O decreto 9.101, de 20 de julho de 2017, editado pelo Exmo. Presidente da República Michel Temer é inconstitucional.
O Poder Executivo justifica a edição do decreto, ao falar sobre o aumento das alíquotas do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) sobre a gasolina, o diesel e o etanol, que referida medida serve para compensar as dificuldades fiscais que assolam o Brasil.
Todavia, o decreto é inconstitucional, data vênia.
A hipótese de incidência tributária nasce com o ingresso, in abstracto, no sistema normativo, de uma determinada circunstância de fato ou de fatos, descrita em momento anterior à sua própria concretização.
Desta forma, para que o sistema normativo seja válido e harmônico, se faz necessário que a via legislativa de acesso à descrição hipotética seja constitucionalmente adequada, sob pena de todo o arcabouço normativo positivo construído restar contaminado pela eiva da ilegalidade e da inconstitucionalidade.
Os atos normativos infralegais exarados pelo Poder Executivo após o advento da Constituição Federal de 1988, no sentido de alterar a alíquota do tributo, como ocorre no presente caso, encontram-se inquinados de manifesto vício de nulidade, haja vista o desrespeito ao princípio da legalidade tributária.
Com efeito, conforme disposto no artigo 150, I, da Constituição Federal, apenas a lei pode instituir ou aumentar tributos.
Deve-se ressaltar que, em caso análogo a este, o STF já considerou inconstitucional a majoração de alíquota realizada por ato infralegal, ainda que essa mesma alíquota houvesse sido anteriormente reduzida também por meio de ato infralegal.
A Constituição Federal só permite alteração de alíquota de imposto no que se refere a impostos de importação, exportação e as Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (Cide). Quanto ao PIS e Cofins, a alteração só pode ser feita por lei.
Ademais, a alínea “c” do inciso III do art. 150 da Constituição, por sua vez, veda a cobrança de tributos antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que aumentou a exação. No mesmo sentido, o §6º do art. 195 da Constituição Federal.
No caso, o decreto 9.101/17 foi publicado em 20.07.2017, com vigência imediata, no que implica ofensa direta à anterioridade nonagesimal, frustrando todo planejamento tributário dos contribuintes.
O debate ganha ainda mais relevo quando se verifica, na Constituição Federal, os instrumentos sociais considerados como regras e princípios e, dentre esses últimos, vale assinalar o princípio do mínimo existencial, instrumento de aplicação na forma de interpretação de normas constitucionais.
Conceitua-se mínimo existencial, segundo Rawls, um modelo de justiça em que os homens estabelecem entre si um contrato social; aqui, cada um desconhece qual será sua posição na sociedade (véu da ignorância), com a determinação de princípios básicos de funcionamento da sociedade e de distribuição de bens.
O mínimo existencial é como um direito às condições mínimas de existência humana digna que não pode ser objeto de intervenção do Estado.
O aumento de tributos por ato unilateral do Poder Executivo é incompatível com fundamentos elementares da Constituição Federal como a legalidade, a dignidade humana; a razoabilidade, dentre outros.
Konrad Hesse, Juiz da Suprema Corte Alemã no seu clássico Força Normativa da Constituição, assim definiu tais situações: "A necessidade não conhece princípios".
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*Breno de Paula é presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB Nacional.