dos Ministros Gilmar Ferreira Mendes, Joaquim Barbosa e José Celso de Mello Filho, dentre outros também importantes, notamos que a interpretação por eles realizada foi, aos poucos, absorvida pelo subconsciente humano, fazendo com que o destinatário da norma, que é o povo, reivindique seus direitos subjetivos e participe do processo de compatibilização das normas infraconstitucionais com a Lei maior.

 

Estamos caminhando para uma evolução constitucional e cada vez mais temos notícias de que o povo brasileiro está tendo uma maior conscientização de sua Carta Política e de que, a Lei maior é o sustentáculo fundamental de todo o ordenamento jurídico e a contradição existente entre ela e uma lei é inconcebível.

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Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

 

I - a soberania;

 

II - a cidadania;

 

III - a dignidade da pessoa humana;

 

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

 

V - o pluralismo político.

 

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

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1Acesso à justiça é acesso à ordem jurídica justa, ou seja, obtenção de justiça substancial. Acesso à justiça não equivale a mero ingresso em juízo. A própria garantia constitucional da ação seria algo inoperante e muito pobre se se resumisse a assegurar que as pretensões das pessoas cheguem ao processo, sem garantir-lhes também um tratamento adequado. É preciso que as pretensões apresentadas aos juízes cheguem afetivamente ao julgamento de fundo, sem a exacerbação de fatores capazes de truncar o prosseguimento do processo, mas também o próprio sistema processual seria estéril e inoperante enquanto se resolvesse numa técnica de atendimento ao direito de ação, sem preocupações com os resultados exteriores. Na preparação do exame substancial da pretensão, é indispensável que as partes sejam tratadas com igualdade e admitidas a participar, não se omitindo da participação também o próprio juiz, de quem é a responsabilidade principal pela condução do processo e correto julgamento da causa. Só tem acesso à ordem jurídica justa quem recebe justiça. E receber justiça significa ser admitido em juízo, poder participar, contar com a participação adequada do juiz e, ao fim, receber um provimento jurisdicional consentâneo com os valores da sociedade. Tais são os contornos do processo justo, ou processo équo, que é composto pela efetividade de um mínimo de garantias de meios e de resultados.

 

2Lei que dispõe sobre o processo e julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade e da Ação Declaratória de Constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.

 

3Lei que dispõe sobre o processo e julgamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

 

4Controle de constitucionalidade é a adequação dos atos normativos à Constituição Federal. A idéia de controle, emanada da rigidez, pressupõe a noção de um escalonamento normativo, ocupando a Constituição o grau máximo na aludida relação hierárquica, caracterizando-se como norma de validade para os demais atos normativos do sistema. Trata-se do princípio da supremacia da constituição, que, nos dizeres do professor José Afonso da Silva, reputado por Pinto Ferreira, como “pedra angular, em que assenta o edifício do moderno direito político”, “significa que a constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos. (MORAIS, Alexandre de. Direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Atlas, 1999, 245 a 246 p.

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*Advogado, Pós-Graduado em Direito Privado e Mestrando em Direito.

 

  
 


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